Francisco recebeu nesta sexta-feira, 15, no Vaticano, líderes e representantes do Direito Penal participantes de Congresso Internacional
Da redação, com Vatican News
Na manhã desta sexta-feira, 15, no Vaticano, o Papa Francisco recebeu na Sala Régia cerca de 600 participantes do Congresso Internacional de Direito Penal. Em seu discurso, o Santo Padre expressou seu apreço e reconhecimento pelo serviço que a Associação presta à sociedade e ao desenvolvimento de uma justiça, que respeita a dignidade e os direitos da pessoa humana. A este propósito, Francisco fez uma reflexão sobre as questões que interpelam a Igreja na sua missão de evangelização e serviço à justiça e à paz.
Por várias décadas, disse Francisco, o Direito Penal incorporou diversos conhecimentos sobre algumas problemáticas relacionadas ao exercício da função sancionadora. No entanto, apesar da sua abertura epistemológica, o Direito Penal não conseguiu se livrar das ameaças que pairam sobre as democracias e a plena vigência do Estado de Direito, alertou o Papa. Por outro lado, o Direito Penal, muitas vezes, descuida dos dados da realidade, que assume a aparência de um conhecimento meramente especulativo, completou.
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O contexto atual, disse o Pontífice, destaca dois aspectos relevantes: a “idolatria do mercado” e os “riscos do idealismo penal”: “A pessoa frágil e vulnerável encontra-se indefesa diante dos interesses do mercado divinizado, que se tornaram regra absoluta. Hoje, alguns setores econômicos têm mais poder que os próprios Estados. Esta realidade torna-se mais evidente em tempos de globalização do capital especulativo”.
O princípio de maximização do lucro, isolado de qualquer outra consideração, disse o Papa, leva a um modelo de exclusão, que ataca, de modo violento, os que sofrem pelos seus custos sociais e econômicos, enquanto as gerações futuras são condenadas a pagar os custos ambientais. E ponderou: “A primeira coisa que os juristas deveriam fazer, hoje, é se perguntar, com seus conhecimentos, como combater esse fenômeno, que coloca em risco as instituições democráticas e o próprio desenvolvimento da humanidade”.
O desafio atual para os advogados criminais, afirmou o Santo Padre, é conter a irracionalidade punitiva, que se manifesta: com a prisão de massa, a aglomeração e tortura nas prisões, arbitrariedade e abusos das forças de segurança, expansão no âmbito da pena, a criminalização dos protestos sociais, o abuso da prisão preventiva e o repúdio às garantias penais e processuais mais elementares.
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Em seguida, o Pontífice recordou que, uma das omissões mais frequentes do Direito Penal e uma das consequências da seletividade das sanções, são a escassa ou pouca atenção ao crime dos mais poderosos, sobretudo a macro delinquência das empresas. E acrescentou:
“O capital financeiro global está na origem dos crimes graves contra as pessoas e o meio ambiente. Trata-se de uma criminalidade organizada pelo excesso de endividamento dos Estados e pela pilhagem dos recursos naturais do nosso planeta, que pode ser comparada a crimes contra a humanidade, quando levam à fome, pobreza, migração forçada e morte por doenças evitáveis, desastres ambientais e extermínio dos povos indígenas”.
Depois, Francisco falou sobre a tutela jurídica e penal do ambiente. A resposta penal ocorre quando o crime foi cometido, mas, devido à sua seletividade estrutural, a sanção recai, geralmente, sobre os setores mais vulneráveis. E afirmou: “Um senso elementar de justiça imporia a não impunidade de alguns comportamentos, sobretudo os considerados ‘ecocídios’: contaminação do ar, dos recursos da terra e da água; destruição em grande escala da flora e fauna, e toda ação que produz desastres ecológicos ou destruição do ecossistema”.
O Papa recordou o que os Padres sinodais da Região Pan-Amazônica definiram o pecado ecológico como ação ou omissão contra Deus, contra os outros, contra a comunidade e o meio ambiente: um pecado contra as gerações futuras, que se manifesta com a poluição e a destruição do meio ambiente e contra a virtude da justiça. E o Papa exortou: “Nesta circunstância, através de vocês, gostaria de fazer um apelo a todos os líderes e representantes do setor para que contribuam, com seus esforços, para garantir uma tutela jurídica adequada da nossa Casa comum”.
Por fim, o Santo Padre recordou alguns problemas, que pioraram ao longo desses anos: o uso indevido de prisão preventiva; o incentivo involuntário à violência; a cultura do descarte e do ódio e o “lawfare” ou emprego da justiça penal. Mediante os instrumentos próprios da lei, é explorada a necessária luta contra a corrupção, com o objetivo de combater governos indesejados, reduzir os direitos sociais e promover um sentimento anti-político, que beneficia os que aspiram a um poder autoritário.
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Ao mesmo tempo, frisou o Papa, é estranho que o recurso a paraísos fiscais, que serve para ocultar todo tipo de crime, não seja visto como uma questão de corrupção e crime organizado. Da mesma forma, fenômenos maciços de apropriação de recursos públicos passam despercebidos ou até minimizados como meros conflitos de interesse.
O Pontífice concluiu seu denso discurso, chamando a atenção dos estudiosos de Direito Penal e a todos os que são chamados a desempenhar funções relacionadas à aplicação do Direito Penal, por uma maior responsabilidade na atuação da justiça: “Na visão cristã do mundo, o modelo de justiça encontra uma perfeita encarnação na vida de Jesus. Ao ser tratado com desprezo e até com violência, que o levou à morte, a sua ressurreição nos deixou uma mensagem de paz, perdão e reconciliação, valores difíceis de alcançar, mas necessários para a boa vivência de todos”.
Nossas sociedades, disse por fim o Papa, são chamadas a avançar em direção a um modelo de justiça fundado no diálogo e no encontro. Não se trata de uma utopia, mas, certamente, de um grande desafio! Um desafio que devemos enfrentar, se quisermos resolver os problemas da convivência civil, de modo racional, pacífico e democrático. Todos, cristãos e não cristãos, precisamos da ajuda de Deus, que é fonte de razão e de justiça.