Nelson Giovanelli faz parte da Pontifícia Comissão para a Proteção dos Menores, organismo do Vaticano que lançou recentemente uma consulta global para prevenir os abusos na Igreja
Julia Beck
Da redação
O único brasileiro membro da Pontifícia Comissão para a Proteção dos Menores, o cofundador da Fazenda da Esperança, Nelson Giovanelli Rosendo dos Santos, comentou a nova iniciativa do grupo. Trata-se do lançamento de uma consulta pública sobre a proposta de atualização do Quadro de Diretrizes Universais. O objetivo é fortalecer os esforços de criação de um ambiente seguro para crianças e pessoas vulneráveis em toda a Igreja.
A consulta pública, disponível em quatro idiomas – entre eles o português – vai ao encontro de um histórico de iniciativas motivadas pelo Papa Francisco para pôr fim a esta que é uma antiga chaga na Igreja.
Além da atualização deste Quadro de Diretrizes Universais (QDU), aprovado para distribuição pela Comissão Pontifícia durante sua recente Assembleia Plenária, a Igreja conta, desde 2019, com três documentos direcionados a este tema. O mais famoso deles é a carta apostólica em forma de motu proprio “Vos estis lux mundi”, publicado em 9 de maio de 2019. O documento teve uma nova versão promulgada em março deste ano, que estabelece procedimentos contra abusos dentro do ambiente eclesial.
A seguir, confira a entrevista completa de Giovanelli para o noticias.cancaonova.com:
noticias.cancaonova.com – A Pontifícia Comissão para Proteção dos Menores lançou a consulta pública sobre uma proposta de atualização do Quadro de Diretrizes Universais para fortalecer os esforços de criação de um ambiente seguro para crianças e pessoas vulneráveis em toda a Igreja. Primeiramente, como surgiu a ideia de atualizar este quadro de diretrizes? Por que esta atualização é tão importante?
Nelson Giovanelli – Em primeiro lugar, é preciso compreender que, desde que o Papa Francisco criou a Pontifícia Comissão para Proteção dos Menores, a sua intenção era justamente fazer com que todas as iniciativas, determinações e esforços que foram feitos pela Igreja nesses últimos 30 anos se tornassem efetivos. Uma delas foi que, em 2011, a Congregação da Doutrina da Fé – que na época tinha esse nome, o agora Dicastério para a Doutrina da Fé, lançou uma carta a todas as Conferências Episcopais do Mundo, dioceses e arquidioceses, para que elaborassem as Diretrizes de Proteção da Crianças e do Adolescente para prevenir esse crime do abuso sexual perpetrado por membros da Igreja.
Esse esforço que muitas dioceses, Conferências Episcopais e todos os seguimentos da Igreja fizeram culminou para que, ao longo destes anos, se entendesse que era importante fazer uma atualização dessas diretrizes, que nada mais são do que orientações sobre como evitar que o abuso possa acontecer dentro do ambiente eclesial.
Essa consulta pública, que agora a Comissão Pontifícia lançou, é para ir na linha deste caminho sinodal que o Papa Francisco lançou para toda a Igreja.
Por isso, aos poucos, a Comissão Pontifícia recebeu essa tarefa de fazer com que essas diretrizes fossem um modelo para ajudar dioceses que tinham mais dificuldade, para que pudessem realizar a missão principal que é tornar a Igreja um ambiente seguro para todas as crianças e adolescentes.
Esse é o motivo principal, o porquê dessa atualização. Essa consulta pública, que agora a Comissão Pontifícia lançou, é para ir na linha deste caminho sinodal que o Papa Francisco lançou para toda a Igreja, a fim de que todo o trabalho que foi feito e aprovado na última plenária agora de maio, pudesse ser revisto por todos os membros da Igreja. Em carta recente, o Papa pediu que esse problema, esse sofrimento do abuso sexual seja eliminado e tenha, portanto, tolerância zero.
noticias.cancaonova.com – Prevenir a ocorrência de abusos, dizer a verdade sobre a realidade e dar assistência às vítimas são alguns princípios evidentes deste quadro de diretrizes universais. Poderia comentar a relevância destes três pontos?
Nelson – A importância de prevenir a ocorrência dos abusos, de dizer a verdade sobre esta realidade e dar assistência às vítimas está entre os focos principais das diretrizes que cada seguimento da Igreja, diocese, Conferência Episcopal, congregação deve colocar neste documento. Especialmente porque: se as vítimas forem ouvidas, se as vítimas forem acolhidas e acreditadas (por isso se fala dessa realidade) é um caminho para prevenir a ocorrência de abusos. Isso porque os abusos sexuais têm um elemento que gosto de chamar de “tirania do silêncio”, ou seja, não se fala do tema, se tem uma tendência de querer encobrir, por isso sofrem todos os lados: a Igreja, a comunidade eclesial… Começam-se a comprometer os relacionamentos interpessoais.
Quando se enfrenta a verdade, procura-se criar sistemas estáveis, visíveis, onde as vítimas podem chegar com tranquilidade e falar dos seus sofrimentos, inicia-se um processo, com certeza, de prevenção da ocorrência de abusos
Quando se enfrenta a verdade, procura-se criar (como está previsto em um dos últimos documentos em que o Papa lançou – “Vós sois a luz do mundo”) sistemas estáveis, visíveis, onde as vítimas podem chegar com tranquilidade e falar dos seus sofrimentos, inicia-se um processo, com certeza, de prevenção da ocorrência de abusos (…).
noticias.cancaonova.com – A consulta foi lançada em quatro idiomas, incluindo o português. Por que é importante que as pessoas participem dela e de que forma a “discussão” deste assunto ajuda a colocar “luz” neste tema?
Nelson – A consulta foi lançada em quatro idiomas e é importante que haja uma participação abrangente em todos os hemisférios, já que existem características peculiares em cada parte do mundo.
A contribuição que cada membro da Igreja pode dar neste tema ajudará em um trabalho feito a nível universal, global. A consequência do abuso é igual para todos, mas a forma como pode se prevenir, em cada Igreja local pode ser diferente justamente por causa da cultura de cada país e continente. Por isso foi importante a ideia de se fazer essa consulta pública a nível mundial.
noticias.cancaonova.com – A consulta pública vai ao encontro do cuidado com os menores e vulneráveis – um pedido do Papa. Além disso, como ela ajuda a evidenciar os princípios da universalidade e da sinodalidade da Igreja, também frisados constantemente por Francisco?
Nelson – Durante praticamente um ano e há algum tempo a Comissão Pontifícia de Proteção dos Menores vem trabalhando através de seus membros e representantes dos continentes na elaboração deste quadro universal de diretrizes. Ela vem auxiliando Conferências Episcopais e dioceses, durante estes anos, desde a carta da então Congregação da Doutrina da Fé, em 2011, na elaboração destas diretrizes. Foi feito um caminho, nesse sentido, de criar um padrão, um guia para a elaboração destas diretrizes.
É dada uma oportunidade para que todas as lideranças, clero e leigos possam dar sua contribuição porque justamente estão traduzidas nas quatros línguas as perguntas.
Agora, nestes últimos tempos, a Comissão Pontifícia, na linha do que o Papa deseja com relação à sinodalidade, lança esta consulta pública justamente para que esta proposta do quadro universal de diretrizes possa ser representativa de todos os continentes. Ela ganha esta universalidade com a contribuição não só de forma representativa com os membros da comissão que estão espalhados em todo o mundo, mas de toda a Igreja do mundo. Ou seja, é dada uma oportunidade para que todas as lideranças, clero e leigos possam dar sua contribuição porque justamente estão traduzidas nas quatros línguas as perguntas.
É um passo importante para que depois a Igreja tenha um instrumento muito útil para que essas diretrizes sejam implementadas a nível da catolicidade universal.