IGREJA

Bispo Hinder: "Situação para 30 milhões no Iêmen é crítica"

O bispo Paul Hinder, que serviu como Vigário Apostólico do Sul da Arábia, adverte que a guerra na Ucrânia pode agravar a grave crise humanitária e a fome no Iêmen

Da redação, com Vatican News


Dom Paul Hinder, ex-Vigário Apostólico do Sul da Arábia / Foto: Reprodução Youtube

O bispo Paul Hinder, que por mais de uma década serviu como Vigário Apostólico do Sul da Arábia e cuja renúncia foi aceita pelo Papa Francisco no domingo, 1º, diz que a emergência humanitária no Iêmen deixou 30 milhões de pessoas sofrendo.

Ao dizer que está convencido de que o lucro obtido com a produção de armas alimenta ainda mais esta situação, o bispo, que também atuou como Administrador Apostólico do Norte da Arábia, lamenta que esta guerra seja, muitas vezes, esquecida porque outros conflitos estão mais próximos do coração de muitas pessoas e também pela mídia.

Em uma ampla entrevista concedida ao Vatican News, o bispo suíço, que completou 80 anos há uma semana, fala sobre a crise no Iêmen, recordada em diversas oportunidades pelo Papa em seus apelos, mas muitas vezes esquecida pelo mundo.

A população do Iêmen é de 31,9 milhões, dos quais 23,4 milhões precisam de assistência humanitária. De acordo com o Programa Alimentar Mundial da ONU, existem 4,3 milhões de deslocados internos (IDPs) no Iêmen desde março de 2015. As estatísticas do mês passado também relatam que 17,4 milhões de pessoas, ou seja, mais da metade da população, estão em insegurança alimentar aguda, e 2,2 milhões de crianças provavelmente sofrerão de fome extrema.

Tendo sido o líder da Igreja responsável durante a primeira viagem de um Papa à Península Arábica, e a histórica Missa Papal em Abu Dhabi, com a presença de cerca de 180 mil pessoas de todas as idades dos Emirados Árabes Unidos e países vizinhos, Dom Hinder também discute os frutos desta viagem, à luz do documento assinado pelo Papa Francisco sobre a Fraternidade Humana para a Paz Mundial e a Convivência e a encíclica Fratelli tutti.

Todas as partes do conflito no Iêmen concordaram com uma trégua de dois meses, relata o periódico estadunidense USA. No entanto, a trégua tecnicamente expira nos próximos dias.

Vatican News — Mesmo que todas as partes do conflito no Iêmen tenham concordado com uma trégua de dois meses, que está prestes a expirar nos próximos dias, qual é a situação do país no momento?
Dom Hinder — Ninguém sabe exatamente qual é a real situação do país. Há informações confiáveis apenas sobre algumas partes, enquanto a situação continua crítica para a maior parte da população em relação à saúde, alimentação e às centenas de milhares, senão milhões de pessoas deslocadas internamente. Espero que a presente trégua seja o início de negociações sérias. Tenho a impressão de que as partes estão cansadas da guerra e chegaram à conclusão de que a guerra não pode ser vencida no campo de batalha. Mesmo as negociações em andamento não resolvem imediatamente questões críticas de saúde e alimentação. Além disso, resta considerar como conciliar as diferentes facções dentro do país. Há também bolsões que podem a qualquer momento retomar a abertura de fogo.

Vatican News — Muitos interesses estão alimentando esta guerra. A comunidade internacional está em silêncio sobre o Iêmen. O Papa já fez diversos apelos. Por que não está na mídia? Por que está sendo esquecido pelo mundo? De uma perspectiva internacional, o que pode ser feito além de fornecer ajuda humanitária?
Dom Hinder — Acho que isso tem a ver em parte com o excesso de informações em um sentido mais amplo. Certas pessoas estão simplesmente cansadas de ouvir sempre as mesmas notícias. Em nível internacional, o tema Iêmen foi discutido no Conselho de Segurança da ONU e na Assembleia Geral da ONU, mas relativamente pouco aconteceu. Mesmo a Missão Especial da ONU fez o seu melhor, mas no final, houve pouco resultado. Quem é o responsável final é muito difícil de dizer. Claro, existem diferentes partes envolvidas no conflito: há a Arábia Saudita com seus aliados. Há o Irã na parte de trás. Existem partidos internos, questões tribais, interesses políticos e interesses econômicos. Teologicamente falando, também temos que levar em conta o diabo que está sempre lá como o encrenqueiro — claro, sem negar a responsabilidade das pessoas envolvidas. Ao mesmo tempo, esta realidade me faz refletir ainda mais sobre a importância do poder da oração, como Jesus nos disse nos Evangelhos, existem alguns demônios que não podem ser expulsos sem oração.

Vatican News — O que pode ser feito para ajudar na emergência alimentar e na desnutrição?
Dom Hinder — Vejo especialmente duas dimensões. Uma delas é entender como canais de transporte seguros podem ser estabelecidos, de modo que os alimentos possam ser levados para os lugares e regiões críticas — isso obviamente requer canais necessários. Caso contrário, se o transporte for bloqueado militarmente ou por outros elementos, a comida não poderá chegar aos famintos e carentes. Em segundo lugar, se não mais importante — assim que houver um cessar-fogo mais longo e uma paz subsequente — é que o país precisa retomar os ciclos de produção de commodities vitais. O Iêmen é um país pobre, mas tem capacidade para produzir alimentos para abastecer a população. No entanto, uma guerra em curso coloca em risco toda a produção do país, como já se viu no passado; agora também vemos isso na Ucrânia. No Iêmen, essa situação trágica continua há anos. Receio, porém, agora com a guerra da Ucrânia que a situação se torne ainda mais grave, porque sabemos bem que a Ucrânia é um dos maiores produtores de trigo e indiretamente de alimentos em todo o mundo. Não sei o que acontecerá se esta produção crítica de alimentos cessar por causa da guerra.

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