REABERTURA

Catedral de Notre-Dame: a beleza da fé contada em pedra

Próximo à reabertura do templo parisiense, que será neste sábado, 7, filósofo explora a importância da sua restauração religiosa junto à sua renovação física

O filósofo francês Roger Pouivet / Foto: Reprodução Youtube

Da redação, com Vatican News

“Um verdadeiro ato de agradecimento e um ato de fé; não se contente em admirar as pedras magníficas. Lembre-se de que este é um presente de Deus e um presente para Deus.”

O arcebispo Laurent Ulrich, arcebispo de Paris, fez esse convite em relação à restauração e reconstrução parcial da icônica catedral de Paris, poucas semanas antes de sua reabertura.

Antes da cerimônia de reabertura no domingo, 8, Roger Pouivet, filósofo francês da religião e professor emérito da Universidade de Lorraine, falou ao Vatican News sobre a ligação entre cultura e patrimônio.

Vatican News — É um desafio recorrente no processo de restauração do patrimônio manter a essência espiritual de um lugar dentro de uma dialética sofisticada entre fé e arquitetura?
Roger Pouivet — Uma obra de arte como Notre Dame é caracterizada pelo que ela significa. A inteligibilidade da fé — o que se pode entender da fé cristã — está em jogo durante uma visita à catedral. Para que Notre Dame permaneça a mesma, os visitantes devem ser confrontados com o mesmo significado e espiritualidade. Uma restauração materialmente bem executada permite isso, mas não é suficiente. Deve haver uma ideia clara do que se verá e um discurso apropriado e adaptado sobre o que é visto e o que é. Notre Dame deve funcionar como o objeto que é — um lugar destinado a nos ajudar a entender algo da fé por meio de sua própria forma, as estátuas, pinturas e vitrais que contém. Além da restauração material, este é um verdadeiro desafio ontológico.

Catedral de Notre-Dame /  Foto: Benoit Tessier – Reuters

Vatican News — Como alcançar o grau certo de patrimonialização, necessário e desejável, sem diluir o significado espiritual do lugar?
Roger Pouivet — É muito difícil porque tudo deve ser abordado simultaneamente. Em parte, a restauração de Notre Dame envolve um importante local de turismo internacional parisiense, um tipo de patrimônio nacional com o qual a França e os franceses se identificam. Mas tudo isso é um tanto externo ao que Notre Dame é, ou melhor, é algo que se sobrepõe e pode obstruir Notre Dame de ser o que realmente é — uma catedral de fé. A restauração deve acomodar a necessidade de um monumento nacional sem transformar a catedral em uma réplica ou um monumento para o turismo internacional. Esse é o risco da restauração, mas foi amplamente evitado neste caso. Não era algo garantido, e podemos esperar que, uma vez que as principais cerimônias acabem, teremos Notre Dame novamente como algo diferente de um monumento, um elemento de patrimônio ou uma atração turística.

Vatican News — A emoção e o espírito de comunhão testemunhados nos últimos cinco anos atestam a unidade e a reunião simbolizadas pela catedral?
Roger Pouivet — Certamente, o interesse em torno de Notre Dame e a genuína emoção internacional sentida por aqueles que a viram queimar testemunham algo significativo. É inteiramente natural celebrar a conclusão desta restauração e seu sucesso em termos de história da arte e artesanato. No entanto, há sempre o risco de transformar, por meio de sua restauração, uma catedral em um monumento. Portanto, é essencial enfatizar a dimensão distintamente religiosa — a alma do edifício. Notre Dame é diferente do Louvre ou do Château de Versailles.

Vatican News — Como isso prenuncia uma restauração espiritual? Muitos veem um sinal inegável de fé no fogo, restauração e reabertura. Como isso pode ser o caso, e como pode ser perpetuado de uma perspectiva espiritual?
Roger Pouivet — É importante enfatizar o que Notre Dame significa e o que a faz funcionar esteticamente. Não é simplesmente uma obra arquitetônica bem-sucedida, mas tem um significado religioso que seus visitantes devem entender. Isso também deve implicar, de certa forma, a restauração da fé e da vida cristã. É uma arquitetura que só pode nos trazer significado e continuar a ser o que é em uma condição distintamente religiosa, até mesmo teológica.

Vatican News — Como se pode explicar que a transcendência muitas vezes emana das pedras?
Roger Pouivet — A elevação espiritual não pode ser separada da vida material. Ela assume significado para nós em coisas materiais. Alguém poderia quase fazer uma analogia, para alguém como São Tomás, entre o que somos e a catedral: somos seres materiais, mas temos algo chamado razão, que é espiritual e não redutível à matéria. A catedral é uma entidade física e material, e restaurá-la requer cortar novas pedras — é um assunto material — mas algo mais deve ser trazido à tona: essa espiritualidade distintamente humana. Os seres humanos são corpos, mas são corpos com uma alma — uma alma racional, uma alma espiritual. A catedral funciona exatamente como um ser humano, ao mesmo tempo uma entidade material que morre e um ser que não é inteiramente redutível à sua matéria. Em certo sentido, pode-se dizer que Notre Dame também tem uma alma imortal que deve ser trazida à luz por meio de sua restauração material.

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