O perdão é o único caminho para ver realizado o milagre da reconciliação nas comunidades e na Igreja, destacou Francisco
Vatican News
O Papa Francisco encontrou nesta quinta-feira, 7, o clero da sua diocese para a tradicional liturgia penitencial de início da Quaresma, na Basílica de São João de Latrão – sede da Diocese de Roma.
Após a meditação do vigário do Papa para a Diocese de Roma, Cardeal Angelo De Donatis, Francisco atendeu a confissão de alguns sacerdotes e concluiu a celebração oferecendo aos presbíteros um subsídio para as leituras deste tempo litúrgico.
Em seu discurso, pronunciado em grande parte espontaneamente – isto é, sem um texto previamente preparado –, o Pontífice refletiu sobre o sentido da Quaresma, sobre a força do perdão que restabelece a comunhão em todos os níveis e sobre a graça da misericórdia de Deus, em que a Igreja vive e se alimenta, mas logo advertiu:
“Jamais devemos deixar de estar alerta para a tentação da autossuficiência e da autossatisfação, quase como se fôssemos Povo de Deus por nossa iniciativa ou por mérito nosso, esse reflexo sobre nós mesmos é muito feio e sempre nos fará mal, quer a autossuficiência no fazer, quer o pecado do espelho, a autossatisfação: “Que bonito que sou, como sou bravo…””
Aprender a colocar Deus no centro de tudo, reconhecer que não somos seu povo por iniciativa nossa ou por méritos pessoais, mas por graça, porque Ele nos disse “sem mim nada podeis fazer”. Usar aquela “santa passividade” que não tem nada a ver com a preguiça, mas é abandono à vontade de Deus: essas foram as reflexões que o Papa ofereceu aos bispos, sacerdotes e diáconos reunidos em São João de Latrão.
Saber viver a desolação espiritual
Refletindo sobre o Livro do Êxodo, proposto como paradigma nestes 7 anos de caminho rumo ao Jubileu de 2025, Francisco lançou o olhar sobre a grande obra do Senhor que transforma um “não-povo” em Povo de Deus: uma obra paciente de reconciliação, assim a define, uma pedagogia sapiente em que Ele ameaça e consola, faz tomar consciência das consequências do mal praticado e decide esquecer o pecado.
Em seguida, convidou a não ter medo dos momentos de desolação espiritual, como tais momentos vividos por Israel, aliás, convidou a viver essa ausência temporânea de Deus como um dom, rejeitando, porém, os caminhos alternativos e os ídolos.
“Mas o Senhor é esperto! A reconciliação que Ele quer oferecer ao povo será uma lição que os Israelitas se recordarão para sempre. Deus se comporta como um amante rejeitado: ‘se não me queres, então vou embora!’ E nos deixa sozinhos. É verdade, podemos conseguir sozinhos, um tempo, seis meses, um ano, dois anos, três anos, até mais. Num certo ponto isto aparece. Se caminhamos sozinhos, aparece esta autossuficiência, essa autossatisfação da solidão”.
Nova maturidade
O Papa evocou o exemplo de um sacerdote que conheceu, bravo, brilhante, muitas vezes chamado pelos superiores para resolver os problemas das comunidades paroquiais, que era, porém, “devoto do santo espelho” até quando Deus não lhe deu a graça de viver a desolação e de entender o tempo que tinha perdido com a autossatisfação, permanecendo sozinho. Aquele sacerdote – contou o Pontífice – chorou e depois recomeçou novamente com humildade.
Daí, exortou o clero de Roma à graça das lágrimas e a experimentar aquela “tristeza boa” de quando Deus ameaça a sua ausência para depois fazer-nos novamente o dom da sua presença e evidenciou os desdobramentos positivos de toda experiência dolorosa. Israel, como descrito no Livro do Êxodo, adquiriu uma maturidade nova, é mais lúcido também na compreensão dos verdadeiros perigos do caminho:
“Isto é bom: ter um pouco de medo de nós mesmos, da nossa onipotência, das nossas espertezas, dos nossos escondimentos, do nosso jogo duplo. Se possível, ter mais medo disso do que das serpentes, porque isso é um verdadeiro veneno… E o povo, assim, foi mais unido em torno a Moisés e à Palavra de Deus que ele anunciava. A experiência do pecado e do perdão de Deus foi o que permitiu a Israel tornar-se um pouco mais o Povo que pertence a Deus”.
Evitar maquiar a alma
Francisco também refletiu sobre a experiência da confissão do pecado que muitas vezes escondemos não só a Deus, mas também ao sacerdote e até a nós mesmos.
“A cosmética avançou muito nisso: somos especialistas em maquiar as situações … “Sim, mas não é por muito tempo, se entende …”. E um pouco de água para se lavar dos cosméticos faz bem a todos, para ver que não somos tão bonitos: somos feios, feios também nas nossas coisas. Mas sem desesperar, não? porque existe Deus clemente e misericordioso”.
O pecado desfigura
Então, o Papa convidou os padres e os bispos a pregarem neste tempo quaresmal o amor apaixonado e ciumento que Deus tem por seu povo, mas também a terem consciência de seu papel na Igreja: o de realizar um serviço generoso à obra de reconciliação de Deus. Exortou-os ao diálogo franco com Cristo, como homens e não pusilânimes. Pediu que eles não se considerem administradores do povo, mas servos que não aceitam a corrupção. Um todo com os irmãos, com a comunidade, prontos a lutar pelo povo. Então denunciou a atitude daqueles padres que falam mal aos bispos de seu próprio povo e todos aqueles males dolorosos que sujam a imagem da Igreja.
“O pecado nos desfigura, e fazemos dolorosamente a humilhante experiência quando nós mesmos, ou um de nossos irmãos sacerdotes ou bispos, cai no abismo sem fundo do vício, da corrupção ou, pior ainda, do crime que destrói a vida dos outros”.
O escândalo dos abusos
E nesta ótica, Francisco não deixou de mencionar, mesmo com dor e amargura, o grave pecado dos abusos cometidos por membros do clero. “Sinto em compartilhar com vocês a dor e o sofrimento insuportáveis – continuou o Papa – que causam em nós e em todo o corpo eclesial a onda de escândalos dos quais os jornais de todo o mundo estão cheios”.
“É evidente que o verdadeiro significado do que está ocorrendo devemos buscar no espírito do mal, no Inimigo, que age com a pretensão de ser o dono do mundo, como eu disse na liturgia eucarística no final do encontro sobre a proteção dos menores na Igreja. Mesmo assim, não devemos desanimar! O Senhor está purificando sua Esposa e está nos convertendo todos a Ele. Ele está nos fazendo experimentar a prova para que entendamos que sem Ele somos pó. Está nos salvando da hipocrisia, da espiritualidade das aparências”.
Arrependimento, o início da santidade
Deus – acrescentou o Papa -, sopra seu Espírito para restaurar a beleza de Sua Esposa, mas o arrependimento é fundamental, ou melhor, é o início da nossa santidade. Por isso, pediu aos sacerdotes de Roma para não terem medo de dedicar suas vidas ao serviço da reconciliação entre Deus e os homens, embora a vida de um sacerdote possa ser muitas vezes marcada por mal-entendidos, sofrimentos e às vezes perseguições e pecados.
“As lacerações entre irmãos de nossa comunidade, a não acolhida da Palavra evangélica, o desprezo pelos pobres, o ressentimento alimentado pelas reconciliações nunca acontecidas, o escândalo causado pelos comportamentos vergonhosos de alguns confrades, tudo isso pode tirar nosso sono e nos deixar impotentes. Em vez disso, acreditemos na paciente guia de Deus, que faz as coisas a seu tempo, ampliemos nossos corações e nos coloquemos a serviço da Palavra de reconciliação”.
Quaresma de caridade
Francisco concluiu convidando os membros do clero romano a pedirem perdão a Deus e aos irmãos de todo pecado que minou a comunhão eclesial e sufocou o dinamismo missionário: “são vocês os primeiros a pedir perdão”, disse o Pontífice, enquanto relança o apoio à Campanha da Caritas diocesana “Como no céu, assim na terra” para viver uma Quaresma de caridade e responder a todas as formas de pobreza, acolhendo e apoiando os necessitados.