Em sua primeira pregação do Advento neste ano, Pregador da Casa Pontifícia reflete sobre São João Batista e seus papéis como moralista e profeta
Da Redação, com Vatican News
Nesta sexta-feira, 15, o Pregador da Casa Pontifícia, Cardeal Raniero Cantalamessa, OFMCap, realizou a primeira pregação do Advento deste ano. Com o tema “Voz de quem clama no deserto”, o purpurado apresentou alguns aspectos da vida de São João Batista ao Papa Francisco e à Cúria Romana.
O pregador comentou que, uma vez que haverá apenas duas meditações neste ano, ele optou por concentrá-las em São João Batista e na Virgem Maria, respectivamente o Precursor e a Mãe.
Em sua reflexão, o Cardeal Cantalamessa falou sobre dois papéis desempenhados por São João Batista segundo a descrição dos Evangelhos: o de pregador de conversão (moralista) e o de profeta. Em relação a este primeiro papel, o religioso retomou algumas passagens dos escritos de São Lucas, dimensionando a ação do primo de Jesus Cristo:
“João dizia às multidões que chegavam a ele para serem batizadas: “Crias de víboras, quem vos ensinou a fugir da ira que está para chegar? Produzi, pois, frutos dignos de vosso arrependimento (…)” (cf. Lc 3, 7-10). Na sequência desta exortação, João Batista responde aos questionamentos daqueles que o ouviam, dando orientações sobre como agir.
Mudança de valores
Em contraponto, o franciscano citou o trecho em que Jesus afirma que “a Lei e os Profetas vigoraram até João! A partir de então, o Reino de Deus é anunciado; e cada um se esforce para entrar nele” (cf. Lc 16,16). Contudo, ele alertou que não se deve fazer contraposições simplistas entre a Lei e o Evangelho, pois o próprio Cristo também diz que “é mais fácil passar o céu e a terra do que cair uma só vírgula da Lei” (cf. Lc 16,17).
Isso denota não uma oposição entre a Lei e o Evangelho, mas uma nova forma de observá-los. “À base da pregação do Batista está a afirmação: ‘Convertei-vos e o reino de Deus virá a vós!’; à base da pregação de Jesus está a afirmação: ‘Convertei-vos, pois o reino de Deus veio a vós!’”, pontuou o cardeal.
Esta mudança, sinalizou, não é apenas cronológica, mas também axiológica (ou seja, de valores). A vinda do reino de Deus não foi permitida por conta da observância dos mandamentos; antes, Deus enviou o Seu Filho ao mundo para que todos recebessem a possibilidade de mudar e viver uma vida nova. “Pois a Lei foi dada por meio de Moisés; a graça (de observá-la, entende-se) e a verdade vieram por Jesus Cristo” (cf. Jo 1,17).
“Ele nos amou primeiro”
O religioso recordou o primeiro mandamento, “amar a Deus de todo o coração”, e afirmou que, acima desta ordem está a ordem da graça, expressa também por São João: “Nós amamos, porque ele nos amou primeiro” (cf. 1Jo 4,19). “Jesus não espera que os pecadores mudem de vida para poder acolhê-los; mas os acolhe, e isso leva os pecadores a mudar de vida”, observou o Cardeal Cantalamessa.
Contudo, ele também indicou que não se pode tirar uma ordem absoluta a partir dos exemplos deixados por Jesus, uma vez que ele lia nos corações e que os outros seres humanos não têm essa mesma capacidade. “A Igreja não pode prescindir, contudo, do seu estilo, sem nos encontrar ao lado de João Batista, ao invés do de Cristo”, comentou.
Mudança de vida, resultado do encontro com Jesus
Além disso, ele lembrou que Jesus reprova o pecado mais que o mais rígido dos moralistas. Entretanto, apresenta à humanidade uma nova forma de remédio: não o afastamento, mas a acolhida. “A mudança de vida não é a condição para nos aproximar de Jesus nos Evangelhos; contudo, deve ser o resultado (ou ao menos o propósito) depois de termos nos aproximado dele. A misericórdia de Deus, de fato, é incondicional, mas não é sem consequências”, declarou o pregador.
Neste contexto, ele apresentou a situação que tantos pais vivem na atualidade, em que apesar do seu bom exemplo de vida cristã e de seus bons conselhos, veem seus filhos desviarem-se do caminho. “Não podem fazer nada a não ser respeitar sua escolha, como a respeita Deus antes deles, e continuar a amá-los”, comentou o franciscano, indicando que “somos chamados a escolher entre o modelo de João Batista e o modelo de Jesus, entre o dar a preeminência à lei, ou dá-la à graça e à misericórdia”.
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De toda forma, ele apresentou um ponto de acordo entre Jesus e João Batista. Retomando o trecho em que o Precursor dá orientações ao povo que o procurava, citou o conselho deixado por ele: “quem tiver duas túnicas, reparta com quem não tem, e quem tiver comida, faça o mesmo” (cf. Lc 3,11).
Mais que um profeta
Partindo para o segundo papel (ou título) de São João Batista, o Cardeal Cantalamessa reiterou que, em sua visão, o santo não é só um moralista e um pregador de penitência, mas também (e sobretudo) um profeta. Jesus, por sua vez, refere-se ao primo como “mais que um profeta” (cf. Lc 7,26).
Diante disso, o religioso questionou em que sentido João Batista seria um profeta, uma vez que os profetas anunciavam uma salvação futura ao passo que ele apontava para alguém presente. Respondendo a esta indagação, o pregador acenou que, enquanto Isaías, Jeremias e Ezequiel ajudavam o povo a superar e ultrapassar a barreira do tempo, João Batista ajudou o povo a ultrapassar a barreira, ainda mais espessa, das aparências contrárias.
“É o escândalo da humildade de Deus que se revela ‘sob aparências contrárias’, para confundir o orgulho e ‘a vontade de potência’ dos homens. (…) Acreditar que chegamos ao porquê da história: isso requeria uma coragem profética maior do que a de Isaías. Trata-se de uma tarefa sobre-humana; compreende-se a grandeza do Precursor e porque é definido ‘mais que um profeta’”, observou o cardeal.
Anunciador do Cristo entre nós
Ele também frisou como, sob a visão do Evangelho de São João, João Batista era o homem que anunciava o Cordeiro de Deus. Desta forma, o profeta inaugurou a nova profecia cristã: uma profecia que não consiste em anunciar uma salvação futura, mas em revelar uma presença escondida, o Cristo no mundo e na história, rasgando os véus dos olhos das pessoas.
“Ele está em meio a nós; está no mundo e o mundo, também hoje, após dois mil anos, não o reconhece”, indicou o franciscano. Neste contexto, ele lembrou do questionamento deixado por Jesus se, em sua vinda, “o Filho do homem, porém, encontrará fé sobre a terra” (cf. Lc 18,8). Essa frase, comentou, não é voltada para aqueles que virão, mas para aqueles que já passaram e aqueles que são contemporâneos:
“Apesar da sua ressurreição e dos prodígios que acompanharam o início da Igreja, Jesus encontrou fé entre os seus? Apesar de dois mil anos da sua presença no mundo e todas as confirmações da história, ainda encontra fé sobre a terra, especialmente entre os chamados ‘intelectuais’?”, perguntou o cardeal.
Neste sentido, ele destacou que a tarefa profética da Igreja será a mesma de João Batista, até o fim do mundo: despertar cada geração da cegueira que a impede de reconhecer e ver a luz do mundo. “É esta a tarefa perene da evangelização”, sublinhou o pregador.
Evangelizar com fervor
Voltando-se para a nova evangelização descrita por São João Paulo II, “nova no fervor, nova nos métodos e nova nas expressões”, ele pontuou que João Batista é mestre, sobretudo, neste primeiro aspecto. Apesar da pobreza de sua teologia, reconheceu o franciscano, João Batista não desanimou no anúncio.
O Cardeal Cantalamessa também pontuou que a nova evangelização pode e deve ser nova no fervor, no método e na expressão, mas não nos conteúdos. “Deve haver uma nova evangelização, mas não um novo Evangelho”, reconheceu. Contudo, ele adicionou que alguns conteúdos que permaneceram à sombra no passado precisam ser retomados.
“A pregação de João Batista nos oferece a ocasião para uma observação atual e importante justamente a propósito deste ‘crescimento’ da palavra de Deus que o Espírito Santo opera na história”, afirmou o pregador.
Batismo no Espírito Santo
Em relação a este mesmo Espírito Santo, ele recordou o anúncio de João Batista quanto ao Batismo com o Espírito Santo que Jesus realizaria (e de fato realizou). A salvação cristã está ligada a essa infusão de uma vida nova, um renascimento a partir do Espírito.
“A destruição do pecado parece a via e a condição para o dom do Espírito, que é o objetivo último, o dom supremo”, apontou o religioso. Por outro lado, ele indicou que talvez essa realidade, ao longo da história, não foi bem explorada. A perspectiva ocidental de enxergar o cristianismo como a solução do problema do pecado original, algo um tanto sombrio e deprimente, explica em parte, a sua rejeição em vários setores da cultura.
Desta forma, “a maior atenção à ação do Espírito Santo e aos seus carismas que, há algum tempo, está em ato em todas as Igrejas cristãs, é um exemplo concreto da Escritura que ‘cresce com quem a lê’”, observou o cardeal.