NAS NAÇÕES UNIDAS

Arcebispo Gallagher: a diplomacia vaticana é para o bem comum

Em um congresso promovido em Roma, o secretário para as Relações com os Estados apresentou a experiência da Santa Sé nas relações internacionais

Da redação, com Vatican News

O enviado do Vaticano e Secretário para as Relações com os Estados e Organizações Internacionais da Santa Sé, Arcebispo Paul Richard Gallagher, discursa na 80ª Assembleia Geral das Nações Unidas na sede da ONU em Nova York / Foto: Eduardo Munoz - Reuters

“Fazer-se próximo” é o sentido mais profundo de uma diplomacia a serviço do bem comum, e não de interesses particulares. É essa a perspectiva que orienta a ação da Santa Sé em suas relações com os Estados: mesmo nas situações mais “cristalizadas”, a diplomacia pontifícia rejeita a resignação e adota uma abordagem de duplo horizonte — enfrentar as crises imediatas e, ao mesmo tempo, construir uma visão de longo prazo que transcenda os “ciclos eleitorais”. Foi o que disse o secretário para as Relações com os Estados e Organizações Internacionais, o arcebispo Paul Richard Gallagher.

Não se trata de um luxo, mas de uma necessidade estratégica, que também implica riscos. Manter relações com a maioria dos países do mundo pode, de fato, fazer a Santa Sé ser percebida como “excessivamente condescendente com regimes autoritários”, mas a presença diplomática continua sendo “a única maneira de influenciar sistemas de outro modo dificilmente alcançáveis”. Foi o que afirmou o arcebispo Paul Richard Gallagher, secretário para as Relações com os Estados e Organizações Internacionais, em seu discurso proferido hoje, 13 de outubro, em Roma, na Aula Pio XI do Palácio San Calisto, durante o congresso sobre o tema Fazer-se próximo na esperança: testemunho das religiões e diplomacia da caridade política, promovido pela Associação Internacional de direito pontifício Carità Politica. Trinta anos após sua fundação, Religiões e Diplomacia é um organismo criado para promover, coordenar e fortalecer o diálogo inter-religioso, sobretudo por meio da colaboração com os diversos embaixadores junto à Santa Sé.

Traduzir a esperança em “ato diplomático”

Ser “próximo” é o coração da diplomacia, segundo Dom Gallagher. “Quando o Papa recebe as credenciais de um embaixador”, recordou, “estamos encarnando um princípio que transcende a mera função protocolar”: aproximar-se, “dar o primeiro passo em direção ao outro, encurtar as distâncias”, como lembra o Papa Francisco.

A diplomacia da Santa Sé, explicou Gallagher, baseia-se em uma “neutralidade ativa”, que não significa desinteresse, mas compromisso a serviço da estabilidade humana e do “bem comum”, para além de “interesses particulares”, blocos geopolíticos e esquemas ideológicos “hoje cada vez menos identificáveis”.

A parábola evangélica do bom samaritano torna-se, assim, modelo de ação: “assumir responsabilidades concretas e duradouras para com o homem ferido”, unindo visão e ação, princípios e pessoas. Essa perspectiva se reflete na prática da diplomacia pontifícia — do papel desempenhado, por exemplo, na reaproximação entre Estados Unidos e Cuba, ao processo de paz na Colômbia, até a paciente construção de relações com o Vietnã e a China. Cada intervenção da Santa Sé, destacou o arcebispo, é orientada à promoção do bem comum e traduz a esperança em um “ato diplomático” concreto. Não se trata de um simples “otimismo ingênuo”, mas de uma ação baseada “na avaliação dos riscos”, que rejeita a “resignação” e o postulado de que não há espaço para o diálogo e a transformação das situações “mais cristalizadas”.

Entre urgências e visão de longo prazo

A diplomacia vaticana atua em dois níveis temporais: de um lado, responde às urgências imediatas — crises, conflitos, emergências —; de outro, mantém uma visão de longo prazo, não subordinada aos ciclos eleitorais. “Não é um luxo, mas uma necessidade estratégica”, precisou o secretário para as Relações com os Estados e Organizações Internacionais, pois sem uma esperança mais ampla as soluções permanecem frágeis. Referindo-se aos conflitos e tensões que dominam o cenário geopolítico, Gallagher reconheceu as dificuldades dos processos de mediação e a complexidade de uma “estabilização global”. Além disso, chamou atenção para os desafios da aceleração tecnológica e da crise ecológica, que exigem “novos marcos de cooperação” impossíveis de serem elaborados por um único Estado — e, muitas vezes, difíceis de implementar. Esses problemas, observou, poderiam se tornar “catalisadores” do multilateralismo, mas isso nem sempre acontece.

Diálogo, escuta e custos morais

Manter relações com a maioria dos países do mundo, observou ainda, implica às vezes o risco de ser visto como “demasiado complacente com regimes autoritários”. No entanto, a presença diplomática é “a única forma” de influenciar sistemas “de outro modo dificilmente alcançáveis”. A autoridade moral da Santa Sé — derivada do fato de não ter interesses materiais a defender — permite-lhe reafirmar princípios éticos “mesmo quando incômodos”. A escuta, porém, “nem sempre é garantida”: os apelos podem permanecer sem resposta, sobretudo quando entram em choque com “interesses geopolíticos imediatos”. As decisões em matéria diplomática, além disso, podem implicar “altos custos morais”. Raramente se trata de escolher entre “o bem absoluto e o mal absoluto”. Nesse sentido, a neutralidade pode ser vista como obstáculo quando os contextos exigem “posições mais firmes”. Mas a convicção de manter canais abertos pode, no fim, levar a “intervenções mais eficazes do que condenações públicas”.

Migração, paz e multilateralismo

Entre os temas abordados, Gallagher falou sobre a migração, que deve ser tratada com uma “abordagem integral”, capaz de analisar as causas profundas e transformar a emergência em oportunidade. Quanto aos conflitos armados e à “terceira guerra mundial em pedaços”, evocada pelo Papa Francisco, o arcebispo destacou o desenvolvimento de uma “teologia da paz” que vá além da simples ausência de guerra, para construir relações justas entre os povos. O diálogo inter-religioso continua sendo um campo privilegiado para a diplomacia pontifícia, assim como a promoção do multilateralismo — não por ideologia, mas por convicção: “Os desafios globais, da pandemia à crise climática, não podem ser enfrentados isoladamente”.

A mostra sobre os Jubileus

À margem do congresso, é possível visitar uma exposição de obras de arte, algumas datadas do Jubileu de 2000 e outras do atual Ano Santo. As obras vêm de todo o mundo, escolhidas pelos embaixadores junto à Santa Sé de vários países, e retratam ideias e previsões sobre como será o mundo futuro. Entre os trabalhos de 2025, destaca-se um proveniente do Japão, criado inteiramente por meio de Inteligência Artificial, sobrepondo diversas imagens umas às outras.

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