Após eutanásia ser legalizada em Portugal, Papa manifestou sua tristeza diante do fato: uma ‘lei para matar’; Membro da Comissão de Bioética da CNBB explica posicionamento da Igreja
Thiago Coutinho,
Da redação
Na última semana, a Assembleia da República Portuguesa aprovou a lei da eutanásia. O Papa Francisco, num ato de repúdio, citou até mesmo as Aparições de Fátima para ilustrar sua reprovação. “Hoje, estou muito triste, porque no país onde apareceu Nossa Senhora foi promulgada uma lei para matar. Mais um passo na grande lista de países com eutanásia”, lamentou.
O especialista em geriatria, cofundador da Pastoral da Pessoa Idosa, diretor clínico do Hospital Geriátrico de Cornélio Procópio e membro da Comissão de Bioética da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o médico João Batista Lima Filho, da diocese de Cornélio Procópio (PR), comentou a posição da Igreja sobre a eutanásia.
De acordo com João Batista, a Igreja Católica permanece firme contra todas as formas de suicídio. “E, para isso, ela se apega ao Catecismo: ‘Quaisquer que sejam os motivos, a eutanásia direta consiste impor ao fim a vida de pessoas, deficientes ou moribundas. É moralmente inaceitável’. Assim, uma ação ou omissão que causa a morte com o fim de suprimir o sofrimento constitui no assassinato gravemente contrário à dignidade da pessoa humana e ao respeito do Deus Vivo, seu Criador”.
Leia também
.: Eutanásia: “A vida humana possui uma dignidade intocável”, afirma Papa
.: Conferência dos Bispos da Espanha afirma: não há enfermos “incuidáveis”
Ações da Igreja
O Papa Francisco, como dito anteriormente, já se posicionou inúmeras vezes contra a eutanásia. O médico cita o trabalho desenvolvido pelo atual secretário-geral da CNBB, Dom Ricardo Hoepers, que esteve à frente da Comissão Episcopal Pastoral para a Vida e a Família, como exemplo do posicionamento e das ações eclesiásticas tomadas contra a eutanásia.
“Ele disse que a defesa da vida, desde a concepção até seu fim natural, é uma prioridade da CNBB. Uma ação recente, feita em fevereiro, foi uma romaria feita no Santuário de Nossa Senhora, envolvendo diversos setores que se reuniram para discutir a defesa da vida”, recorda o médico. “Dom Ricardo chegou a dizer que o principal desafio em relação à defesa da vida é a evangelização. Creio que, neste sentido, fica claro que estas ações são desenvolvidas em favor da vida”, acrescentou.
A cultura do descarte e da morte
No Angelus de 29 de janeiro deste ano, o Papa Francisco fez um duro discurso contra a cultura do descarte — conceito que pode se estender à preservação da vida, tão defendido pelo Santo Padre e a Igreja. “Cada um de nós é um bem, independentemente dos dotes que temos”, asseverou Francisco à ocasião.
“Existem obstáculos culturais que obscurecem o valor sagrado de cada vida humana”, acrescenta João Batista. “Isso está bem colocado na carta apostólica Samaritanus Bonus sobre a questão do cuidado das pessoas em fases críticas”.
Para o médico, há três itens que são apresentados às pessoas de maneira inequívoca: o conceito de morte digna, a compreensão errônea do que é compaixão e o valor da vida própria e da vida alheia.
“Para alguns, quando a qualidade de vida, por exemplo, aparece pobre, ela não merece ser continuada”, explica o membro da Comissão Bioética da CNBB. “Esta vida humana tem valor. Há um entendimento errôneo sobre compaixão. Diante de um sofrimento qualificado como insuportável, justifica-se o fim da vida de qualquer pessoa. É um fator que a cultura da vida e da morte tem nos colocado. Um individualismo crescente que nos induz a ver os outros como ameaça à nossa liberdade”, lamenta.
Eutanásia, ortotanásia e distanásia
Além da eutanásia, cujo significado seria “morte sem dor ou morte suave”, existem ainda outras duas conhecidas maneiras de morte assistida: a ortotanásia e a distanásia. “A eutanásia, sinteticamente falando, ocorre quando, no uso de suas faculdades mentais, a pessoa solicita um médico para pôr fim à sua própria vida. Uma morte voluntária, solicitada pelo próprio paciente”, explica João Batista.
A ortotanásia é uma situação em que se reconhece a inutilidade do tratamento para manter o paciente vivo. “Nesse caso, recorre-se aos chamados cuidados paliativos, sem usar meios para se abreviar a vida”, detalha o médico.
Por fim, a distanásia prolonga o processo de morte da pessoa. “É um tratamento fútil. Há uma diferença clara e nítida: a morte é um fato, um acontecimento inevitável, enquanto morrer é um processo. É um processo no qual não se prolonga a vida, mas o sofrimento da pessoa, com tratamentos inúteis”, rebate.
O fato é que este é um tema delicado que a sociedade contemporânea encara de diversas maneiras. “O sofrimento só é intolerável quando ninguém cuida. Assim como somos cuidados para nascer, precisamos, de alguma maneira, sermos cuidados para morrer”, finaliza o médico.