Francisco respondeu a dez perguntas feitas pelo grupo, alertando, uma vez mais, sobre o risco de perder o cheiro das ovelhas
Da Redação, Vatican News
O estilo compassivo dos padres, a direção espiritual, o uso das novas tecnologias, o diálogo entre ciência e fé e o papel da Igreja nas guerras. Estes foram alguns temas abordados pelo Papa Francisco em encontro com seminaristas e padres que estudam em Roma. O encontro realizado na segunda-feira, 24, teve a dinâmica de um longo diálogo, no qual foram feitas dez perguntas ao Pontífice.
O bom sacerdote e o estilo de Deus
A uma pergunta feita sobre a concretude da misericórdia, o Papa respondeu que é necessário aprender a linguagem dos gestos que expressam proximidade e ternura.
“E isto também se aplica nas homilias, deixar que a expressão seja total. Se você não é humano com gestos, a mente também endurece, e no sermão você dirá coisas abstratas que ninguém entende, e alguém será tentado a sair para fumar um cigarro.”
Francisco falou de três linguagens que revelam a maturidade de uma pessoa: a linguagem da cabeça, a linguagem do coração e a linguagem das mãos. Ele também encorajou a aprender a se expressar nestas três linguagens: “Pensar o que sinto e faço; sentir o que penso e faço; fazer o que sinto e penso”. E continuou: “E também é preciso assumir o estilo de Deus, que é a proximidade. Deus se tornou próximo na encarnação de Cristo. Ele está perto de nós”.
“Um bom sacerdote é próximo, compassivo e terno”, esclareceu Francisco, reiterando novamente que o estilo de Deus “é sempre proximidade, compaixão e ternura. E você está próximo com paixão e ternura”.
Manter o contato com o povo de Deus
Aos que lhe perguntavam como viver o sacerdócio sem perder aquele cheiro de ovelhas que deve ser próprio do ministério sacerdotal, Francisco trouxe uma resposta:
“Mesmo que se esteja empenhado nos estudos ou em trabalhos na Cúria, é importante manter contato com o povo, com o povo fiel de Deus, porque há a unção do povo de Deus: são as ovelhas.”
O Pontífice explica que perdendo o cheiro das ovelhas, ao se distanciar delas, pode-se tornar um teórico, um bom teólogo, um bom filósofo, um bom curial que sabe fazer todas as coisas, mas se perde a capacidade de sentir o cheiro das ovelhas.
“Pelo contrário, sua alma perdeu a capacidade de se deixar despertar pelo cheiro das ovelhas”, observou o Papa, que recomendou manter experiências pastorais: “em uma paróquia, em um lar de crianças e jovens ou idosos: seja o que for”, para que o contato com o povo de Deus não se perca.
Francisco novamente reiterou o que ele chama de princípio das quatro proximidades dos sacerdotes: proximidade com Deus – oração -, proximidade com o bispo, proximidade com outros sacerdotes e proximidade com o povo de Deus. “Se não há proximidade com o povo de Deus, você não é um bom sacerdote.”
Sacerdócio não é comodismo nem carreirismo
O Papa falou, então, de sacerdotes que vivem o sacerdócio como se fosse um trabalho, com horários estabelecidos. Seriam sacerdotes funcionários, que buscam tranquilidade – não perturbar o padre, o padre está ocupado – e uma vida cômoda, ou seja, comodismo.
“O sacerdócio é um serviço sagrado a Deus”, explicou Francisco, “o serviço do qual a Eucaristia é o mais alto grau, é um serviço à comunidade”.
Em seguida, ele abordou o tema dos “padres arrivistas”, aqueles que visam fazer carreira, convidando-os a parar com isso. “O arrivista é, em última análise, um traidor, não é um servidor. Ele busca o que lhe interessa e não faz nada pelos outros”.
Em seguida, ele contou uma história de sua própria avó, migrante italiana na Argentina – como tantos outros italianos que se mudaram para as Américas para construir casa e família – que gostava de dar ensinamentos simples, como a “catequese normal”.
“Nossa avó costumava nos ensinar: ‘Na vida vocês devem progredir’, isto é, conseguir logo tijolos, a terra, a casa, progredir, ou seja, ter uma posição, uma família, e ela nos ensinava isto.”
E continuou dizendo que ela alertava sobre o cuidado para não confundir progredir com arrivismo: “Porque o arrivista é alguém que sobe, sobe, e quando está no alto mostra aquilo … a avó costumava dizer a palavra!”
E o Pontífice continuou dizendo sobre o que falava a sua avó: “A única coisa que os arrivistas fazem é o ridículo, eles são ridículos”.
Francisco ressaltou que, para um padre, por outro lado, o importante é a comunhão, a participação e a missão, servir aos outros. “O perigo de buscar o próprio prazer e a própria tranquilidade é o perigo de arrivismo, e infelizmente, na vida, há muitos carreiristas”.
O acompanhamento espiritual
No longo e aberto diálogo realizado na Sala Paulo VI, Francisco também enfatizou a importância da direção espiritual – confiando, porém, que ele preferia o termo “acompanhamento espiritual” – que não é obrigatório, mas ajuda no caminho da vida.
O Papa explicou que é bom confiá-lo a uma pessoa que não seja o confessor. Sublinhou que o importante é que se trate de dois papéis distintos.
“Você vai ao confessor para que ele lhe perdoe seus pecados e você vai se preparar para os pecados. Você vai ao diretor espiritual para contar-lhe as coisas que estão acontecendo em seu coração, as emoções espirituais, as alegrias, as raivas e o que está acontecendo dentro de você”.
O Pontífice explicou que relacionando-se “somente com o confessor e não com o diretor espiritual” não se cresce, “não vai dar certo”. Se se relaciona “somente com um diretor espiritual, um companheiro” e não vai confessar seus pecados “também não dá certo”.
Para o Papa, esses “são dois papéis diferentes”. Em seguida, esclareceu que a direção espiritual não é um carisma clerical, um carisma sacerdotal, mas um carisma batismal. “Os sacerdotes que fazem a direção espiritual têm o carisma não porque são sacerdotes”, mas “porque são batizados”.
“A pessoa que não é acompanhada na vida”, continuou Francisco, “gera ‘mofos’ na alma, os mofos mais tarde o molestam”. Doenças, solidão triste, tantas coisas ruins”.
O santo padre explicou que, ao invés disso, é importante estar acompanhado, reconhecer que há necessidade de estar acompanhado, “esclarecer as coisas”, reconhecer que há necessidade de alguém que ajude a compreender as próprias emoções espirituais.
“O que o Senhor quer com isto, onde está a tentação. Encontrei alguns estudantes de teologia que não sabiam distinguir uma graça de uma tentação”, relatou o Pontífice.
O Santo Padre também lembrou que o acompanhamento espiritual pode ser feito por um padre, um bispo, mas também por uma religiosa ou mesmo um leigo ou uma leiga desde que seja uma pessoa sensata.
O diálogo entre ciência e fé
Partindo de uma pergunta sobre o diálogo entre ciência e fé, o Papa convidou antes de tudo a estar aberto às questões dos estudiosos e às ansiedades das pessoas ou dos estudantes universitários, a escutar e a manter sempre uma atitude positiva, aberta e humilde.
“Ser humilde, ter fé não é ter a resposta para tudo. Esse método de defesa da fé não funciona mais, é um método anacrônico. Ter fé, ter a graça de acreditar em Jesus Cristo é estar a caminho”.
Francisco disse que é isso que o outro deve entender, que quando se está a caminho, que não há todas as respostas para todas as perguntas. Voltando ao passado, Francisco recordou que houve uma época que estava na moda “uma teologia de defesa e havia livros com perguntas para defender”.
“Quando eu era menino, esse era o método de se defender”, disse, “são respostas, algumas boas, outras limitadas, mas não são boas para o diálogo. Como se dar uma resposta decretasse uma vitória. Não, não é assim”, enfatizou.
O Pontífice também recomendou manter sempre aberto o diálogo com a ciência, para ele, mesmo não tendo respostas, é preciso direcionar a pessoa a quem você não soube responder para alguém que possa oferecer mais esclarecimentos. “Diálogo é dizer isso eu não sei explicar, mas você deve ir a estes cientistas, a estas pessoas que talvez o ajudarão”.
Por outro lado, devemos “fugir da contraposição religião e ciência”, insistiu o Papa, “porque este é um espírito ruim, não é o verdadeiro espírito do progresso humano. O progresso humano fará a ciência avançar e também preservará a fé”.
A vida, caminhar entre muitas dificuldades, cair e levantar
Respondendo a outra pergunta, o Pontífice descreveu a vida como “um desequilíbrio contínuo”, porque é caminhar entre muitas dificuldades, caindo e se levantando.
O Papa encorajou a não ter medo e a fazer um discernimento neste desequilíbrio diário, porque “no desequilíbrio há as moções de Deus que convidam a algo, ao desejo de fazer o bem”.
“Saber viver no desequilíbrio leva a um equilíbrio diferente, um ‘equilíbrio dinâmico’ governado por Deus”, salientou Francisco, que também se deteve sobre esses conceitos falando de discernimento correto. O Papa afirmou que o discernimento é sempre “desequilibrado”, esclarecendo que “o discernimento correto é procurar como este desequilíbrio encontra o caminho de Deus – não encontra ‘equilíbrio”.
“Talvez, o desequilíbrio seja resolvido em um plano superior, não no mesmo plano. E esta é uma graça de oração, uma graça da experiência espiritual. É a busca de fazer a vontade de Deus, que leva a resolver o desequilíbrio, mas em outro nível.”
Na prática, o Papa acrescentou, “o desequilíbrio entra em oração, entra no caminho do Espírito Santo” que “leva a uma nova situação harmoniosa”.
Depois, o Pontífice reiterou a importância da formação dos seminaristas, especialmente a espiritual, e recomendou a vida comunitária. “Aprendendo a viver em comunidade e a não cair depois em críticas uns aos outros, nos partidos dentro do presbitério”.
Os perigos da Internet
Durante o encontro com os sacerdotes e os seminaristas que estudam na capital, o Papa também falou sobre sua relação com a tecnologia e seu desconforto com as modernas ferramentas digitais.
Ele contou que logo que foi ordenado bispo na Argentina recebeu de presente um telefone celular, e que usou para uma única chamada telefônica para sua irmã e imediatamente devolveu. “Não é o meu mundo, mas vocês devem usá-lo”, disse ele aos presentes, “embora com prudência.”
Francisco enfatizou os perigos da internet, como a pornografia digital, que infelizmente é uma tentação para muitos, incluindo os religiosos. “É algo que enfraquece a alma. O diabo entra por ali: enfraquece o coração sacerdotal”.
A Igreja diante da guerra
Respondendo a um sacerdote ucraniano, o Papa disse que a Igreja, como uma mãe, sofre diante das guerras “porque as guerras são a destruição dos filhos”.
“Deve sofrer, chorar, rezar. Deve ajudar as pessoas que foram atingidas, que perderam suas casas ou ficaram feridas pela guerra, mortes… A Igreja é mãe, e o papel antes de tudo é a proximidade com as pessoas que sofrem”.
Então Francisco acrescentou que a Igreja “é também uma mãe criativa da paz: ela tenta fazer a paz em certos momentos… Neste caso, não está sendo muito fácil”.
Mas a Igreja tem um coração aberto, afirmou o Pontífice. Falando do papel dos cristãos, acrescentou: “É verdade que existe a própria pátria e isto é verdade, devemos defendê-la”, observou o Papa, “mas ir além, muito além disto: um amor mais universal”.