Esperança cristã, atenção aos mais necessitados, vida consagrada alegre e padres misericordiosos: esses foram alguns pontos do discurso do Papa
Jéssica Marçal
Da Redação
Dando continuidade à sua visita à Lituânia, neste domingo, 23, o Papa Francisco se dirigiu à catedral de Kaunas para o encontro com os sacerdotes, religiosos, consagrados e seminaristas. Aos presentes, o Papa fez um discurso marcado por algumas falas espontâneas e centrado na esperança.
O Papa começou a reflexão recordando os tantos mártires do país, pessoas que souberam o que é a prisão. E pediu que isso jamais seja esquecido, que as pessoas tenham memória e saibam que são filhas de mártires. “Esta é a força de vocês. O espírito do mundo não venha dizer a vocês algo diferente daquilo que viveram os seus antepassados. Recordem-se dos seus mártires”.
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Mencionando um texto do apóstolo Paulo, que convida a esperar com constância, Francisco falou sobre a esperança. Ele observou que, antes, porém, de convidar à esperança, o apóstolo repetiu a palavra “gemer”: geme a criação, gemem os homens, geme-se pela escravidão da corrupção, pelo anseio à plenitude.
“Hoje, far-nos-á bem perguntar se aquele gemido está presente em nós ou se, pelo contrário, já nada grita na nossa carne, nada anela pelo Deus vivo. (…) Talvez a ‘sociedade do bem-estar’ nos tenha deixado demasiadamente saciados, cheios de serviços e de bens, e encontramo-nos ‘pesados’ de tudo e cheios de nada; talvez nos tenha deixado aturdidos ou dissipados, mas não cheios”.
Francisco destacou que homens e mulheres de especial consagração jamais podem se permitir perder esse gemido, essa inquietude de coração que só encontra repouso em Deus. Ele ressaltou a necessidade de um diálogo diário com Deus através da oração e da adoração.
Ainda falando desse gemido, o Papa associou-o também ao apelo face às necessidades das pessoas mais pobres e necessitadas. Ele enfatizou a necessidade de ouvir o lamento dos irmãos e ser ousados e criativos no apostolado. “Que a nossa presença não seja deixada à improvisação, mas dê resposta às necessidades do povo de Deus e seja, assim fermento na massa”.
A constância
Outro ponto de que o apóstolo Paulo fala é sobre a constância: constância no sofrimento, em perseverar no bem. “Isto significa estar centrados em Deus, permanecendo firmemente enraizados n’Ele, ser fiéis ao seu amor”, explicou o Pontífice.
“Vós, os mais idosos (como não mencionar Mons. Sigitas Tamkevicius?), sabereis testemunhar esta constância no sofrimento, este ‘esperar contra toda a esperança’. A violência usada contra vós por ter defendido a liberdade civil e religiosa, a violência da difamação, o cárcere e a deportação não puderam vencer a vossa fé em Jesus Cristo, Senhor da história”.
Por isso mesmo, essas pessoas têm tanto a ensinar, disse o Papa, exortando os jovens a olhar para esse caminho percorrido pelos mais idosos. “São precisamente as tribulações que delineiam os traços distintivos da esperança cristã, porque, quando é apenas uma esperança humana, podemos sentir-nos frustrados e esmagados com o fracasso; mas não acontece o mesmo com a esperança cristã: esta sai mais límpida, mais experimentada do crisol das tribulações”.
A tristeza espiritual
Falando de improviso durante o discurso, o Papa alertou para as vezes em que tantos padres e consagrados são tristes.
“A tristeza espiritual é uma doença. Triste por que? Não sabem. Tristes porque não encontram o amor, porque não estão apaixonados pelo Senhor. Eles deixaram de lado uma vida de matrimônio, de família, quiseram seguir o Senhor, mas agora parece que se cansaram e desce, então, a tristeza. Por favor, quando vocês se encontrarem tristes, parem e busquem um sacerdote sábio, uma religiosa sábia (…) Sábio ou sábia porque foi capaz de ir avante no amor. Vão até eles e peçam conselhos”.
Vocação x trabalho
O Santo Padre alertou ainda os religiosos sobre outro aspecto ligado à tristeza: confundir a vocação com um trabalho, uma empresa. Trata-se de um caminho equivocado, disse Francisco, destacando que a vida de seguir Jesus não é uma vida de “funcionário ou funcionária”, mas uma vida de amor ao Senhor, de zelo apostólico pelas pessoas.
“Vou fazer uma caricatura: o que faz um sacerdote funcionário? Tem seu horário, o seu escritório, abre o escritório, trabalha, fecha o escritório e as pessoas estão lá fora, não se aproxima das pessoas. Queridos irmãos e irmãs, se vocês não querem ser funcionários, vou dizer uma palavra: proximidade. Proximidade ao tabernáculo, um ‘cara a cara’ com o Senhor. Proximidade às pessoas. ‘Mas padre, as pessoas não vêm’. Então, vá encontrá-las. ‘Os jovens não vêm’. Invente algo para ajudá-los. Proximidade às pessoas e proximidade ao Senhor no tabernáculo”.
Aos padres, especificamente, o Papa deixou uma palavra sobre a necessidade de misericórdia no confessionário. “Nesta terra onde Jesus se revelou como Jesus misericordioso, um sacerdote não pode não ser misericordioso, sobretudo no confessionário. Pensem como receberia Jesus a esta pessoa. A vida já surrou tanto aquele pobrezinho, faça-o sentir o abraço do Pai que o perdoa. Se você não pode dar a solução, por exemplo, mas dê a consolação do irmão, do pai, do padre, encoraja-o a ir adiante, convence-o que Deus perdoa tudo, mas isto com o calor de pai (…) O confessionário não é um escritório de um psiquiatra”.
Francisco deixou ainda uma palavra às irmãs presentes no encontro. Pediu que elas tenham postura maternal, uma vez que são ícones da Igreja e de Nossa Senhora. “Cada pessoa que vê vocês devem ver a Mãe Igreja, a Mãe Maria, não se esqueçam disso. (…) A proximidade de vocês é ser mãe, ícone da Igreja, ícone de Nossa Senhora”
Encerrando o discurso, Papa Francisco retomou alguns pontos essenciais: serviço sacerdotal, vida consagrada não como funcionários, mas de pai e mãe de misericórdia. “Se vocês fizerem assim, quando forem idosos vocês terão o sorriso belíssimo e com os olhos brilhantes porque terão a alma cheia de ternura, de mansidão, de misericórdia, de amor, de paternidade e maternidade. E rezem por esse pobre bispo. Muito obrigado”.