Em seu novo livro entrevista, o Papa Francisco discute seu relacionamento com seu predecessor, Bento XVI, e afirma: ‘Ele sempre me defendeu e nunca interferiu’
Da redação, com Vatican News
“Bento era um homem de grande gentileza. Em alguns casos, as pessoas se aproveitavam dele, talvez sem maldade, e limitavam seus movimentos. Não era fraco, era forte. Mas humilde e preferia não se impor. Então, sofreu muito.”
É assim que o Papa Francisco recorda o seu antecessor, o Papa Bento XVI, num novo livro de entrevistas com o jornalista Javier Martínez-Brocal (“The Successor”, O Sucessor, em tradução livre), que será lançado nesta quarta-feira, 3.
“Ele me deixou crescer”, explica o Pontífice, “foi paciente. E se não concordava com algo, pensava três ou quatro vezes antes de me dizer. Deixou-me crescer e deu-me liberdade para tomar decisões”.
Relacionamento com Bento
Francisco recorda sua relação com o Papa emérito ao longo de quase dez anos de coabitação no Vaticano: “Deixou-me livre, nunca interferiu. E de uma forma muito natural, em certa ocasião me disse: ‘Olha, não entendo isso, mas a decisão está em suas mãos’. Expliquei-lhe as razões e ele ficou feliz”.
No livro, Francisco diz ainda que o seu antecessor nunca se opôs a nenhuma de suas decisões: “Nunca me retirou seu apoio. Talvez houvesse algo com que não concordasse, mas nunca o disse”.
O adeus
Francisco recorda também as circunstâncias da despedida de Bento XVI, que se deu numa quarta-feira, 28 de setembro de 2022, quando o viu pela última vez.
“Bento estava deitado na cama. Ainda estava consciente, mas não conseguia falar. Olhou para mim, apertou minha mão, entendeu o que eu estava dizendo, mas não conseguiu articular uma palavra. Fiquei com ele assim por um tempo, olhando-o e segurando sua mão. Lembro-me de seus olhos claros. Disse-lhe algumas palavras carinhosas e o abençoei. Foi assim que nos despedimos.”
No que diz respeito à continuidade entre os pontificados, o Papa observa que “o que vejo nos últimos Papas é que cada sucessor sempre foi marcado pela continuidade, continuidade e diferença”, porque “na continuidade, cada um trouxe o seu próprio carisma pessoal. Há sempre continuidade e não ruptura”.
Defesa
Papa Francisco também relata ainda um caso específico em que foi defendido por Bento XVI.
Francisco também contou no livro, escrito em espanhol, um caso específico em que foi defendido por Bento XVI. “Tive uma conversa muito agradável com ele quando alguns cardeais foram ao seu encontro, surpresos com as minhas palavras sobre o matrimônio, e ele foi muito claro com eles. Um dia foram à casa dele para praticamente me julgar e me acusaram na frente dele de promover o matrimônio homossexual. Bento não ficou chateado porque sabia perfeitamente o que eu pensava. Ele ouviu todos eles, um por um, acalmou-os e explicou tudo a eles. Certa vez, eu disse que, como o matrimônio é um sacramento, não pode ser administrado a casais homossexuais, mas de alguma forma era necessário dar alguma garantia ou proteção civil à situação dessas pessoas. Eu disse que na França existe a fórmula das ‘uniões civis’, que à primeira vista pode ser uma boa opção, porque não se limita ao matrimônio. Por exemplo”, pensava, “podem ser acolhidos três idosos aposentados que precisam compartilhar serviços de saúde, de herança, moradia etc. Eu quis dizer que essa parecia ser uma solução interessante. Alguns foram dizer a Bento que eu estava falando heresia. Ele os ouviu e, com muita altivez, ajudou-os a distinguir as coisas… Ele lhes disse: ‘isso não é heresia’. Como me defendeu! Ele sempre me defendeu”.
Inverdades
No livro, Francisco também responde a uma pergunta do jornalista sobre os livros publicados à época da morte do Papa Bento XVI. Francisco responde: “Eles me causaram muita dor: no dia do funeral foi publicado um livro que me chateou, dizendo coisas que não eram verdadeiras, tudo muito triste. Machucou-me que Bento XVI tenha sido usado. O livro foi publicado no dia do funeral e tomei aquilo como uma falta de nobreza e humanidade”.
Por fim, o Papa revela a Javier Martínez-Brocal que ordenou uma revisão dos funerais papais, explicando que a vigília fúnebre de Bento XVI será a última com o corpo do Papa fora do caixão e o catafalco com almofadas. Os papas “deveriam ser vigiados e enterrados como qualquer outro filho da Igreja. Com dignidade, como qualquer cristão”.