O mundo precisa de sacerdotes “especialistas em humanidade” e não de uma “teologia que se esgota em disputas acadêmicas”, disse o Papa em discurso no Vaticano
Da Redação, com Vatican News
Uma boa formação para os sacerdotes para que se tornem “especialistas em humanidade”, capazes de escutar o sofrimento das pessoas. Essa é a indicação do Papa Francisco aos formadores do Seminário Arquiepiscopal de Milão, recebidos em audiência nesta sexta-feira, 17. O grupo se encontrou com o Papa por ocasião dos 150 anos da revista teológica “La Scuola Cattolica”,
Em seu discurso, Francisco também destacou a necessidade de examinar e avaliar plenamente os que iniciam o caminho do sacerdócio, levando em consideração seu modo de viver os afetos, relacionamentos, papéis, responsabilidades, assim como “fragilidades” e “desequilíbrios”. As palavras de Francisco se dirigem idealmente a todos os que se dedicam ao nascimento, acompanhamento e discernimento das vocações.
O Papa também os encorajou a sempre a ter em mente o “vínculo entre fé e vida” e nunca cair na “auto-referencialidade”.
Os 150 anos da “La Scuola Cattolica”
A revista teológica ‘La Scuola Cattolica’ foi fundada em 1872 por um grupo de sacerdotes da Lombardia. O Papa definiu a revista como “a vitrine de uma oficina, onde o artesão expõe seus trabalhos e se pode admirar sua criatividade”.
E justamente em virtude desta criatividade, ele ofereceu indicações precisas sobre o que a teologia deve dizer e representar para o mundo.
“Não uma teologia pré-confecionada, que se esgota em disputa acadêmica ou que olha para a humanidade de dentro de um castelo de vidro, mas um serviço à verdade que dá ‘sabor’ assim como ‘saber’.
O Papa falou através de imagens e metáforas, especialmente quando refletiu sobre os “chamados” à vocação”. Sobre isso, afirmou que não são “cogumelos que brotam de repente”, mas “potes de barro” moldados pelas mãos do Senhor através de acompanhadores e formadores.
Uma teologia com linguagem viva
Há três indicações do Papa no discurso. Antes de tudo, uma teologia com uma linguagem “sempre viva, dinâmica”, que não pode deixar de evoluir e deve tomar cuidado para se fazer entender.
De fato, há necessidade do trabalho daqueles que tentam interpretar a fé, traduzi-la e retraduzi-la, torná-la compreensível, expô-la com novas palavras.
Para o Papa, às vezes os sermões ou as catequeses que ouvimos são feitos em grande parte por moralismos, não “teológicos” o suficiente, ou seja, não são suficientemente capazes de nos falar de Deus.
O Sumo Pontífice afirmou que isso também se dá no sentido de responder às questões do sentido que acompanham a vida das pessoas, e que muitas vezes não temos a coragem de formular abertamente.
Como comunicar a fé hoje
Para Francisco, um dos maiores males do tempo atual é de fato a perda de sentido. E a teologia, hoje mais do que nunca, tem uma grande responsabilidade de estimular e orientar a busca, de iluminar o caminho.
O Papa incentivou a nos perguntarmos sempre como é possível comunicar as verdades da fé hoje. Isso levando em conta as mudanças linguísticas, sociais e culturais, utilizando com competência os meios de comunicação, sem jamais diluir, enfraquecer ou ‘virtualizar’ o conteúdo a ser transmitido.
Sacerdotes especialistas em humanidade
O Papa, portanto, pediu uma teologia capaz de formar especialistas em humanidade e proximidade. “A renovação e o futuro das vocações só é possível se houver sacerdotes, diáconos, pessoas consagradas e leigos bem formados”, afirmou.
E a formação é um processo que requer muita docilidade e confiança, porque cada pessoa é um imenso mistério e traz consigo sua própria história familiar, pessoal, humana e espiritual”.
O Santo Padre sublinha que sexualidade, afetividade e relacionalidade são dimensões da pessoa a serem consideradas e compreendidas, tanto pela Igreja como pela ciência, também em relação aos desafios e mudanças socioculturais.
Uma atitude aberta e um bom testemunho permitem ao educador ‘conhecer’ toda a personalidade da pessoa ‘chamada’, envolvendo sua inteligência, sentimentos, coração, sonhos e aspirações.
Diaconia da verdade
O Papa exortou ao discernimento sobre se uma pessoa pode ou não empreender o caminho vocacional. “Todo caminho deve ativar processos destinados a formar sacerdotes e consagrados maduros, especialistas em humanidade e proximidade, e não funcionários do sagrado”.
Um bom formador expressa seu serviço numa atitude que podemos chamar de “diaconia da verdade”, porque está em jogo a existência concreta das pessoas, que muitas vezes vivem sem certezas, explicou o Papa.
Para ele, isso muito vezes acontece sem orientações compartilhadas, sob o condicionamento constante de informações, notícias e mensagens que muitas vezes são contraditórias, que mudam a percepção da realidade, levando ao individualismo e ao indiferentismo.
Segundo o Papa, é preciso que sejam capazes de aprender a docilidade da sua obediência, a laboriosidade da sua dedicação, a generosidade com os pobres da sua sobriedade e disponibilidade, a paternidade do seu afeto casto e não possessivo.
“O mundo precisa de sacerdotes que possam comunicar a bondade do Senhor àqueles que experimentaram o pecado e o fracasso, sacerdotes especialistas em humanidade, pastores dispostos a compartilhar as alegrias e o trabalho de seus irmãos, homens que saibam ouvir o grito daqueles que sofrem.”
Atração por Cristo
É nesta perspectiva que a teologia se torna um serviço à evangelização, o que, frisou Francisco, “jamais é proselitismo, mas atração por Cristo”.
“Todos os homens e mulheres têm o direito de receber o Evangelho e os cristãos têm o dever de proclamá-lo sem excluir ninguém”. E todo o Povo de Deus “proclama o Evangelho porque, antes de tudo, é um povo a caminho de Deus.”
Neste caminho, é fundamental o diálogo com o mundo, as culturas e as religiões. “O diálogo é uma forma de acolhida, e a teologia que evangeliza é uma teologia que se alimenta do diálogo e da acolhida.” afirmou.
O hábito espiritual do teólogo
O Papa recordou que é sempre o Espírito Santo que impulsiona a missão da Igreja. Por isso, sublinhou que ‘o hábito’ do teólogo é o do homem espiritual, humilde de coração, aberto à infinita novidade do Espírito e próximo às feridas da humanidade pobre, descartada e sofrida.
Sem humildade, o Espírito foge, sem humildade não há compaixão, e uma teologia desprovida de compaixão e misericórdia é reduzida a um discurso estéril sobre Deus.
Para o Papa, talvez esse discurso seja belo, mas vazio, sem alma, incapaz de servir a sua vontade de encarnar, de se fazer presente, de falar ao coração.
“Bons teólogos, como bons pastores, têm cheiro do povo e da rua e, com sua reflexão, derramam óleo e vinho sobre as feridas de muitos”, disse o Papa.
O Pontífice concluiu com o desejo de “uma teologia viva, que dê ‘sabor’ além de ‘saber’. “Que seja a base de um diálogo eclesial sério, de um discernimento sinodal, a ser organizado e praticado nas comunidades locais, para um renascimento da fé nas transformações culturais de hoje”.