Em discurso às autoridades, Francisco pediu o fim da exploração do país e do continente africano; Pontífice encorajou congoleses a buscarem pela paz e a terem ânimo para recomeçar
Julia Beck
Da redação
O primeiro discurso do Papa Francisco na República Democrática do Congo aconteceu nesta terça-feira, 31. Ele foi realizado durante o encontro do Pontífice com o presidente da república, os membros do governo e do corpo diplomático, autoridades religiosas e civis, além de representantes da sociedade civil e do mundo da cultura.
Íntegra
.: Discurso do Papa às autoridades da República Democrática do Congo
O Pontífice iniciou sua fala elogiando a beleza natural do país e recordando a história não “tão rica”, e sim “atormentada pela guerra” da República Democrática do Congo.
“Venho até junto de vós, em nome de Jesus, como um peregrino de reconciliação e de paz. Muito desejei estar aqui e, finalmente, venho trazer-vos a solidariedade, o afeto e a consolação de toda a Igreja Católica.”
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Um povo que se assemelha a um diamante
Em seu discurso, o Santo Padre fez questão de destacar a imagem de um diamante, que simboliza a “luminosa beleza desta terra”. Francisco afirmou que o país que o recebe é verdadeiramente um diamante, mas o seu povo é infinitamente mais precioso.
“Estou aqui para vos abraçar e recordar que tendes um valor inestimável, que a Igreja e o Papa têm confiança em vós, acreditam no vosso futuro, num futuro que esteja nas vossas mãos e no qual mereceis poder investir os vossos dotes de inteligência, sagacidade e laboriosidade”.
Coragem é o que pediu o Papa aos congoleses. O Pontífice encorajou todo o povo do Congo a retomar nas mãos, como um diamante puríssimo, aquilo que são.
“Prezados amigos, os diamantes, habitualmente raros, aqui abundam. Se isto vale para as riquezas materiais escondidas no subsolo, com maior razão vale para as riquezas espirituais encerradas nos corações. E é precisamente a partir dos corações que a paz e o desenvolvimento continuam a ser possíveis, porque, com a ajuda de Deus, os seres humanos são capazes de justiça e perdão, de concórdia e reconciliação, de compromisso e perseverança em pôr a render os talentos recebidos”, disse.
Fazer a sua parte
O pedido do Papa para este início de viagem é para que cada congolês se sinta chamado a fazer a sua parte.
“Que a violência e o ódio não tenham mais lugar no coração e nos lábios de ninguém, porque são sentimentos anti-humanos e anticristãos, que paralisam o desenvolvimento e fazem retroceder para um passado sombrio”, alertou.
“Tirem as mãos da República Democrática do Congo, tirem as mãos da África!”
De acordo com Francisco, é trágico que o continente africano em geral padeça ainda de várias formas de exploração. “Largamente saqueado, este país não consegue beneficiar suficientemente dos seus recursos imensos: chegou-se ao paradoxo de os frutos da sua terra o tornarem “estrangeiro” para os próprios habitantes”.
O veneno da ganância tornou os seus diamantes ensanguentados, comentou o Papa. “É um drama face ao qual, muitas vezes, o mundo economicamente mais desenvolvido fecha os olhos, os ouvidos e a boca”, criticou.
A República Democrática do Congo e o continente africano merecem ser respeitados e ouvidos, merecem espaço e atenção, sublinhou o Pontífice, que afirmou: “Tirem as mãos da República Democrática do Congo, tirem as mãos da África! Basta com este sufocar a África: não é uma mina para explorar, nem uma terra para saquear. Que a África seja protagonista do seu destino!”.
“Que a África, sorriso e esperança do mundo, conte mais: fale-se mais sobre ela, tenha mais peso e representatividade entre as Nações!”.
Diplomacia a favor do homem
O Santo Padre exortou o mundo a uma diplomacia do homem a favor do homem, dos povos a favor dos povos, onde estejam no centro, não o controle das áreas e recursos, nem as ambições de expansão e o aumento dos lucros, mas as oportunidades de crescimento das pessoas.
“Olhando para este povo, fica-se com a impressão de que a Comunidade Internacional se tenha quase resignado com a violência que o devora. Não podemos habituar-nos ao sangue que, há décadas, corre neste país ceifando milhões de vidas, sem que muitos o saibam. Seja conhecido tudo o que acontece aqui”, denunciou. O Papa também encorajou os processos de paz em curso.
Contra a corrupção e a favor da educação
Na sociedade, muitas vezes o que obscurece a luz do bem são as trevas da injustiça e da corrupção, alertou o Pontífice. “É preciso não se cansar de promover, em cada setor, o direito e a equidade contrastando a impunidade e a manipulação das leis e da informação”.
O Papa defendeu também que a educação é fundamental: “é o caminho para o futuro, o caminho a percorrer para se alcançar a plena liberdade deste país e do continente africano”.
Segundo o Santo Padre, é urgente investir na educação para preparar sociedades que só serão consolidadas se bem instruídas, só serão autônomas se plenamente conscientes das suas potencialidades e capazes de as desenvolver com responsabilidade e perseverança.
Francisco comentou que há muitas crianças que não vão à escola e são exploradas. “Muitas morrem, sujeitas a trabalhos escravizadores nas minas. Não se poupem esforços para denunciar o flagelo do trabalho infantil e acabar com ele. Quantas adolescentes são marginalizadas e violadas na sua dignidade! As crianças, as donzelas, os jovens são a esperança: não permitamos que seja extinta, mas cultivemo-la com paixão!”.
Recomeço
Por fim, o Pontífice pediu a salvaguarda da criação, a proteção do meio ambiente e o fim de ataques violentos. O Papa pediu então que Cristo, que é o Deus da esperança, o Deus de todas as possibilidades, dê a força que o país precisa para recomeçar com dignidade.
“Estou unido a vós e, com a oração e a proximidade, acompanho todos os esforços por um futuro pacífico, harmonioso e próspero deste grande país. Deus abençoe toda a nação congolesa!”, concluiu.