Ressurreição e Inclusão

Rosto da Ressurreição #01 –  A Ressurreição pela Inclusão

“Transformo a teoria que tenho em amor”: a psicopedagoga que diariamente se depara com os dilemas das crianças autistas, acredita que deve se incluir juntos deles para incluí-los na sociedade que muitas vezes não os compreende

Ronnaldh Oliveira
Da Redação

Psicopedagoga cearense transforma teoria em amor no contato diário com crianças autistas – Foto: Arquivo pessoal de Wilne Maria

O Jornalismo Canção Nova, neste tempo pascal, lança a série “Rosto da Ressurreição”, uma proposta de mostrar iniciativas de pessoas e grupos que, no cotidiano da vida, configuram-se em gestos simples, mas muito nobres, ao rosto do Cristo que ressuscitou. Mesmo diante das dificuldades encontradas, superam as cruzes, removem as pedras dos sepulcros de tantos, promovendo vida e esperança. Todas as sextas feiras até Pentecostes, celebrado este ano em 5 de junho, apresentaremos um personagem que trará este sinal pascal. 

Nesta primeira matéria, a história vem do município de Icapuí, no interior do Ceará, cidade de pouco mais de 20 mil habitantes. Lá, Wilne Maria Farias, filha de um pescador e de uma costureira, ambos aposentados, é professora do município e psicopedagoga. Foi uma das primeiras filhas, de nove irmãos, a concluir o ensino superior. Destaca-se na cidade por sua atuação junto às crianças autistas, além de voluntariamente qualificar professores para atenderem alunos surdos na rede municipal. 

Emocionada durante a entrevista,  ressaltou muitas vezes a importância dos vínculos criados não somente com os educandos, mas também com suas respectivas famílias.  “Eu transformo a teoria que tenho em amor” As crianças com autismo são muito afetivas. Uso desse afeto como pedagogia de aprender. Aprende ele e aprendo eu. Crescemos juntos.” 

A marginalização 

Muitas vezes,  sabendo da marginalização dessas crianças pela sociedade, a psicopedagoga defende que as crianças autistas têm muito a ensinar a todos. “São os que mais nos ensinam. Na simplicidade, no gesto mais nobre do abraço, do valorizar aquilo que a nós passa despercebido”, ressalta. 

Wilne, de forma especial olhando para as famílias, percebe que querem o melhor para seus filhos.  “Quando me procuram, é porque estão em um processo de aceitação da condição do filho. É preciso estar de braços abertos nesse momento. ‘Ser esse abraço, não tem preço.”.

Wilne utiliza da ludicidade para o desenvolvimento e compreensão das crianças autistas – Foto: Arquivo pessoal de Wilne Maria

Os desafios encontrados

Indagada acerca dos desafios encontrados nessa trajetória, apontou a impotência por não conseguir atender a todos que a procuram, quando não consegue responde com eficácia aquilo que uma família quer ouvir. “Lido com a dor dos pais, com a incompreensão com a criança e da própria criança consigo mesma. Coloco-me no lugar deles. É como se o sofrimento deles fosse também o meu. De de certa forma é mesmo.”

Diante das dificuldades encontradas, a psicopedagoga já pensou várias vezes em desistir, justamente por as vezes não conseguir corresponder às expectativas das mães. “Ao mesmo tempo em que me sinto frágil, próprio de quem é humano, utilizo isso como degrau para o crescimento, para buscar formações, respostas e ações. A passagem bíblica do Apóstolo Paulo quando escreve à comunidade de Corinto: ´Quando sou fraco, aí que sou forte´ (cf 2Co 12,10) me motiva muito. Me sinto a mãe de cada criança que eu atendo!” 

A psicopedagoga entende o acompanhamento das crianças como missão de vida e se diverte com elas – Foto: Arquivo pessoal de Wilne

As Ressurreições

A cearense afirma que a  ressurreição acontece diariamente primeiro nela mesma, em sua casa e em sua família. Em cada avanço da criança. “Os pais não têm palavras e muitas vezes não contêm as emoções. Uma das mães que tinha acabado de passar pela fase do luto disse a outras mães: Eu ressurjo a cada devolutiva que os filhos dão, a partir do trabalho feito. Isso a mim é ressureição!” 

Wilne recordou ainda, com lágrimas nos olhos, de seu primeiro atendimento, quando diagnosticou a partir de seu olhar uma criança de três anos que se comportava diferente das outras.  “Essa criança foi minha  inspiração para ajudar as demais crianças. Lembro que ele olhou pra mim e sorriu. É uma ação que o autista geralmente não faz. Ele estava brincando, olhou pra mim e sorriu. A partir dali criamos um vinculo. O acompanhei e ele me dava devolutivas fantásticas. Sem essa missão, eu seria outra pessoa”.

Gratidão

Finalizando a entrevista,  “gratidão” é a palavra enfatizada pela professora. Ela chega em casa sempre cansada, mas igualmente realizada, certa de que não pode parar, que nunca sabe de tudo.

“Lido com as surpresas da nobreza humana. Toco o solo sagrado que é a vida dessas crianças e  preciso desamarrar as sandálias para adentrar neste espaço. É uma responsabilidade sem igual. Me sinto privilegiada.  A palavra sem sombra de dúvida é gratidão. Gratidão a Deus por me permitir ser um ser humano melhor por meio dessas crianças. Superar-me a cada dia, me incluir para incluir a eles. É.. sou grata…”. 

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