O ano de 2011 foi extremamente intenso para o Papa Bento XVI. O diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, padre Federico Lombardi, traça um balanço deste ano a partir do prisma das viagens internacionais do Santo Padre e de alguns dos acontecimentos marcantes do ministério petrino.
Padre Federico Lombardi – As viagens internacionais são sempre pontos de referência na agenda do Papa durante o ano. Gostaria de começar recordando as duas viagens no meio do ano, aquelas à Alemanha e à Espanha. À Alemanha, antes de tudo, porque destacou a preocupação do Papa de falar sobre Deus e fazer referência ao primado de Deus na sociedade, em vias de secularização, no contexto europeu e, em particular, no seu país. Era uma viagem esperada, extremamente importante e, creio, que o discurso do Papa ao Parlamento em Berlim permaneça um dos grandes discursos do Pontificado, fazendo compreender, a um auditório muito amplo, a importância da referência a Deus como saudável fundamento e ponto de referência da convivência humana, dos valores fundamentais da convivência e da proteção da dignidade do homem.
Esse tema do primado de Deus dominou, de certa forma, a viagem à Alemanha, mas no contexto da secularização. Já na Espanha, na Jornada Mundial da Juventude (JMJ), que precedeu a viagem à Alemanha, houve a grande experiência da vitalidade da fé, do seu futuro. O Papa releu com muita profundidade essa viagem à Espanha no último discurso que fez à Cúria, pouco antes do Natal. E indicou, nas suas reflexões, o que significa anunciar e como anunciar de um modo novo e vital o ser cristãos. Portanto, da JMJ o Papa colheu as indicações vivas para a nova evangelização do mundo.
Assim, enquanto a Alemanha pareceu-me uma admoestação a conservar os valores fundamentais de referência em uma época, em um mundo que está em fase de secularização, a Jornada Mundial da Juventude indiciou o lado positivo da presença anunciadora e viva da Igreja no mundo de hoje.
Rádio Vaticano – Houve depois a viagem ao Benin…
Padre Lombardi – Sim, a viagem ao Benin foi um dos eventos fundamentais deste ano, também porque coincidiu com a apresentação, ao continente africano, do documento final do Sínodo para a África. Um documento que é belíssimo, claro e simples. Diversos comentaristas – também não católicos – o indicaram como um dos mais belos documentos que existem, hoje, para o Continente africano: tratando com amplitude de horizontes os seus problemas, e indicando com confiança os motivos de esperança realista com base nos quais ir ao encontro do futuro, reconhecendo a dignidade dos africanos. E esse foi também o clima em que se desenvolveu a viagem.
O Papa foi atingido pela alegria, pela vitalidade deste povo que o acolheu. Um povo que vive em dificuldade, que é pobre, que tem certamente sofrimentos e grandes problemas, mas que manifesta uma capacidade de olhar adiante e apreciar a alegria de viver. Portanto, esta viagem indicou muito eficazmente a capacidade da Igreja Católica hoje de falar ao continente africano sendo uma parte dele, não uma Igreja estranha à África: não mais uma Igreja que fala para a África a partir da Europa, mas que fala à África na África e da África.
Esse sentido de solidariedade, de acolhida, de alegria, de participação que o Papa viveu em meio aos africanos, expressam muito bem aquilo que se manifesta no documento. Portanto, diria que esse é um dos sinais de esperança para o futuro da África e para o futuro da Igreja na África e do seu serviço para o Continente.
RV – Em Assis, o Papa relançou com força o tema do diálogo…
Padre Lombardi – Esse encontro de Assis era muito esperado. Sabemos que já faz tempo que se duvidava que o Papa Bento XVI retomaria as mensagens de Assis do seu predecessor, se não teria dado passos para trás… Na realidade, não foi uma simples repetição do passado em Assis, mas foi um passo adiante, a abertura de um novo horizonte, porque o Papa colheu – segundo o método de voltar aos pontos fundamentais – o tema da busca da verdade como unificante, e pôde convidar para Assis não somente os representantes de outras confissões cristãs ou das outras religiões, mas também os sinceros "buscadores da verdade", ainda que não reconheçam a um Deus. E isso foi um elemento muito importante, que fez sentir a comunhão que já existe entre aqueles que se referem a um Deus pessoal, mas fez sentir o mesmo também com relação àqueles que buscam – honestamente – a verdade. E essa foi uma mensagem extremamente bela, que se coloca em continuidade também com o tema do Átrio dos Gentios, que o Papa havia lançado precedentemente e que foi levado adiante com o compromisso da Igreja. Portanto, se se olha não somente os eventos do Papa, mas aqueles eclesiais, o tema do Átrio dos Gentios e os seus eventos foram um dos pontos importante da vida da Igreja neste ano. Ressalto também que o Papa teve outros importantíssimos momentos de caráter ecumênico e inter-religioso: pensemos nos encontros com os luteranos na Alemanha, centrados sobre o primado de Deus; ou pensemos no grande discurso no Benin às autoridades do país, em que o tema do diálogo inter-religioso foi tocado em profundidade, muito diretamente.
RV – Entre os documentos de 2011 está o Motu Proprio "Porta Fidei", através do qual o Papa proclamou o Ano da Fé, a partir de outubro de 2012. Portanto, um tema que se vincula à nova evangelização. Aqui recordamos também a Missa para a América Latina…
Padre Lombardi – De fato, temos, neste ano, alguns "ganchos" que já nos fazem olhar ansiosos para o próximo ano. A carta de proclamação do Ano da Fé é um desses ganchos: vincula-se a esse grande tema, que é um dos temas do Pontificado – a nova evangelização –, e ao Sínodo que acontecerá no próximo ano, no contexto também mais amplo que o Papa quis criar com o tema do Ano da Fé. Em breve, teremos também o subsídio preparado pela Congregação para a Doutrina da Fé, com sugestões pastorais sobre como preparar-se para o Ano da Fé. Portanto, devemos ver um caminho de preparação que terá um momento muito forte no Sínodo do próximo outono.
O outro evento que recordastes – a Missa pelo Bicentenário de independência de alguns países da América Latina – foi vinculada pelo Papa à sua próxima viagem, com o anúncio esperado e extremamente emocionante do seu desejo de viajar a Cuba e ao México na próxima primavera: será certamente um dos eventos-chave dos próximos meses.
RV – Entre as visitas significativas, também recordamos aquele recente à prisão de Rebibbia…
Padre Lombardi – No tempo do Natal, todos os anos, o Papa faz visitas de solidariedade, de caridade. Também nos anos passados houve visitas aos doentes terminais, às crianças hospitalizadas e assim por diante. Neste ano, foi a visita à prisão, que foi extremamente importante, emocionante e também extremamente espontânea, com o diálogo entre o Papa e os prisioneiros, que tocaram profundamente a todos. Aqui se vê como a Igreja, também deixando à sociedade civil todas as responsabilidades de caráter legislativo, organizacional dos problemas dramáticos, como aquele da justiça e da prisão, pode, no entanto, dar uma mensagem muito forte, muito viva e profunda no sentido da reconciliação, no sentido da esperança de uma reinserção também dos marginalizados na sociedade.
Esse é um ponto de que, creio, o mundo de hoje tenha extrema necessidade: ser convidado a recordar-se de que também quem errou não deve ser marginalizado ou eliminado da sociedade, mas a verdadeira e grande justiça cumpre-se quando o mal é superado pela reconciliação, pelo retorno pleno à convivência pacífica de todos aqueles que erraram e que foram excluídos.
RV – Houve também, em 2011, um evento particular: a ligação com a Estação Espacial Internacional. O Papa falou com os astronautas…
Padre Lombardi – Esse foi um evento do qual participei com muita intensidade, porque tive uma boa parte da responsabilidade – também técnica – de sua realização, e fui surpreendido pelo quanto os astronautas estavam desejosos desse encontro com o Papa. Foi praticamente a única vez em que todos os astronautas participaram juntos – eram 12 – de um link audiovisual com a Terra. Normalmente, fala apenas um com o seu presidente: desta vez, todos desejavam falar com o Papa, vê-lo e ouvi-lo.
Foi uma ocasião extraordinária em que o Papa demonstrou, com grande alegria e disponibilidade, a amizade da Igreja pela pesquisa científica e a técnica colocada à disposição do bem da humanidade: esse foi o significado desse grande encontro. Ou seja: a Igreja não tem medo da pesquisa e do progresso das ciências e da técnica, mas as vê com grande simpatia, recordando, no entanto, que devem ser destinadas para o bem da humanidade.
RV – Em 1º de maio passado houve o grande evento da Beatificação de João Paulo II…
Padre Lombardi – Os primeiros meses do ano passado foram um pouco catalisados pela expectativa desse evento extremamente importante, porque requeria a mobilização da Igreja universal. Diria que foi um evento vivido com grandíssima alegria, que expressou a fé da Igreja na vida do Beato conosco, isto é, que em João Paulo II manifesta-se verdadeiramente uma pessoa viva e presente no caminho da Igreja. Isso foi ouvido, vivido espontaneamente por uma quantidade grandíssima de fiéis, que, depois, vieram também encontrá-lo – simbolicamente – visitando a sua sepultura em São Pedro, e isso é algo que continua, porque João Paulo II continuará a estar presente.
A Beatificação não é um ponto de chegada, mas, em certo sentido, é uma etapa do caminho: muitos olham já à Canonização, pensando que naturalmente ela chegará! Muitos, também independentemente disso, sentem a relação com ele como extremamente confortante, de guia, entusiasmante… E aqui gostaria de recordar que o Papa Bento convida-nos sempre a sentir os Santos e os Beatos como os nossos companheiros de caminho: portanto, João Paulo II é um pouco especial, porque foi conhecido por todo o mundo. Mas todos os Santos e os Beatos que a Igreja nos propõe são nossos acompanhantes na estrada da nossa vida na fé rumo ao Senhor…
RV – Enfim, o Papa continuou a desempenhar o seu papel de catequista nos Angelus e Audiência Gerais, e não esqueçamos do segundo volume de "Jesus de Nazaré"…
Padre Lombardi – Bento XVI é uma pessoa que vive profundamente a sua vocação de mestre e de mestre não somente teológico, mas também espiritual. Admiro sempre imensamente essa síntese de doutrina e espiritualidade vivida, que se sente nas suas palavras e se lê nos seus escritos. Ensina com os Angelus, com as Catequeses – agora faz este ciclo sobre a oração, que é muito útil também exatamente para a nossa vida espiritual –; ensina com homilias maravilhosas nas grandes festas cristãs, e, para quem deseja aprofundamento maior, deu também um passo ulterior na realização dessa grande obra sobre Jesus que ele quis deixar-nos, um pouco verdadeiramente como testamento do seu amor por Cristo, do seu amor pessoal, da sua busca pessoal pelo rosto de Cristo. O livro deste ano é aquele dedicado à Paixão e à Ressurreição: evidentemente, o volume central da grande obra. Mas nós continuamos a esperar pelo terceiro volume, aquele sobre a infância, como finalização desta apresentação extraordinária, profunda, viva de Jesus para nós, hoje.
RV – Padre Lombardi, um balanço muito intenso este de 2011…
Padre Lombardi – Como todos os anos de cada Pontificado, evidentemente, porque a Igreja vive nos diversos Continentes, com perspectivas amplíssimas, afrontando problemas que a história nos apresenta…
Diria que o Papa Bento XVI verdadeiramente acompanhou-nos e guiou-nos, neste ano, com grandíssimas mensagens, com uma intensidade de ação e também com serenidade. Diria que talvez, com relação a outros anos precedentes – mais perturbados por fenômenos de crises ou de tensão –, este ano foi muito belo, positivo, de grande mensagens que nos fazem olhar adiante.