EM DEFESA DO MEIO AMBIENTE

Laudato Si': um documento profético no pontificado de Francisco, diz padre

Celebrando uma década desde sua publicação, padre recorda a importância social em defesa do meio ambiente publicada pelo saudoso Papa Francisco

Thiago Coutinho
Da redação

A Igreja se preocupa com a maneira como a Casa Comum vem sendo tratada pela humanidade / Foto: Tobias Weinhold por Unsplash

Há uma década, o saudoso Papa Francisco publicava a encíclia Laudato Si’, o primeiro documento pontifício a tratar de forma única e direta dos cuidados com a Casa Comum. Em tempos de aquecimento global e seus efeitos cada vez mais intensos sobre o planeta — de acordo com um estudo promovido pela revista científica Nature Geoscience, desenvolvido com base em análises de amostras de núcleos de gelo da Antártica indica quem, em 2023, o aquecimento global chegou a 1,49 graus Celsius (°C) acima dos níveis pré-industriais.

“A Laudato Si’ foi, realmente, um documento profético no magistério de Francisco que, já há dez anos, definia com urgência a crise ambiental que hoje se tornou um colapso pela composição de diversas crises da biodiversidade, do clima, da contaminação do planeta e da desigualdade socioeconômica”, recorda o padre Dário Bossi, assessor da Comissão Especial para a Ecologia Integral e Mineração da CNBB. “Esse apelo foi tão urgente que precisou, ao longo desses dez anos, de um reforço com a exortação apostólica Laudate Deum, com um recorte específico sobre a emergência climática”.

As alternativas propostas

Na encíclica, Francisco cita diversas alternativas para que a Casa Comum possa sobreviver às agressões que a própria humanidade tem impetrado contra ela. Para o padre Dário, trata-se de um diagnóstico muito preciso, que é detalhado no capítulo “O que está acontecendo à nossa Casa”.

“Francisco faz referência às propostas da economia de Francisco e Clara; na política, e temos o capítulo belíssimo da encíclica Fratelli Tutti, sobre a política do bem comum e da solidariedade; na educação e na cultura, e aqui temos o pacto educativo global proposto por Francisco; no compromisso das religiões, com toda a necessidade do diálogo inter-religioso em defesa da Casa Comum; e nos estilos de vida, com o apelo profético à sobriedade feliz. Tudo isso é conversão ecológica, que é uma mudança de vida individual, comunitária e da sociedade”, explica o sacerdote.

COP30

A Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP30) será realizada em Belém, no Pará, em novembro próximo. Será uma ótima oportunidade para a Igreja apresentar o que pensa sobre o que fazer com as fatídicas mudanças climáticas, bem como cuidar do meio-ambiente e da Casa Comum. “As Conferências das Partes se apresentam como espaço propício para o diálogo no qual a Igreja reconhece a importância de buscar a construção de acordos em vista duma nova forma de se relacionar com o meio ambiente”, afirma padre Dário.

O religioso, porém, sabe que apesar das boas intenções em torno da COP, é sabido que interesses pouco republicanos de lobistas e empresários cercam esses eventos. “inclusive colocando estados a serviço dos projetos das corporações. Isso acaba por diminuir as expectativas com respeito à COP em si”, lamenta.

“Por outro lado, e exatamente por isso, é muito importante que a Igreja e os atores políticos defendam o multilateralismo em tempos em que a o fundamentalismo político desmonta mecanismos e instituições multilaterais e compromete e boicota acordos e pactos internacionais”, observa o assessor da Comissão Especial para a Ecologia Integral.

Multilateralismo a partir de baixo

Na Exortação Apostólica Laudate Deum, Papa Francisco propõe o conceito de “multilateralismo a partir de baixo”, num processo preparatório de defesa do planeta a partir de seujeitos que podem fazer diferente. “Estamos convencidos, convencidas, que a história do clima se muda a partir dos territórios, portanto, dos planos de vida das comunidades. Acreditamos que as soluções climáticas vêm, por exemplo, pela produção da agricultura familiar, e não pelo extrativismo predatório, do monocultivo do agronegócio que contamina e suga as águas dos rios e dos lençóis freáticos”, pondera padre Dario.

A economia, como bem reforça o sacerdote, não pode ser predatória e visar apenas ao lucro. “A mineração e o petróleo são os vilões do clima e do equilíbrio ambiental”, assevera padre Dario. “Inclusive, um documento que está em construção, quase pronto, das igrejas do sul global — da América Latina, Ásia e África — posiciona-se com força sobre isso, definindo qual é o processo e as prioridades de incidência política da Igreja rumo à COP. Acreditamos que é urgente, sim, uma transição de modelo que, na verdade, requer uma transformação dos nossos modos de produzir e de consumir”, recomenda.

Periferias do mundo: os mais prejudicados

As periferias e os países ditos de Terceiro Mundo seguem sendo os mais prejudicados com alterações climáticas. Segundo a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), a crise climática está ampliando o deslocamento e tornando a vida ainda mais difícil para aqueles que já fugiam de condições críticas de vida.

“Reconhecemos que existe no mundo, e vitima de modo especial as populações e os povos das periferias do planeta, uma tríplice dívida: uma dívida social, ecológica e climática”, contextualiza padre Dario. “Claro que nas periferias do mundo existem também graves contradições internas, porque as próprias elites dominantes nos países periféricos acabam concentrando o poder político e econômico, e prejudicando a grande maioria da população”, acrescenta.

Parta o sacerdote, este Ano Jubilar traz uma referência direta à tríplice dívida social, ecológica e climática. “Na COP, isso [a dívida social] será tratada a partir do grande eixo do financiamento climático, que exige, já há alguns anos, que os países ricos destinem fundos para que os países periféricos mais afetados pelas mudanças climáticas consigam, ao mesmo tempo, se defender de suas consequências e prevenir novos problemas”.

A responsabilidade dos mais ricos

Os países conhecidos como Primeiro Mundo, os mais industrializados, são os responsáveis diretos pelo aquecimento global. Por outro lado, os países mais pobres acabam sofrendo com essas ações, como dito anteriormente. A Igreja também pode ser uma intermediadora deste debate e conscientizar as elites a fim de conter os avanços dos danos causados pelo aquecimento global.

“Sem dúvida, existe uma grave responsabilidade das elites do planeta”, assegura padre Dario. “A desigualdade socioeconômica é uma das causas da crise ambiental. Por isso, no Brasil, estamos preparando como Igreja, junto aos movimentos populares, um plebiscito durante o ano de 2025, entre cujas perguntas está aquela que propõe taxar as grandes fortunas e isentar quem ganha até 5 mil reais dos impostos. E precisamos ter a coragem de trazer os nomes e de reivindicar as responsabilidades diferenciadas na reparação dos danos e no cuidado da casa comum”, ressalta.

A chegada de Leão XIV e o legado de Francisco

Com um novo Papa à frente da Igreja, agora liderada por Leão XIV, podemos esperar uma continuidade de suas atenções como Francisco, como o novo Pontífice já demonstrou em suas falas iniciais. “Como sabemos, o próprio nome escolhido faz referência à Doutrina Social da Igreja e, dentro dela, especificamente, ao tema do bem comum, que inclusive tem sido destaque nos primeiros discursos de Papa Leão, que vem fazendo referência explícita também à crise ambiental e à pobreza”, recorda o assessor da Comissão Especial para a Ecologia Integral e Mineração da CNBB.

Padre Dario recorda que o Papa Francisco, ao falar sobre a Laudato Si’, reforçou que seu conteúno não se tratava apenas de uma defesa ecológica, mas também de uma defesa social, que foi integrada ao Magistério Social da Igreja. “Ao falar da Doutrina Social da Igreja, o próprio Papa Francisco havia comentado que a encíclica Laudato Si’ não é uma ‘encíclica verde’, entre aspas, mas se trata plenamente de uma encíclica social”.

Além disso, o sacerdote recorda que autoridades como o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, e o presidente da CNBB e do Celam, cardeal Jaime Spengler, convidaram o novo Pontífice a visitar a COP30. “Se isso acontecer, será mais um sinal de continuidade e de compromisso da urgência no apelo que a Igreja faz para não descuidar dos clamores que vêm dos pobres e da mãe terra”, finaliza.

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