SÍNODO

Cardeal Mario Grech envia mensagem à Assembleia Eclesial

O Secretário-Geral do Sínodo dos Bispos recordou, em sua mensagem, a exortação apostólica Evangelii Gaudium e a importância de seu conteúdo à reunião episcopal

Da redação

Cardeal Mario Grech com o Papa Francisco / Foto: CNA

O cardeal Mario Grech, Secretário-Geral do Sínodo dos Bispos, enviou uma mensagem aos participantes da Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe, que segue até o próximo domingo, 28.

“Sinto-me verdadeiramente honrado por poder dirigir-me a vocês, tendo em conta a história desta Assembleia: Medellín, Puebla, Santo Domingo, Aparecida são as etapas de uma viagem pós-conciliar, na qual as Igrejas da América Latina e do Caribe viveram uma extraordinária experiência de comunhão eclesial, que poderia ser um exemplo para muitas Conferências Episcopais”, disse o cardeal.

O religioso recordou ainda que a exortação apostólica Evangelii Gaudium serve como base missionária para as ações da Igreja. “Evangelii Gaudium é, de fato, um documento sobre a dimensão missionária da Igreja. Se tivesse de usar uma fórmula eclesiológica para descrever adequadamente o conteúdo da exortação apostólica, diria com o Concílio Vaticano II que ‘a Igreja em peregrinação é missionária pela sua natureza”, disse.

A seguir, confira a íntegra da mensagem enviada pelo cardeal Mário Grech.

Mensagem do Cardeal Mario Grech, Secretário-Geral do Sínodo dos Bispos,
para a Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe

“Após a inauguração da primeira fase da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo, no meu ministério como Secretário-Geral do Sínodo, quase todos os dias devo falar sobre a sinodalidade e o Sínodo da sinodalidade. No entanto, sinto-me verdadeiramente honrado por poder dirigir-me a vocês, tendo em conta a história desta Assembleia: Medellín, Puebla, Santo Domingo, Aparecida são as etapas de uma viagem pós-conciliar, na qual as Igrejas da América Latina edo Caribeviveram uma extraordinária experiência de comunhão eclesial, que poderia ser um exemplo para muitas Conferências Episcopais.

Os Documentos Finais destas Assembleias Gerais constituem os marcos de um caminho que tem vindo a aprofundar a consciência de uma Igreja dinâmica, por meio de uma comunhão entre Bispos e delegados das Igrejas que está na base da sua identidade eclesial e da forma particular-ouso dizer característica-como procuram ser Igreja neste tempo complexo e convulsivo. Tudo isto tem muito a ver com a sinodalidade.

De uma forma mais direta e imediata, esta Assembleia Eclesial está ligada à Conferência de Aparecida-CELAM, que é também uma das bases da abordagem de conversão pastoral promovida por Evangelii Gaudium. Este evento representa uma expressão da visão pastoral do Papa Francisco. Esta Assembleia representa também uma ponte entre o Sínodo sobre a Amazônia-Querida Amazônia como uma experiência verdadeiramente transformadora para a sua região e o Sínodo sobre a Sinodalidade. Estão explicitamente ligados por meio da abordagem centrada na periferia e na Eclesiologia do Povo de Deus. Esta dupla referência permite-me tornar explícita a estreita relação entre sinodalidade e missão.

Evangelii Gaudium é, de fato, um documento sobre a dimensão missionária da Igreja. Se tivesse de usar uma fórmula eclesiológica para descrever adequadamente o conteúdo da exortação apostólica, diria com o Concílio Vaticano II que “A Igreja em peregrinação é missionária pela sua natureza” (AG 2). A conversão pastoral proposta na Evangelii Gaudiumtem uma dimensão missionária. Mas os princípios que propõe para pôr em prática a “Igreja que avança” podem ser inflectidos num sentido sinodal. Tentemos inflectir EG 24 numa chave sinodal: “A Igreja que sai é a comunidade de discípulos missionários que são os primeiros, que estão envolvidos, que acompanham, que dão frutos e celebram”. O tema dos cinco verbos é a “comunidade evangelizadora”. Podemos aplicá-lo a uma “comunidade sinodal”:

1. A comunidade sinodal sabe que o Senhor tomou a iniciativa, precedeu-a no amor (cf.1 Jo 4,10), e por isso sabe dar o primeiro passo, sabe tomar a iniciativa sem medo, sair ao encontro, procurar aqueles que estão longe e colocar-se na encruzilhada para convidar os excluídos. A Igreja sinodal tem um desejo inesgotável de oferecer misericórdia.

2. Consequentemente, a Igreja sinodal sabe como “envolver-se”. Como sublinhamos no Documento Preparatório do Sínodo, Jesus estava constantemente aberto à “mais vasta audiência possível, que os Evangelhos indicam como a multidão… O interlocutor de Jesus é “o povo” da vida comum, “qualquer uma das condições humanas” (nº 18). A comunidade sinodal coloca-se na vida quotidiana dos outros pelas suas ações e gestos, encurta distâncias, inclina-se ao ponto da humilhação se necessário, e assume a vida humana, tocando a carne sofredora de Cristo no povo. Os homens e as mulheres verdadeiramente sinodais têm assim o “cheiro das ovelhas” e as ovelhas escutam a sua voz.

3. Por esta razão, a comunidade sinodal está sempre pronta para “acompanhar”. Acompanha a humanidade em todos os seus processos, por mais duros e prolongados que sejam. Sabe o que significa trabalho árduo e resistência apostólica. A evangelização envolve uma grande paciência e não conhece limites.

4. Fiel ao dom do Senhor, a comunidade eclesial também sabe como “dar frutos”. A comunidade sinodal está sempre atenta aos frutos, porque o Senhor quer que estes sejam frutuosos. Tende o grão e não perde a sua paz por causa das ervas daninhas. O semeador encontra uma forma de fazer a Palavra penetrar numa situação concreta e dar frutos de nova vida, mesmo que aparentemente imperfeitos ou incompletos.

5. Finalmente, a comunidade sinodal sabe sempre como “celebrar”. Celebra cada pequena vitória, cada passo em frente na sinodalidade. A alegre sinodalidade torna-se beleza na Liturgia no meio da necessidade diária de progredir na vida.

Se o Santo Padre conclui o parágrafo dizendo que “A Igreja evangeliza e evangeliza a si mesma através da beleza da liturgia, que é também uma celebração da atividade evangelizadora e fonte de um renovado impulso de doação”, esta verdade é ainda mais válida para a “celebração” do Sínodo: a Igreja cresce em sinodalidade, assume uma forma cada vez mais sinodal quanto mais vive e pratica um estilo sinodal. É tão fácil compreender Evangelii Guadium à luz da sinodalidade, que podemos argumentar que a Igreja não é apenas sinodal e missionária ao mesmo tempo, mas que só é missionária se for sinodal, e sinodal se for missionária.

Estas são duas dimensões constitutivas da Igreja, que – precisamente por serem constitutivas – permanecem ou caem juntas. Tente pensar no cenário de missão de uma Igreja não-sinodal; uma Igreja em que não caminhamos juntos, não procedemos em nenhuma ordem em particular, cada um reivindicando o direito à missão. A evangelização já não seria obra da Igreja, mas de muitos indivíduos, denominações, grupos, movimentos, alcançando os outros com base nos seus próprios dons pessoais e exclusivos, não por ordem de Cristo. Se, no passado, foi o Papa, em virtude do seu próprio poder universal, que enviou missionários, num modelo de Igreja que existe nas e das Igrejas (cf. LG 23), a proclamação do Evangelho deve ser uma manifestação clara de comunhão eclesial. Um projeto missionário só pode emergir do processo sinodal de escuta-discernimento, que é também um exercício de discipulado. Nesta perspectiva, o Documento Final do Sínodo da Amazônia fala de “sinodalidade missionária”. Muito pelo contrário de certas formas de evangelização autorreferencial, que formam as pessoas em membros fechados-esperemos que não se trate de uma evangelização sectária!-que corre o risco de deslizar para formas de proselitismo.

O aprofundamento da ligação entre estas duas dimensões da Igreja pode ser uma das contribuições mais significativas desta Assembleia e da viagem sinodal das Igrejas da América Latina e do Caribe. É uma contribuição em continuidade com a história e a experiência da Igreja na América Latina, que, desde o Concílio, se tem caracterizado pela forma particular de “caminhar juntos”. As suas Assembleias Gerais não são apenas reuniões de bispos; não são sequer reuniões em que há apenas alguns bispos. A presença dos Pastores, que são o princípio da unidade nas suas Igrejas, permite que estas Conferências sejam uma reapresentação visível da Igreja que vive neste continente. Se somos todos aprendizes no caminho da sinodalidade, há muito tempo que o são; por isso é justo esperar de vós uma importante contribuição da experiência sinodal, da qual as outras Igrejas e toda a Igreja terão muito a aprender!

Outra contribuição que pode vir das Igrejas da América Latina e do Caribe, diz respeito à forma como são realizadas as etapas das primeiras fases do processo sinodal. A fase inicial de ampla consulta nas Igrejas particulares é uma novidade para todos; depois também as Conferências Episcopais nacionais são chamadas a adoptar uma abordagem diferente, fazendo um discernimento eclesial baseado na escuta do povo de Deus. Isto será seguido por um nível continental de escuta e discernimento. Uma vez que já adquiriu uma experiência considerável através das suas Conferências Gerais, pode ser útil para as outras Conferências Episcopais continentais. Já desta Assembleia Geral é legítimo esperar uma contribuição que abra perspectivas sobre como tornar operacionais os níveis intermédios de sinodalidade.

Na lógica da catolicidade, como troca de dons entre as Igrejas, indicada pelo Concílio Vaticano II (cf. LG 13), a Igreja neste continente tem também outro dom a oferecer a toda a Igreja, um dom que eles apreciaram melhor do que as outras Igrejas: o de entender a Igreja como Povo de Deus. Não é por acaso que esta perspectiva, dada à Igreja pelo Concílio Vaticano II no Capítulo II daLumen Gentium, ressurgiu com força com a eleição do Papa Francisco. A teologia do Povo de Deus tornou-se mais uma vez o quadro de referência para a viagem da Igreja, sem conotações polémicas, como infelizmente aconteceu no período imediatamente após o Concílio, mas como um “lugar teológico” (locus theologicus) dentro do qual a sinodalidade, colegialidade e primazia podem ser inflectidas em plena harmonia e complementaridade-tanto em teoria como na prática. Também sobre este ponto, é legítimo esperar uma grande contribuição desta Assembleia e de toda a viagem eclesial que se desenvolverá a partir daqui nas Igrejas do continente.

No entanto, outro aspecto tem caracterizado a vida eclesial deste continente durante pelo menos trinta anos: o contraste radical entre duas visões da Igreja, que levou a uma divisão profunda do corpo eclesial. Um famoso livro sobre a Igreja na América Latina fala de uma “túnica rasgada”. O Sínodo pede-nos que “caminhemos juntos”. Uma conversão missionária não será possível sem uma conversão sinodal, o que implica uma escuta humilde e respeitosa do outro e das suas razões; que tem a coragem de pedir e dar perdão; que quer a unidade não ao preço da verdade, mas nunca identifica a verdade com a “minha” verdade. Este é talvez o maior esforço, mas constituirá também a testemunha mais forte, quedará conteúdo ao dom da experiência sinodal que se pode oferecer a toda a Igreja.

Por outro lado, este caminho também parece ser a resposta para os grupos e seitas cristãs que promovem uma compreensão individualista e íntima da fé. A estas propostas, que muitas vezes apelam tanto a um povo não formado, a resposta mais credível é a da comunhão: “dedicaram-se ao ensino e à comunhão dos apóstolos, ao partir do pão e às orações” (At2,42). O Sínodo, ao colocar a Igreja Sinodal como seu tema e ao pedir a leitura da comunhão, participação e missão neste contexto, constitui a possibilidade concreta de regresso à forma evangélica vivendi, que deve ser desenvolvida de uma forma original em cada contexto cultural. Se “está encarnado nos povos da terra, cada um dos quais tem a sua própria cultura” (EG 115), espero que eles possam “construir a comunhão e harmonia do Povo de Deus” nesta terra (cf. EG 117), partindo das tradições e culturas do continente para traduzir o único Evangelho de Cristo no estilo latino-americano. Isto, como diz o Papa, não ameaçará a unidade da Igreja, mas mostrará que a Tradição não é um canto em uníssono, uma linha melódica de uma única voz, mas uma sinfonia, onde cada voz, cada registo, cada timbre vocal enriquece o único Evangelho, cantado numa infinita possibilidade de variações.

Obrigado por ouvir.”

Evite nomes e testemunhos muito explícitos, pois o seu comentário pode ser visto por pessoas conhecidas.

↑ topo