Um semana após tragédia, membros da Igreja Maronita e brasileiro de origem libanesa comentam situação; “Mais uma catástrofe para um povo que já sofre”
Julia Beck
Da redação
Tristeza e preocupação foram dois dos muitos sentimentos que assolaram a comunidade libanesa em São Paulo, na última terça-feira, 4 de agosto, quando uma grande explosão atingiu o porto de Beirute, no Líbano, deixando 158 mortos, mais de seis mil feridos e aproximadamente 300 mil desabrigados.
Padre Elias Karam, de 37 anos, está no Brasil há 10 anos e é um dos membros da comunidade libanesa de São Paulo. O sacerdote conta que, assim que a explosão foi divulgada nas redes sociais, antes mesmo de ser noticiada pelos grandes veículos de comunicação do país, entrou em contato com os pais, que moram em uma cidade próxima de Beirute, além de ligar para familiares e amigos.
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O sentimento de alívio ao saber que os pais estavam bem logo foi somado ao de tristeza pela perda de uma amiga. “Ela [amiga do padre Elias] estava passando de carro naquela região com os dois filhos e uma pedra gigante a atingiu”. O presbítero conta que outra amiga está em coma, após ter sido atingida pelos destroços de uma porta.
“Tenho várias conhecidos e amigos que conhecem pessoas que foram atingidas por essa tragédia”.
– Padre Elias Karam
Brasileiro, de origem libanesa, o médico e empresário de 58 anos, Assad Frangieh, também possui parentes e amigos no Líbano. Ao contrário de padre Elias, o médico não perdeu ninguém próximo, mas viveu junto com a família a tensão por falta de notícias da sobrinha, que percorre diariamente um trajeto próximo ao local onde houve a explosão.
“Minha sobrinha é médica e saiu do hospital após um plantão. Ela passou na frente do porto e minutos depois aconteceu a explosão. Filha única. Não consigo nem comentar ou expressar o que passou na cabeça da minha irmã e da família”, dividiu Assad.
Ao assistir ao vídeo da explosão em seu país de origem, o bispo da Igreja Maronita de São Paulo, Dom Edgard Madi, afirma: “Comecei a chorar. Pensei que esta era mais uma catástrofe para um povo que já sofre. O Líbano não merece passar por tudo isso”. Com 64 anos, o bispo está há 14 anos no Brasil e possui amigos e familiares que foram atingidos pela tragédia.
“Humanamente, não encontro palavras para expressar-me. É uma explosão que foi além da expectativa da mente humana, mas a fé vem para consolar o povo”.
– Dom Edgard Madi
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Mais um sofrimento para o país
Mesmo de longe, padre Elias, Dom Edgard e o médico Assad acompanham a situação do Líbano desde antes da tragédia. Todos destacam a vida já sofrida de quem reside no país pós-guerra, com uma crise econômica em curso desde o ano passado (o Líbano possui uma das maiores dívidas públicas do mundo), financeira (por falta de recursos e liquidez do governo e dos bancos), moral e ética (porque há corrupção).
Os libaneses enfrentam constantemente um país marcado por protestos, alto índice de desemprego, queda no poder aquisitivo e superlotação de deslocados sírios. Assad, que é também coordenador de um grupo de Estudos Geopolíticos do Oriente Médio, frisa que para quem acompanha a política no Oriente Médio, a explosão não foi uma surpresa, mas sim uma consequência.
“As dimensões da tragédia impressionam e abafam qualquer visão otimista de uma agilidade na reabilitação social, financeira e econômica do Líbano”, pontuou o médico, que prosseguiu: “Vejo a situação com um olhar de imigrante da diáspora libanesa. Não acredito em transformações rápidas nas sociedades libanesas em qualquer nível. Em poucos dias, esta tragédia ficará na memória, a exploração política continuará, a ineficiência da recuperação econômica está difícil. Apenas ficará a saudade de quem morreu e a agonia dos familiares dos desaparecidos”.
Calvário
“Cristo enfrentou um caminho bem mais difícil e acho que não só o ser humano passa por calvários, mas também nações, governos, povos…”, destaca padre Elias. O sacerdote afirma que é preciso ter fé e a certeza de que, após o calvário, sempre se encontra a ressurreição e a esperança.
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“Espero que a dor e o sofrimento terminem rápido para esse povo que faz tempo que está sofrendo, sem condições de sobreviver, comer, viver com dignidade. Deus nunca vai nos deixar, sempre tivemos fé em Jesus, que ele vai nos consolar, assim como temos fé em Nossa Senhora. Ela está lá conosco, mesmo nesses momentos”.
Dom Edgard comenta que assim como os católicos se ajoelham diante do sofrimento de Jesus, também o mundo hoje está ajoelhado diante do sofrimento do povo no Líbano. “Acreditamos na ressurreição e o Líbano e o povo libanês vai ressuscitar se Deus quiser”.
Solidariedade e dificuldades
Uma das grandes dificuldades em ações de solidariedade, conta padre Elias, é que o Líbano não possui uma estrutura ou organização do governo para facilitar ajudas e doações. “A solidariedade acaba sempre acontecendo no âmbito pessoal ou privado”, relatou. O sacerdote revela que, no país, a maior parte da ajuda à população provém da Igreja.
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O patriarca libanês, comenta o presbítero, pediu a todas as congregações e Igrejas para acolherem pessoas feridas por esta tragédia ou desabrigadas.“A igreja foi bem mais rápida que o governo, ela está ao lado do povo”, complementou.
No Brasil, como no mundo todo, padre Elias relata que as pessoas começaram a perguntar o que é preciso fazer para ajudar. “Temos várias entidades no Brasil que se disponibilizaram para ajudar o Líbano a se reerguer”. Dom Edgar afirma que a Igreja Maronita de São Paulo ajuda a Cáritas Libanesa e convidou os fiéis que desejam enviar ajuda a contatarem a entidade.