SEMANA SANTA

Papa: "Jesus transforma nossos corações de pedra em carne"

Na missa do Domingo de Ramos, Francisco refletiu sobre a fé que Jesus depositou em Deus, abandonando-se em seu momento de dor porque sabia que a razão de Deus o salvaria

Da redação, com Vatican News

O Santo Padre durante a missa de Domingo de Ramos, em Roma / Foto: Guglielmo Mangiapane – Reuters

O Papa Francisco presidiu a Missa Solene do Domingo de Ramos da Paixão do Senhor na manhã deste domingo, 2, em sua primeira aparição pública depois de receber alta do Hospital Gemelli, em Roma, no sábado, 1º de abril. Estima-se que 60 mil fiéis participaram da celebração que se concluiu com a recitação da oração do Angelus.

Na homilia após a recitação da Paixão, o Papa Francisco refletiu sobre o grito de Cristo na Cruz: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?”. “Essas palavras nos levam ao próprio coração da Paixão de Cristo, o ponto culminante dos sofrimentos que Ele suportou por nossa salvação”, disse o Papa, observando que essas são as únicas palavras da Cruz relatadas no Evangelho de São Mateus”.

Sofrimentos do corpo e da alma

Muitos foram os sofrimentos de Jesus. Foram sofrimentos do corpo: das bofetadas às pancadas, da flagelação à coroa de espinhos até à tortura da cruz. Foram sofrimentos da alma: a traição de Judas, as negações de Pedro, as condenações religiosa e civil, a zombaria dos guardas, os insultos ao pé da cruz, a rejeição de tantos, a falência de tudo, o abandono dos discípulos. E, contudo, prosseguiu o Pontífice, no meio de todo este sofrimento, restava a Jesus uma certeza: a proximidade do Pai. Ele tinha dito: “Eu e o Pai somos um”, “Eu estou no Pai e o Pai está em Mim”. Mas agora acontece o impensável; antes de morrer, clama: “Meu Deus, meu Deus, porque Me abandonaste?”

“O Papa ressaltou que estamos perante o sofrimento mais dilacerante, o do espírito: na hora mais trágica, Jesus experimenta o abandono por parte de Deus. Antes disto, nunca chamara o Pai pelo nome genérico de Deus.”

Na Bíblia, o verbo “abandonar” é forte; aparece em momentos de dor extrema: em amores fracassados, rejeitados e traídos; em filhos enjeitados e abortados; em situações de repúdio, viuvez e orfandade; em casamentos gorados, em exclusões que privam dos laços sociais, na opressão da injustiça e na solidão da doença: em suma, nas mais drásticas dilacerações dos vínculos. Cristo levou tudo isto para a cruz, ao carregar sobre Si o pecado do mundo. E, no auge, Ele — Filho unigênito e predileto — experimentou a situação mais estranha no seu caso: a distância de Deus.

Fez-Se solidário conosco até ao ponto extremo

Mas podemos nos perguntar: por que foi tão longe? A resposta é uma só: por nós. Fez-Se solidário conosco até o ponto extremo, para estar conosco até ao fim, para que nenhum de nós se possa imaginar sozinho e irrecuperável. Experimentou o abandono para não nos deixar reféns da desolação e permanecer ao nosso lado para sempre, enfatizou o Pontífice.

Irmão, irmã, Ele o fez por mim, por ti, para que, quando eu, tu ou qualquer outro se vir encurralado à parede, perdido num beco sem saída, precipitado no abismo do abandono, sorvido no redemoinho dos “porquês”, saibamos que há uma esperança. Não é o fim, porque Jesus esteve ali e agora está contigo: Ele, o Pai e o Espírito sofreram a distância causada pelo abandono para acolher no seu amor todas as nossas distâncias. A fim de que possa cada um de nós dizer: nas minhas quedas, na minha desolação, quando me sinto traído, descartado e abandonado, Tu estás presente, Jesus; nos meus falhanços, estás comigo; quando me sinto transviado e perdido, quando não aguento mais, Tu estás lá, estás comigo; nos meus “porquês” sem resposta, estás comigo.

Hoje, tantos “cristos abandonados”

É assim que o Senhor nos salva, a partir de dentro dos nossos “porquês”. De lá, descerra a esperança. Um amor assim, que dá tudo por nós, até ao fim, pode transformar os nossos corações de pedra em corações de carne, capazes de piedade, ternura e compaixão, prosseguiu o Santo Padre.

Há, hoje, tantos “cristos abandonados”. Há povos inteiros explorados e deixados à própria sorte; há pobres que vivem nas encruzilhadas das nossas estradas e cujo olhar não temos a coragem de fixar; migrantes que já não são rostos, mas números; reclusos rejeitados, pessoas catalogadas como problemas. Mas há também muitos cristos abandonados invisíveis, escondidos, que são descartados de forma “elegante”: crianças nascituras, idosos deixados sozinhos, doentes não visitados, pessoas portadoras de deficiência ignoradas, jovens que sentem dentro um grande vazio sem que ninguém escute verdadeiramente o seu grito de dor.

As pessoas rejeitadas e excluídas são ícones vivos de Cristo

Francisco concluiu exortando-nos a lembrar sempre que Jesus abandonado nos pede para termos olhos e coração para os abandonados. Para nós, discípulos do Abandonado, ninguém pode ser marginalizado, ninguém pode ser deixado a si mesmo; porque, recordemo-lo, as pessoas rejeitadas e excluídas são ícones vivos de Cristo, recordam-nos o seu amor louco, o seu abandono que nos salva de toda a solidão e desolação.

Peçamos hoje esta graça: saber amar Jesus abandonado e saber amar Jesus em cada abandonado. Peçamos a graça de saber ver e reconhecer o Senhor que continua a clamar neles. Não permitamos que a sua voz se perca no silêncio ensurdecedor da indiferença. Não fomos deixados sozinhos por Deus; cuidemos de quem é deixado só. Então, só então, faremos nossos os desejos e os sentimentos d’Aquele que por nós “Se esvaziou a Si mesmo”.

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