Carta Spiritus Domini, do Papa Francisco, formalizou leitorado e acolitado aberto às mulheres
Julia Beck
Da redação
Publicado pelo Papa Francisco no dia 11 de janeiro, o Moto Proprio Spiritus Domini, sobre o acesso das mulheres ao ministério instituído do leitorado e acolitado, foi recebido com alegria pela Igreja. A afirmação é do assessor de Liturgia da diocese de Lorena e vigário da Paróquia Nossa Senhora de Fátima, padre Thales Maciel.
O sacerdote recorda que o documento é fruto de apontamentos de bispos nas assembleias sinodais. Na prática, padre Thales explica que a Igreja já realiza o que o Papa alterou no primeiro parágrafo do cânon 230. O parágrafo era descrito da seguinte forma:
“Os leigos varões que tiverem a idade e as qualidades estabelecidas por decreto da Conferência dos Bispos, podem ser assumidos estavelmente, mediante o rito litúrgico prescrito, para os ministérios de leitor e de acólito; o ministério, porém, a eles conferido não lhes dá o direito ao sustento ou à remuneração por parte da Igreja”.
A mudança foi pontual, mas muito significativa, destaca o sacerdote. “O Papa removeu a palavra ‘varões’, de modo que o parágrafo passou a se referir a todos os leigos, homens e mulheres”. Padre Thales comenta que a prática eclesial comum é a de que homens e mulheres exerçam funções na liturgia.
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“Às mulheres era vedada a recepção do ministério estável de leitor e acólito por meio de ato litúrgico específico, conferido pelo bispo diocesano. Com a referida mudança, também as mulheres poderão ser inseridas nesses ministérios de maneira estável e mediante ato litúrgico”, reforçou.
O assessor de Liturgia lembra de que esse “ato litúrgico” foi previsto e renovado pelo Papa Paulo VI em 1972. Até o documento Ministeria Quaedam, padre Thales comenta que eram instituídos como leitor e acólito somente os candidatos às ordens sacras, isto é, somente quem seria ordenado sacerdote, pois tais ministérios eram compreendidos como estritamente orientados em função do ministério ordenado.
“A mudança de compreensão maturada em 1972 foi fundamental: os ministérios podem ser conferidos aos leigos, de modo que não se considerem como algo reservado ao sacramento da Ordem. Os leigos (até então somente os varões) podem ser admitidos aos ministérios de leitor e acólito e não somente os que se preparam para serem padres”, frisa o sacerdote.
Na prática, padre Thales afirma que praticamente ninguém é instituído nesses ministérios por meio do ato litúrgico previsto, nem mesmo os homens. “Infelizmente, quase 50 anos após sua publicação, o Ministeria Quaedam ainda não é integralmente aplicado na prática, ficando comumente reservado para os seminaristas, isto é, àqueles que se preparam para o sacramento da Ordem”.
Com o Moto Proprio Spiritus Domini do Papa Francisco, padre Thales espera que as dioceses e comunidades se animem na escolha, formação e instituição de leigos e leigas – homens e mulheres – para esses ministérios litúrgicos.
Ato litúrgico
O ato litúrgico para a institucionalização dos ministérios de acolitado e leitorado, citado pelo Papa em seu documento, está previsto no Pontifical Romano e as instruções para a sua celebração são pormenorizadas no Cerimonial dos Bispos, explica padre Thales.
“O bispo é quem institui alguém nos ministérios de leitor e acólito (no caso dos Institutos clericais de perfeição, o Superior maior institui a pessoa nesses ministérios). O rito se realiza junto à cátedra ou à sede, podendo ser inserido dentro da Missa”.
Antes da realização deste ato litúrgico, o Assessor de Liturgia da diocese sublinha que o ideal é que os párocos examinem e escolham fiéis com a vida cristã reta e madura para entrarem em um processo de formação e amadurecimento para serem candidatos oficiais aos ministérios em questão.
Segundo a Igreja, padre Thales afirma que a missão do leitor é proferir as leituras da Sagrada Escritura nas liturgias e instruir na fé crianças e adultos para receberem dignamente os sacramentos (correspondente ao ministério do catequista). Já a missão do acólito é ajudar o diácono e ministrar ao sacerdote; cuidar do altar e auxiliar os clérigos nas ações litúrgicas; o acólito é ministro extraordinário da comunhão eucarística; em circunstâncias extraordinárias, pode expor e repor a Sagrada Eucaristia para a adoração pública dos fiéis, mas não pode dar a bênção com o Santíssimo Sacramento.
Valorização das mulheres na Igreja
A presidente do Conselho Nacional do Laicato do Brasil, Sônia Gomes de Oliveira, destaca que, através da Spiritus Domini, o Papa, além de dar reconhecimento institucional para o serviço das mulheres na Igreja, também indica um caminho: o necessário reconhecimento às mulheres cristãs leigas que se dedicam à animação da comunidade nas mais diversas pastorais e movimentos eclesiais.
“As mulheres não somente são maioria em nossas comunidades, o zelo da mulher pela Igreja é muito profundo e sua dedicação pela comunidade é sempre motivo de destaque. O Papa Francisco, ao introduzir este reconhecimento, demonstra ter um olhar muito além de nosso tempo. Ele nos pede ações que fortaleçam a presença da Igreja em vários ambientes que ainda não temos conseguido chegar, e para darmos conta desse defaso, a valorização da mulher como sujeito eclesial é fundamental para testemunhar a Palavra de Deus em vários lugares e ambientes”, opina.
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A mudança, acrescenta Sônia, é um convite para uma reflexão sobre a autonomia das cristãs leigas, não no sentido de disputar níveis de importância dentro da comunidade, mas como motivação para uma maturidade na fé, para uma conscientização de que também elas são sujeitas eclesiais.
Padre Thales reafirma que as mulheres têm um papel importante também na bíblia. “A primeira pessoa a ser testemunha da ressurreição de Jesus é Maria Madalena. (…) Então a presença das mulheres é indiscutível quando olhamos para o passado, para o presente e também quando nos projetamos para o futuro”, concluiu.