Padre João Mildner, Capelão do Hospital Emílio Ribas, explica como funciona o núcleo multidisciplinar que cuida dos pacientes paliativos
Aline Imércio
De São Paulo, SP

Capelão do Hospital Emílio Ribas, o padre João Mildner / Foto: Gilberto Pereira
Celebrado anualmente no segundo sábado de outubro, o Dia Mundial de Cuidados Paliativos recorda as “ações de cuidado que priorizam o bem-estar e a qualidade de vida de pessoas e seus familiares que convivem com uma doença grave que limita ou ameace a sua vida”, como define o Ministério da Saúde. Nos corredores do Hospital Emílio Ribas, em São Paulo, referência em doenças infectocontagiosas, está o padre João Mildner, capelão do local há 33 anos. No hospital há um núcleo multidisciplinar que cuida dos pacientes paliativos e o apoio espiritual, para quem deseja, é parte desses cuidados.
Conversamos com padre João sobre este trabalho.
noticias.cancaonova.com — Como a Igreja vê a questão dos cuidados paliativos?
Pe. João — Eu acho que é uma conquista muito grande, porque a pessoa tem que ter dignidade ao longo de toda a sua vida. Por que não ter dignidade na hora de morrer? Por que não valorizar aquele momento em que ele volta para a casa do Pai? A Igreja está ali. E, como dizia o Papa João Paulo II, a missão da Igreja é defender a vida desde o ventre materno até o túmulo. Então a vida, ela tem que ser amada e respeitada em todos os momentos, principalmente nos momentos em que a pessoa está num momento frágil, debilitado, com a enfermidade, às vezes, um diagnóstico grave dentro de um hospital.
noticias.cancaonova.com — E como o senhor realiza aqui as atividades com os pacientes dos cuidados paliativos?
Pe. João — É uma coisa muito natural. Porque a gente acha tão bonito nascer, nascer é algo maravilhoso, é festa, alegria. Para nós cristãos não existe morte, para nós cristãos existe vida, existe ressurreição. Dom Angélico contava uma historinha em que ele dizia que a gente é que nem o nenê no ventre da mãe, a gente não quer nascer, mas quando descobre o mundo maravilhoso que tem aqui, a gente não quer mais voltar para o ventre da mãe. A mesma coisa antes da morte. A gente sempre reluta, claro. Mas quando nós descobrimos o que Deus preparou para nós na outra vida, não sentiremos mais nada de saudade daqui da terra. Ou como diz São Francisco “É morrendo que nascemos para a vida eterna”. Então a gente, como capelão, mesmo diante do sofrimento, diante da morte, a gente sempre olha na perspectiva pascal, Cristo também passou por dor, por sofrimento (…). Mas não ficou só ali, existe outra vida. Ele ressuscitou.

O padre João Mildner atende a um paciente no Hospital Emílio Ribas / Foto: Gilberto Pereira
noticias.cancaonova.com — Então quando o senhor está diante de um paciente que questiona aquela condição em que está, busca trazer essa esperança pascal?
Pe. João — Eu sempre lembro essa realidade: nós não somos eternos, estamos de passagem aqui. Independente também do credo religioso de cada um, porque todos esperam algo para após a morte. Então que esse algo após a morte, algo maravilhoso que Deus preparou para nós. E eu sempre lembro quando as famílias às vezes nos questionam sobre a questão da morte digna, que os cuidados paliativos buscam implantar, eu lembro a figura do Papa João Paulo II, ele também não quis ficar no hospital. Ele quis morrer dentro do Vaticano, vendo os seus fiéis. O nosso querido Papa Francisco, mesmo com a orientação médica dele não sair, ficar em repouso, a alegria dele era chamar enfermeiros e dizer “Agora nós vamos lá dar a volta na Praça de São Pedro” (…) Ele conseguiu realizar o seu desejo final, que era se despedir da sua comunidade. Nós, no nível religioso, também buscamos atender aquilo que o paciente precisa. Já fiz inúmeros batizados, primeira comunhão, crisma, já tive casamentos aqui no hospital. Aquilo que o paciente precisa para poder morrer em paz, ter dignidade nessa hora, a Igreja oferece, é para isso que existem os capelães nos hospitais.
noticias.cancaonova.com — Esse é um momento que muitos pacientes buscam pela espiritualidade e o perdão?
Pe. João — Sim, principalmente o perdão eles procuram. Porque todos nós temos coisas pendentes na vida, quem disse que não tem nada pendente na vida está mentindo. Todos nós queremos morrer em paz, queremos morrer tranquilo. Por isso, muitas vezes eles se manifestam através do diálogo, da necessidade de dar perdão a alguém, ou que gostariam de receber o perdão. Então é um momento muito bonito do ministério da gente como padre, quando você entra na alma da pessoa, sente essa pessoa e dá o que é possível para que ele tenha dignidade nesse momento de dor. Embora a gente está falando muito de morte, mas eu sempre digo para eles: “A minha alegria é quando eu passo aqui a próxima vez é que você já têm recebido alta, já tenha ido para casa”. Então claro que é bastante ampla nossa missão.
noticias.cancaonova.com — O que representa para o senhor, em sua vocação, estar aqui no Emílio Ribas?
Pe. João — Emílio Ribas para mim é a escola do amor. A gente fica aqui, faz todo esse trabalho, enfrenta as epidemias, enfrentamos essa pandemia do Covi-19 e a gente sente que, o que se faz aqui sempre é feito com muito amor, com muito carinho. E o capelão não é visto como uma figura à parte, o capelão aqui é visto como membro da equipe multiprofissional, onde os profissionais vêm discutir com a gente o trabalho, onde eu vou discutir alguns casos com o profissional (…). Então, ser capelão no Emílio Ribas é viver essa escola de amor. Isso, claro, dentro do contexto religioso, é viver a opção preferencial pelos pobres, porque nós cuidamos dos pobres mais pobres, ou seja, os doentes com doenças infecciosas e contagiosas.