Coletiva no avião

Papa sobre crianças ucranianas levadas à Rússia: "gesto de crueldade"

Em coletiva de imprensa no avião de volta a Roma, Francisco afirmou que a Santa Sé está disposta a trabalhar para que crianças ucranianas levadas à força para a Rússia voltem para casa

Da redação, com Vatican News

Papa Francisco durante coletiva deste domingo, 30/ Foto: Vatican Media­Handout via Reuters

O trabalho da Santa Sé para facilitar o regresso à pátria das crianças ucranianas levadas para a Rússia durante a guerra, a paz, os contatos com o Kremlin e o diálogo ecumênico. Estes foram alguns temas de perguntas feitas pelos jornalistas ao Papa Francisco, durante coletiva no avião, realizada neste domingo, 30, após a viagem do Santo Padre à Hungria.

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O Pontífice também fez menção à sua saúde, depois da internação no Hospital Gemelli, na semana precedente ao Domingo de Ramos, além de comentar a restituição de fragmentos do Partenon à Grécia, um exemplo para novos futuros gestos semelhantes. Confira na íntegra as perguntas e respostas do Papa:

Hungria

Antal Hubai (Rtl Klub) – Qual foi a sua experiência pessoal dos encontros na Hungria?

Papa Francisco – Eu vivi esta primeira experiência de encontro na década de 1960. Quando muitos jesuítas húngaros foram expulsos de seu país. Depois foram criadas escolas… havia uma escola a 20 km de Buenos Aires e eu a visitava duas vezes por mês. Depois, mantinha contatos também com uma instituição de leigos húngaros que trabalhavam em Buenos Aires. Não entendia o idioma. Mas duas palavras entendi bem: Gulash e Tokai (risos). Foi uma bela experiência. Impressionou-me muito a dor pelo fato de serem refugiados e não poderem voltar para casa. As freiras de Maria Ward permaneceram ali, escondidas em apartamentos para que o regime não as expulsasse. Depois fiquei sabendo mais detalhamento de todo o caso para convencer o cardeal Mindszenty a ir a Roma. E também vivi o entusiasmo breve do ano de 1956 e depois a desilusão.

Antal Hubai (Rtl Klub) – Mudou sua opinião desde então?

Papa Francisco – Não mudou, se enriqueceu. No sentido de que os húngaros que conheci têm uma grande cultura….

Antal Hubai (Rtl Klub) – Que língua falavam?

Falavam normalmente alemão ou inglês. O húngaro não se fala fora da Hungria. Só no paraíso, porque dizem que é preciso uma eternidade para aprendê-lo (risos).

Migrantes e as fronteiras

Eliana Ruggiero (AGI) – Santo Padre, o senhor lançou um apelo para abrir – reabrir – as portas do nosso egoísmo aos pobres, aos migrantes, a quem está clandestino. No seu encontro com o premiê húngaro Orbán, o senhor lhe pediu para reabrir as fronteiras da rota balcânica que ele fechou? Depois, nos dias passados, o senhor encontrou também o metropolita Hilarion: Hilarion e o próprio Orbán podem se tornar canais de abertura em relação a Moscou para acelerar um processo de paz para a Ucrânia, ou tornar possível um encontro entre o senhor e o presidente Putin? Obrigada.

Papa Francisco – Creio que a paz se faça sempre abrindo canais, jamais se pode fazer a paz com o fechamento. Convido todos a abrir relações, canais de amizade… Isto não é fácil. O mesmo discurso que fiz no geral, fiz com Orbán e o fiz um pouco em todos os lugares. Sobre as migrações: creio que seja um problema que a Europa precisa assumir, porque são cinco os países que mais sofrem: Chipre, Grécia, Malta, Itália e Espanha, porque são os países mediterrâneos e a maioria desembarca ali. E se Europa não assumir esta questão, de uma distribuição équa dos migrantes, o problema será somente desses países. Creio que a Europa deva fazer sentir que é União Europeia também diante disso. Há outro problema que está ligado à migração, e é o índice de natalidade. Existem países como a Itália e a Espanha que não fazem filhos.

No ano passado, eu falei num encontro das famílias sobre isto e ultimamente vi que também o governo e outros governos falam a respeito. A média de idade na Itália é de 46 anos, para a Espanha é mais alta ainda e existem pequenos vilarejos desertos. Um programa migratório, mas levado adiante com o modelo que alguns países tiveram com a migração – penso por exemplo na Suécia no tempo das ditaduras latino-americanas – possa ajudar também esses países que têm uma baixa porcentagem de nascimentos. Então, no final, qual era a última? Ah sim, Hilarion: Hilarion é alguém que eu respeito muito, e sempre tivemos um bom relacionamento. E ele teve a gentileza de vir me ver, depois esteve na Missa e eu o vi também ali, no aeroporto. Hilarion é uma pessoa inteligente com quem se pode conversar, e essas relações precisam ser mantidas, porque se falamos de ecumenismo – eu gosto disso, eu não gosto disso… temos que ter a mão estendida com todos, também receber a mão [deles?]. Falei com o patriarca Kirill apenas uma vez desde que a guerra começou, 40 minutos pelo zoom, depois por meio de Anthony, que agora está no lugar de Hilarion, que vem me ver: é um bispo que foi pároco em Roma e conhece o ambiente bem, e estou sempre em contato com Kirill por meio dele. Está em suspenso o encontro que deveríamos ter em Jerusalém em julho ou junho do ano passado, mas por causa da guerra foi suspenso: isso terá que ser feito. E depois, com os russos, tenho um bom relacionamento com o embaixador que agora está saindo, embaixador no Vaticano há sete anos, é um grande homem, um homem comme il faut. Uma pessoa séria, culta, muito equilibrada. A relação com os russos é principalmente com esse embaixador. Não sei se disse tudo. Foi isso? Ou eu pulei alguma coisa?

Paz 

Eliana Ruggiero – Hilarion ou mesmo Orbán poderiam de alguma forma acelerar o processo de paz na Ucrânia e também possibilitar um encontro entre o senhor e Putin, se eles pudessem atuar – entre aspas – como intermediários?

Papa Francisco – Você pode imaginar que nesse encontro não falamos só da Chapeuzinho Vermelho, não é mesmo? Falamos de todas essas coisas. Fala-se disso porque todos estão interessados no caminho da paz. Eu estou disposto. Estou disposto a fazer o que for preciso. Além disso, uma missão está em andamento agora, mas ainda não é pública. Vamos ver como… Quando for pública eu direi.

JMJ 

Aura Vistas – A próxima parada é Lisboa, como se sente em relação à sua saúde? Fomos pegos de surpresa quando foi para o hospital, disse que tinha desmaiado, portanto, tem energia para ir à JMJ? E gostaria de um evento com jovens ucranianos e russos, como um sinal para as novas gerações?

Papa Francisco – Em primeiro lugar, a saúde. O que eu tive foi um forte mal-estar no final da audiência de quarta-feira, não tive vontade de almoçar, fiquei um pouco deitado, não perdi a consciência, mas sim, tive uma febre muito alta e às três da tarde o médico me levou imediatamente ao hospital. Tive uma forte pneumonia aguda, na parte inferior do pulmão, mas graças a Deus, posso lhes dizer, o corpo reagiu bem. Graças a Deus. Foi isso que eu tive. Sobre Lisboa: na véspera da minha partida falei com Dom Américo que veio ver como estão as coisas. Eu vou, eu vou. Espero conseguir, vocês veem que não é a mesma coisa de dois anos atrás, com o bastão agora está melhor e por enquanto a viagem não está cancelada. Depois tem a viagem a Marselha, depois tem a viagem à Mongólia, depois tem a última, não me lembro para onde… ainda assim, o programa me mantém em movimento.

E sobre os jovens da Rússia e da Ucrânia?

O Américo tem algo em mente, está preparando alguma coisa, me disse. Ele está preparando bem.

Ecumenismo

Nicole Winfield – Santo Padre, queria perguntar-lhe algo um pouco diferente: recentemente o senhor fez um gesto ecumênico muito forte, doou três fragmentos das esculturas do Partenon à Grécia em nome dos Museus Vaticanos. Este gesto também repercutiu fora do mundo ortodoxo, porque muitos museus ocidentais estão discutindo precisamente a restituição do período colonial, como um ato de justiça para com essas pessoas. Eu gostaria de perguntar se o senhor também está disponível para outras restituições. Penso nos povos e grupos indígenas do Canadá que solicitaram a devolução de objetos das coleções do Vaticano como parte do processo de reparação pelos danos sofridos no período colonial.

Papa Francisco – Mas este é o sétimo mandamento: se você roubou, deve devolver. Mas há toda uma história, que às vezes as guerras e as colonizações levam a tomar decisões de pegar as coisas boas do outro. Este foi um gesto correto, devia ser feito: o Partenon, dar alguma coisa. E se amanhã os egípcios vierem pedir o obelisco, o que faremos? Mas ali deve ser feito um discernimento em cada caso. E depois a restituição das coisas indígenas está em andamento com o Canadá, pelo menos estávamos de acordo em fazê-lo. Agora vou perguntar em que ponto está. Mas a experiência com os aborígines do Canadá foi muito frutuosa.

Também nos Estados Unidos os jesuítas estão fazendo alguma coisa, com aquele grupo de indígenas dentro dos Estados Unidos. O Geral me contou outro dia. Mas voltemos à restituição. Na medida em que é possível restituir, que é necessário, que é um gesto, é melhor fazê-lo. Às vezes não é possível, não existe possibilidade política, real, concreta. Mas na medida em que pode ser restituir, por favor, que seja feito; isso faz bem a todos. Para não se acostumar a colocar a mão no bolso dos outros.

Crianças ucranianas

Eva Fernandez: O primeiro-ministro ucraniano pediu a sua ajuda para trazer de volta as crianças levadas à força para a Rússia.

Papa Francisco – Penso que sim, porque a Santa Sé atuou como intermediária em algumas situações de troca de prisioneiros, e através da embaixada correu bem, penso que isto também pode correr bem. É importante, a Santa Sé está disposta a fazê-lo porque é justo, é uma coisa justa e nós devemos ajudar, para que isto não seja um casus belli, mas um caso humano. É um problema de humanidade antes de ser um problema de um saque de guerra ou movimento de guerra. Todos os gestos humanos ajudam, ao invés disso, os gestos de crueldade não ajudam. Temos de fazer tudo o que é humanamente possível.

Também estou pensando, quero dizer, nas mulheres que vêm para nossos países: Itália, Espanha, Polônia, Hungria, tantas mulheres que vêm com filhos e maridos, ou são esposas… ou estão lutando contra a guerra. É verdade que neste momento elas estão sendo ajudadas, mas não podemos perder o entusiasmo de fazer isso, porque se o entusiasmo diminuir, essas mulheres ficam sem proteção, com o perigo de cair nas mãos dos abutres que estão sempre procurando essas situações. Vamos tomar cuidado para não perder essa tensão de ajuda que temos com os refugiados, isso diz respeito a todos.

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