O arcebispo de São Paulo, Dom Odilo Scherer, falou sobre o relatório final do Sínodo dos Bispos da Família, realizado de 4 a 25 de outubro
Arquidiocese de São Paulo
Após retornar de Roma, onde participou do Sínodo dos Bispos sobre Família que foi realizado de 4 a 25 de outubro, o arcebispo de São Paulo, Dom Odilo Scherer, falou sobre as principais reflexões feitas durante toda a assembleia.
Leia a íntegra:
A 14ª assembleia ordinária do Sínodo foi encerrada no dia 25 de outubro. Como descrever a experiência desse Sínodo, na condição de participante dele?
Foi uma experiência eclesial muito intensa e bonita. Deu para perceber a universalidade da Igreja: sendo a mesma em toda parte, pelo mesmo Evangelho, a mesma profissão de fé e pela mesma organização visível, ela tem, ao mesmo tempo, faces muito diferentes, de acordo com as culturas onde ela está inserida. Foram 3 semanas de reuniões com a presença quase diária do Papa Francisco e com representantes dos episcopados do mundo inteiro, além de outros membros da Igreja. Não se tratou de um Parlamento, onde a maioria decide, ou os partidos tentam negociar composições e compromissos, para vencer um debate… Procuramos todos falar com liberdade e colocar-nos à escuta do outro, na tentativa de discernir o que o Espírito de Deus ensina.
O Sínodo tratou de muitos temas relativos à família: no seu parecer, quais serão as contribuições que mais deixarão marcas no presente e no futuro da família?
De fato, mesmo se o tema específico foi “a vocação e a missão da família na Igreja e na sociedade contemporânea”, foram abordados praticamente todos os temas referentes ao casamento e à família. Creio que o resultado foi muito positivo e algumas questões apareceram claras: uma renovada valorização da família pela Igreja, como realidade boa e querida por Deus; o casamento entre um homem e uma mulher dá início a uma família; a família tem uma missão importante em relação a cada pessoa, à comunidade humana e à Igreja; muitas situações novas e complexas envolvem hoje a família e requerem a atenção pastoral renovada da Igreja, que precisa estar próxima das famílias marcadas pela dor e todo tipo de sofrimento. A Igreja, ao mesmo tempo que convida todos a acolherem a Boa Nova de Jesus, precisa olhar com paciência e misericórdia os casais e as famílias que vivem em situações contrastantes com o ensinamento do Evangelho.
Há esperança de que no futuro haja menos casais separados, divórcios e casais em segunda união?
A Igreja é sempre animada pela esperança. Mas o Sínodo refletiu muito sobre a necessidade da boa preparação para o casamento cristão e o casamento em geral. Creio que a preparação para o casamento deverá ser uma das ações principais da pastoral da família, de maneira que haja menos casamentos nulos ou divórcios no futuro. Precisamos perseverar, na certeza de que Deus não pede coisas impossíveis aos homens. É possível casar, perseverar e ser feliz no casamento.
Antes do Sínodo, criou-se uma grande expectativa sobre a questão da comunhão eucarística aos divorciados e recasados. Após o Sínodo, esses casais podem ou não receber a Eucaristia?
O Sínodo não tinha a missão de “resolver” essa questão, pois a natureza do sínodo é consultiva, e não decisória. O Sínodo refletiu com intensidade sobre isso e ofereceu algumas indicações ao Papa em relação ao eventual acesso à mesa eucarística dos casais que vivem em segunda união. Permanecem válidas as indicações dadas pelo Papa São João Paulo II na Exortação Apostólica Familiaris Consortio, de 1981. A resposta não consiste num generalizado “pode”, ou “não pode”. Os casos não são todos iguais. Em algumas situações, pode haver uma permissão especial para comungar. O que o Sínodo falou com clareza é que esses casais não estão excomungados, nem devem se considerar como tais; são filhos da Igreja e têm muitas possibilidades de se sentirem parte da Igreja e em comunhão com Deus. Além da comunhão eucarística, há a comunhão de fé, da escuta e vivência da Palavra de Deus, da oração comum, da caridade, da participação na missão da Igreja.
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O que a Igreja ganhou com o Sínodo? Valeu a pena realizar essa assembleia?
Creio que ganhou muito e o Sínodo sobre a família valeu muito a pensa. Houve uma nova tomada de consciência em relação à família e sobre a necessidade de uma nova pastoral familiar. Além disso, ficou muito clara a percepção de que é necessário haver uma espécie de aliança entre a Igreja e a família. O conceito de “Igreja doméstica”, aplicado à família cristã, vai ter maior relevância daqui por diante. Por outro lado, não deixou de ser profético para o mundo que a Igreja se ocupasse tão intensamente com a família nesta época, para dizer uma palavra clara e orientadora sobre essa célula básica da sociedade e da Igreja.
Falou-se em “lei da gradualidade”, aplicada à situação dos divorciados e recasados civilmente. Que significa isso?
É um conceito usado na teologia moral e sistemática: nem todos fazem a profissão de fé com a mesma intensidade, podendo haver um crescimento e amadurecimento na fé. Para a mesma ação humana objetiva, a responsabilidade moral subjetiva pode ser diferente, dependendo de uma série de fatores; nem toda ação virtuosa tem o mesmo grau de perfeição, podendo haver crescimento na virtude. Em relação aos casais divorciados, a responsabilidade pela quebra da aliança matrimonial não é sempre igual para as duas partes. Assim também, os casais que vivem em segunda união, também podem estar vivendo graus diversos de responsabilidade moral subjetiva por essa situação; uma, é a de quem causou a separação e outra, a situação da parte inocente numa separação. Este é um fator a ser considerado no acompanhamento dos casais em segunda união.
O Relatório final do Sínodo, nos parágrafos 84 e 85, fala do acompanhamento pastoral dos casais em segunda união, da necessidade de confrontar-se com a sua consciência. Significa que depois disso já podem aproximar-se da comunhão eucarística?
Na consciência moral, a pessoa se confronta com Deus e toma suas decisões morais. A consciência moral subjetiva é importante, mas ela precisa confrontar-se com a norma moral objetiva. No caso do divórcio e de uma nova união, há uma questão moral objetiva, que não pode ser desconsiderada e as decisões não podem ficar simplesmente por conta da consciência subjetiva. Por isso é necessário que esses casais busquem e recebam a ajuda do sacerdote para fazer o adequado discernimento. O Sínodo evitou de deixar a decisão simplesmente por conta da consciência moral subjetiva.
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No parágrafo 86 fala-se da necessidade do acompanhamento pastoral pelo sacerdote, para fazer o discernimento sobre casa situação. O padre pode decidir sobre a participação desses casais na comunhão?
Acompanhamento, inclusão e misericórdia foram conceitos usados com abundância no Sínodo A Igreja, nas realidades locais, precisa acompanhar, ou seja, tornar-se próxima das situações de casais em crise, ou que se divorciaram, ou que se casaram de novo no civil, após uma separação. Apesar de tudo, essas pessoas não devem ser abandonadas, condenadas ou excluídas da comunidade; há necessidade de discernir, orientar, indicar vias de participação na vida e missão da Igreja. Há situações em que será necessário encaminhar para o reconhecimento da nulidade. A participação da comunhão eucarística é importante, mas esta não deve ser a única preocupação pastoral. Nas indicações dadas pelo Sínodo não consta que o padre esteja autorizado a decidir pelo casal, de modo generalizado, sobre a participação na comunhão eucarística.
Haverá ainda uma palavra do Papa sobre o assunto?
O Sínodo consultivo e, por si mesmo, não lhe cabia tomar nenhuma decisão. O Papa convocou a assembleia do Sínodo para ouvir a Igreja sobre as questões relativas ao casamento e a família, através dos seus pastores locais. Isso foi feito, o Papa ouviu atentamente e recebeu o relatório final, com as indicações dos participantes do Sínodo. Agora, depois de algum tempo, certamente haverá uma palavra “de autoridade” do Papa, como aconteceu nos Sínodos anteriores. Vamos continuar a rezar e aguardar.