Padre recém-ordenado e diáconos à espera da ordem presbiteral contam como é receber este sacramento em tempos de pandemia da Covid-19
Julia Beck
Da redação
A ordenação de um diácono permanente e de um sacerdote é motivo de festa para a Igreja Católica. As cerimônias costumam contar com a presença de um grande número de membros do clero, familiares, amigos e fiéis que acompanham atentos esse momento, que inclui o rito de eleição do candidato, homilia do bispo, propósito do eleito, entoação da ladainha, imposição das mãos, prece de ordenação, unção das mãos e entrega do pão e do vinho.
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Com a pandemia de coronavírus, os muitos abraços, demonstrações de carinho e felicitações comuns a essas cerimônias agora precisam esperar. A alegria permanece, mas por questões sanitárias, o número de pessoas que participam dessas cerimônias foi drasticamente reduzido e alguns ritos precisaram ser revistos, de acordo com orientações da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) para as celebrações comunitárias.
Após anos de estudo e pastoral, encontrar esta realidade em um ano tão importante exigiu de Márcio Leandro Fernandes, Elenildo da Silva, Everton Gonçalves e Thales Maciel uma resposta diante da dúvida: “Seguir com a ordenação ou adiá-la?” A decisão foi difícil, mas a vocação foi fator determinante para que os três vocacionados dessem seu “sim” em direção à ordenação.
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Diácono Thales Maciel durante ordenação diaconal ocorrida em 2019/ Foto: Arquivo – Pessoal
A poucos dias de receber o sacramento da ordem – cerimônia está marcada para este domingo, 28 – diácono Thales conta que a opção feita pela ordenação foi pautada pela vida de um santo conhecido da Igreja Católica: São João Paulo II. Anos atrás, o diácono relata ter lido a biografia do Papa que foi canonizado, e conta ter ficado profundamente impactado com o contexto de sua formação e de sua ordenação: o assédio da ocupação nazista e o totalitarismo do comunismo soviético.
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Diácono Thales /Foto: Arquivo Pessoal
Hoje, próximo de tornar-se sacerdote, Thales afirma fazer suas as reflexões de São João Paulo II e se questionar a respeito da relação entre o amadurecimento de sua vocação e o cenário de morte atual.
“A opção pela ordenação neste tempo em que vivemos é uma questão de identidade e missão do sacerdócio. Seria coerente subtrair-me à eleição para o ministério sacerdotal sob a justificativa de aguardar tempos melhores? Não seria precisamente em ‘tempos ruins’ que deveria brilhar a luz do ministério ordenado como sinal de esperança e da proximidade de Deus?”, frisou.
Ainda que o contexto de sua ordenação não seja o sonhado, o diácono destaca que é para a realidade e para curar os corações feridos que o Senhor envia os sacerdotes.
“É claro que a dor do mundo e a distância do povo de Deus repercutem de maneira incisiva e profunda em meu interior. Não é possível esconder o sofrimento que vivencio por tudo isso. Mas isto é cristológico: ser capaz de se compadecer, ofertar-se a si para sarar a dor dos filhos e filhas de Deus é próprio daquele que respondeu positivamente ao chamado do Senhor”.
“Seria coerente subtrair-me à eleição para o ministério sacerdotal sob a justificativa de aguardar tempos melhores? Não seria precisamente em ‘tempos ruins’ que deveria brilhar a luz do ministério ordenado como sinal de esperança e da proximidade de Deus?”
Diácono Thales Maciel
O diácono Everton conta que a decisão de seguir com a ordenação, que será juntamente com a do diácono Thales, contou com o apoio dos familiares, principalmente de sua mãe. “Foi na família que encontrei força na decisão. Em particular, minha mãe me disse: ‘Ordene neste tempo, estamos com você. Deus te escolheu’. Foi então que recordei do meu lema de ordenação: ‘Sanctificavi te’ ( te escolhi), retirado de Jr 1,5”.
Este tempo de espera, de acordo com o diácono, tem sido também de muita emoção, ansiedade e alegria. “Com o isolamento posso dizer que fiz um retiro pessoal de preparação para a ordenação, onde rezei pedindo a Deus para que ilumine e prepare eu e meus colegas para este tempo novo, onde seremos ministros no meio do povo”.
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Diácono Everton/ Foto: Arquivo Pessoal
Estar distante dos fiéis é desafiador, afirma Everton. “É este povo que nos sustenta na fé”. O diácono frisa que, mesmo com as dificuldades, não irá desanimar. “Hoje existem vários meios para se chegar às pessoas e é dessa forma que guardo em mim a esperança. O Senhor estará conosco todos os dias, foi assim que Ele disse aos seus. Sempre vou viver confiante na palavra do Senhor”.
Padre Elenildo, missionário da Comunidade Canção Nova (CN) recém-ordenado no inicio deste mês – no sábado, 7 de junho -, sublinha que a ausência da família, dos amigos e dos membros da comunidade foi sentida.
O sacerdote conta que a decisão pela ordenação o fez refletir que, apesar das dificuldades atuais, o tempo era oportuno e a Igreja necessita hoje, mais do que nunca, de mais padres que auxiliem o povo de Deus na vida sacramental.
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Ordenação do padre Elenildo foi transmitida pela TV Canção Nova/ Foto: Reprodução TV CN
Ao falar sobre os desafios de ser um neo-sacerdote em tempo de pandemia, padre Elenildo retoma o sentimento da ordenação: é desafiador não poder estar próximo do povo. “Eu até quero, mas a pandemia não me permite. (…) Essa parte é desafiadora porque o que um padre quer é poder viver bem a sua vocação, celebrando a santa missa, atendendo a confissões, fazendo coisas que só um sacerdote pode fazer. Confesso que ter restrições quanto a isso é muito ruim, é um martírio dentro do contexto sacerdotal que iniciei”.
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Padre Elenildo /Foto: Arquivo Pessoal
Diante da atmosfera de medo, o sacerdote revela a necessidade de encarar diariamente a vocação a partir do olhar para Cristo. “Ele é o modelo por excelência. É preciso olhar para o Cristo e dizer: Senhor eu vou te seguir até as últimas consequências”.
Em geral, padre Elenildo sublinha que muitos são os sentimentos despertados com a ordenação, mas a alegria é, para ele, o maior deles. “É algo até sobrenatural entender que eu tinha sido chamado por Deus e que a ordenação seria essa confirmação. Até então era um tempo de discernimento, e a ordenação é esse selo: ‘de fato Deus me chamou’”.
Junto com padre Elenildo, Márcio Leandro, também missionário da Canção Nova, foi ordenado diácono. “Sempre estive totalmente confiante na Providência de Deus em relação à minha ordenação. Não tive dúvida de que a data já estava no coração de Deus e, por isso, Ele mesmo providenciaria cada detalhe, como realmente aconteceu”.
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Diácono Márcio/ Foto: Arquivo Pessoal
Márcio conta que não teve os pais presentes na cerimônia, mas contou com a presença de uma pessoa especial: “Tive a graça da minha irmã de sangue poder participar e entrar comigo”. Agora, o diácono afirma que busca viver com intensidade cada palavra que prometeu no dia de sua ordenação diaconal.
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“Mesmo em meio à pandemia, sei que, vivendo tudo que a Igreja me pede como diácono, estarei me preparando muito bem para a ordenação sacerdotal. Desta forma, preciso viver o serviço, amando a Deus de todo o meu coração, como está no meu lema diaconal. Tenho percebido que é possível sim ser diácono e viver muito bem o ministério neste momento. Procuro perceber as vias possíveis de ajudar o próximo e tenho feito isso. Assim, tenho tido a graça de servir e ajudar, tantos irmãos e irmãs”.