DOUTRINA DA FÉ

Mãe do povo fiel: Santa Sé publica documento sobre títulos de Maria

Nota aprovada pelo Papa Leão XIV esclarece aspectos da cooperação de Maria na obra da Salvação e cita títulos cuja utilização não é recomendada

Da Redação, com Vatican News

Ícone da Salus Populi Romani, exposto na Basílica de Santa Maria Maior / Foto: Fallaner via Wikimedia Commons

O Dicastério para a Doutrina da Fé publicou uma nota nesta terça-feira, 4, sobre a devoção a Virgem Maria. Intitulado Mater populi fidelis, o texto é assinado pelo prefeito do departamento vaticano, Cardeal Víctor Manuel Fernández, e pelo secretário da seção doutrinária, monsenhor Armando Matteo.

A nota, aprovada pelo Papa Leão XIV em 7 de outubro, é fruto de um longo e articulado trabalho colegiado. Ela oferece um importante fundamento bíblico para a devoção a Maria, associada à obra de Cristo como “Mãe dos fiéis”, além de reunir diversas contribuições dos Padres, dos Doutores da Igreja, dos elementos da tradição oriental e do pensamento dos últimos Pontífices.

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Neste contexto, o texto analisa diversos títulos marianos, valorizando alguns deles e alertando para o uso de outros. Títulos como “Mãe dos fiéis”, ”Mãe espiritual” e “Mãe do povo fiel” são particularmente apreciados pela nota. O título de “Corredentora”, por sua vez, é considerado impróprio e inadequado.

Além disso, o título de “Mediadora” é considerado inaceitável quando assume um significado que é exclusivo de Jesus Cristo, mas é considerado precioso quando expressa uma mediação inclusiva e participativa que glorifica o poder de Cristo. Os títulos de “Mãe da graça” e “Mediadora de todas as graças” são considerados aceitáveis ​​em alguns sentidos muito específicos, mas uma explicação particularmente ampla é oferecida em relação aos significados que podem apresentar riscos.

Compreender o papel de Maria

Essencialmente, a nota reafirma a doutrina católica, que sempre enfatizou como tudo em Maria é direcionado para a centralidade de Cristo e sua ação salvífica. Portanto, embora alguns títulos marianos possam ser explicados por meio de uma exegese correta, considera-se preferível evitá-los.

Em sua apresentação, o Cardeal Fernández valoriza a devoção popular, mas adverte contra grupos e publicações que propõem um desenvolvimento dogmático particular e levantam dúvidas entre os fiéis, inclusive por meio das redes sociais. O principal problema, na interpretação desses títulos aplicados à Virgem Maria, diz respeito à forma de compreender a associação de Maria na obra da redenção de Cristo.

“Corredentora”

Em relação ao título “Corredentora”, a nota recorda que o Concílio Vaticano II decidiu não utilizá-lo “por razões dogmáticas, pastorais e ecuménicas”. São João Paulo II “usou-o, pelo menos em sete ocasiões, ligando-o sobretudo ao valor salvífico do nosso sofrimento oferecido ao lado do de Cristo, a quem Maria está unida especialmente aos pés da Cruz”.

Também é citada uma discussão interna na então Congregação para a Doutrina da Fé, que em fevereiro de 1996 analisou o pedido para proclamar um novo dogma sobre Maria como “Corredentora ou Mediadora de todas as graças”. O parecer do então Cardeal Joseph Ratzinger era contrário: “o significado preciso dos títulos não é claro e a doutrina neles contida não está madura… Ainda não está claro como a doutrina expressa nos títulos está presente nas Escrituras e na tradição apostólica”.

Em 2002, o prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé expressou publicamente que “a fórmula ‘Corredentora’ distancia-se demasiadamente da linguagem das Escrituras e da patrística e, portanto, causa mal-entendidos… Tudo vem d’Ele, como afirmam sobretudo as Epístolas aos Efésios e aos Colossenses. Maria é o que é graças a Ele. O termo “Corredentora” obscureceria sua origem”. A nota esclarece que o Cardeal Ratzinger não negou que houvesse boas intenções e aspectos valiosos na proposta de usar esse título, mas sustentou que se tratava de “terminologia incorreta”.

O Papa Francisco também expressou sua posição contrária ao uso do título “Corredentora” pelo menos três vezes. Diante disso, o documento conclui que “é sempre inapropriado usar o título de ‘Corredentora’ para definir a cooperação de Maria. Esse título corre o risco de obscurecer a mediação salvífica única de Cristo e, portanto, pode gerar confusão e desequilíbrio na harmonia das verdades da fé cristã… Quando uma expressão requer inúmeras e contínuas explicações para evitar que se afaste do significado correto, ela não serve à fé do Povo de Deus e se torna inapropriada”.

“Mediadora”

Em relação ao título de “Mediadora”, a nota enfatiza que a expressão bíblica referente à mediação exclusiva de Cristo “é peremptória”, ou seja, definitiva: Cristo é o único Mediador. Por outro lado, “o uso muito comum do termo ‘mediação’ nas mais diversas esferas da vida social, onde é entendido simplesmente como cooperação, assistência, intercessão.

Desta forma, este título “é inevitavelmente aplicado a Maria em um sentido subordinado e de modo algum pretende acrescentar qualquer eficácia ou poder à mediação única de Jesus Cristo”. Além disso, “é evidente que houve uma mediação real de Maria para tornar possível a verdadeira Encarnação do Filho de Deus em nossa humanidade”.

A função materna de Maria “de modo algum obscurece ou diminui” a mediação única de Cristo, “mas demonstra sua eficácia”. Assim entendida, “a maternidade de Maria não pretende enfraquecer a adoração única que é devida somente a Cristo, mas antes estimulá-la”.

Portanto, segundo a nota, deve-se evitar “títulos e expressões referentes a Maria que a apresentem como uma espécie de ‘para-raios’ diante da justiça do Senhor, como se Maria fosse uma alternativa necessária à misericórdia insuficiente de Deus”. Assim, o título de “Mãe dos fiéis” permite que se fale de “uma ação de Maria também em relação à nossa vida de graça”.

Apoio materno de Maria

Deve-se, no entanto, ter cuidado com expressões que possam transmitir “conteúdos menos aceitáveis”. O Cardeal Ratzinger explicou que o título de “Mediadora de todas as graças” não se fundamenta claramente na Revelação divina e, em consonância com essa convicção, “podemos reconhecer as dificuldades que acarreta tanto na reflexão teológica como na espiritualidade”.

De fato, “nenhuma pessoa humana, nem mesmo os Apóstolos ou a Virgem Santíssima, pode agir como dispensador universal da graça. Só Deus pode dar a graça e o faz através da humanidade de Cristo”. Títulos como “Mediadora de todas as graças” têm, portanto, “limitações que não facilitam a correta compreensão do papel único de Maria. De fato, ela, que é a primeira redimida, não pode ter sido a mediadora da graça que ela mesma recebeu”.

No entanto, reconhece o documento, “a expressão ‘graças’, referindo-se ao apoio materno de Maria nos diferentes momentos da vida, pode ter um significado aceitável”. O plural, de fato, expressa “toda a ajuda, inclusive material, que o Senhor pode nos dar ao ouvir a intercessão da Mãe”.

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