Segundo discurso de Francisco em Budapeste foi dirigido aos 50 representantes do Conselho Ecumênico das Igrejas e algumas comunidades judaicas
Da redação, com Vatican News
“Devemos empenhar-nos em promover juntos uma educação para a fraternidade, a fim de que não prevaleçam os surtos de ódio que a querem destruir (…). O eco das nossas vozes só pode ser o daquela Palavra que o Céu nos deu: eco de esperança e de paz”.
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O segundo discurso do Papa Francisco em terras húngaras foi dirigido aos 50 representantes do Conselho Ecumênico das Igrejas e algumas comunidades judaicas. Eles se reuniram no Museu das Belas Artes de Budapeste. Antes de se pronunciar, o Santo Padre foi saudado por um representante da comunidade cristã, um calvinista e por um representante das comunidades judaicas, o rabino Zoltan Radnoti rabino de Buda Sul.
Derrubar os muros de separação do passado
E foi a Ponte das Correntes, que une Buda e Pest a inspirar as palavras do Santo Padre. Francisco falou dos esforços pela unidade, fraternidade e tolerância.
Ao iniciar, o Santo Padre dirigiu seu pensamento à Abadia de Pannonhalma. O local é um “centro espiritual palpitante” do país. Há três meses, as diferentes Igrejas se encontraram na Abadia. A intenção é refletir, rezar “uns pelos outros, e trabalhar unidos na caridade, uns com os outros, por este mundo que Deus tanto ama. Tal é o caminho mais concreto para a plena unidade”.
O Papa também disse apreciar o esforço dos irmãos na fé de Abraão em “derrubar os muros de separação do passado”: “Vós, judeus e cristãos, quereis ver no outro, já não um estranho mas um amigo, já não um adversário mas um irmão”. Tal atitude, frisou o Pontífice, é uma a mudança de perspectiva abençoada por Deus. “A conversão que abre novos começos, a purificação que renova a vida”.
Deus tem um projeto de paz
O Pontífice afirmou que Deus sempre abre novos caminhos e deseja conduzir homens e mulheres “dos desertos áridos da aversão e da indiferença para a ansiada pátria da comunhão”:
“Quem segue a Deus é chamado a deixar. A nós, é pedido que deixemos as incompreensões do passado, as pretensões de nós termos razão e os outros estarem errados, para nos pormos a caminho rumo à sua promessa de paz, porque Deus sempre tem projetos de paz, nunca de desventura”.
O Papa então se refere à Ponte das Correntes, que liga as duas partes desta cidade. “Não as funde numa só, mas mantém-nas unidas. Assim devem ser os laços entre nós”.
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Sempre que houve a tentação de absorver o outro, em vez de construir, destruiu-se, comentou o Santo Padre. Segundo o Pontífice, o mesmo se verificou quando se quis colocá-lo num gueto, em vez de o integrar.
“Quantas vezes aconteceu isto na história! Devemos estar vigilantes, devemos rezar para que não volte a suceder. Devemos empenhar-nos em promover juntos uma educação para a fraternidade, a fim de que não prevaleçam os surtos de ódio que a querem destruir. Penso na ameaça do antissemitismo, que ainda serpeja na Europa e não só; é uma fagulha que deve ser apagada. Entretanto a melhor forma de a neutralizar é trabalhar positivamente juntos, é promover a fraternidade”.
Outra lição que dada pela Ponte, acrescentou Francisco, é que ela é sustentada por grandes correntes, formadas por muitos elos. “Estes elos somos nós, e cada um é fundamental; por isso, já não podemos viver na suspeita e na ignorância, distantes e discordes”.
Mensagens de abertura e de paz e não palavras que dividem
Uma ponte que une duas partes também recorda a aliança, sublinhou o Papa. A aliança, prosseguiu, é um conceito fundamental na Escritura.
“O Deus da aliança pede-nos para não cedermos às lógicas do isolamento e dos interesses de parte. Não deseja alianças feitas com alguém em detrimento dos outros, mas pessoas e comunidades que sejam pontes de comunhão com todos”.
Aos que representam as religiões maioritárias na Hungria, o Pontífice afirmou que devem fomentar as condições para que a liberdade religiosa seja respeitada e promovida para todos.
Estes religiosos, pontuou o Santo Padre, têm uma função exemplar para todos. “Ninguém possa dizer que, dos lábios dos homens de Deus, saem palavras que dividem, mas apenas mensagens de abertura e de paz. Num mundo dilacerado por tantos conflitos, este é o melhor testemunho que deve oferecer quem recebeu a graça de conhecer o Deus da aliança e da paz”.
Aquela que, não só é a mais conhecida, mas a mais antiga de Budapeste, a Ponte das Correntes é um convite para recordar o passado. “Aqui encontraremos sofrimentos e sombras, incompreensões e perseguições, mas, se formos às raízes, descobriremos um patrimônio espiritual comum ainda maior. Este é o tesouro que nos permite construir juntos um futuro diferente”, disse o Papa.
Eco de paz e de esperança
“Penso também em tantas figuras de amigos de Deus que irradiaram a sua luz nas noites do mundo”, recordou o Pontífice. O Papa citou, entre outros, um grande poeta do país, Miklós Radnóti, cuja brilhante carreira foi truncada pelo ódio cego de quem, só por ele ser de origem judaica, primeiro impediu-o de lecionar e depois arrebatou-o à sua família.
O poeta, encerrado em um campo de concentração, continuou a escrever poesia até à morte. A sua obra Notas de Bor, frisou o Santo Padre, é a única coleção poética que sobreviveu à Shoah: testemunha a força de acreditar no calor do amor no meio do gélido campo de concentração e iluminar as trevas do ódio com a luz da fé.
Sufocado pelas correntes que lhe comprimiam a alma, o autor, segundo Francisco, encontrou, em uma liberdade superior, a coragem de escrever: “Prisioneiro, tirei as medidas a cada esperança”. E fez uma pergunta, válida para hoje: “E tu, como vives? A tua voz encontra eco nestes tempos?” (Notas de Bor, Primeira écloga).
Nesse sentido, observou o Santo Padre, “o eco das nossas vozes só pode ser o daquela Palavra que o Céu nos deu: eco de esperança e de paz. E mesmo que não sejamos ouvidos ou acabemos por ser mal compreendidos, nunca reneguemos com os fatos a Revelação de que somos testemunhas”.
Somente radicados em profundidade se chega ao alto
Ademais, o Papa afirmou que todos são chamados a tornarem-se raízes. Com frequência, “buscamos os frutos, os resultados, a afirmação”, mas nossos caminhos de fé são sementes, disse.
“Sementes que se transformam em raízes subterrâneas, raízes que alimentam a memória e fazem germinar o futuro. É isto que nos pede o Deus de nossos pais. Só radicados em profundidade é que se chega alto. Enraizados na escuta do Altíssimo e dos outros, ajudaremos os nossos contemporâneos a acolher-se e amar-se. Só se formos raízes de paz e rebentos de unidade é que seremos críveis aos olhos do mundo, que nos olha com a nostalgia de ver desabrochar a esperança. Obrigado e bom caminho juntos, obrigado! Desculpem-me que falo sentado, mas não tenho 15 anos. Obrigado!”.