Na integra

Discurso oficial do Papa aos casais reunidos na Catedral de Dublin - 25/08/18


Viagem do Papa Francisco à Irlanda, por ocasião do 9º Encontro Mundial das Famílias Encontro com casais na Catedral de Dublin
Discurso oficial
Sábado, 25 de agosto de 2018

Boletim da Santa Sé

Good afternoon!
Queridos amigos!

Sinto-me feliz pela possibilidade de vos encontrar nesta histórica pró-Catedral de Santa Maria, que, ao longo dos anos, foi testemunha de inúmeras celebrações do sacramento do matrimônio. Vendo a vós, tão jovens, eu me pergunto: mas então não é verdade o que dizem, que os jovens não querem casar-se? Obrigado! Casar-se e compartilhar a vida é algo belo. Há um ditado espanhol que diz assim: “Dores em dois, dor pela metade”. Este é o caminho do matrimônio. Neste lugar sagrado, quanto amor se manifestou, quantas graças foram recebidas!

Agradeço ao Arcebispo Martin as suas cordiais boas-vindas. Motivo de particular alegria para mim é poder estar convosco, casais de noivos e de esposos que vos encontrais nas diferentes fases do percurso do amor sacramental.

É igualmente belo escutar aquela música que vem das crianças que choram… trata-se de uma esperança, é a mais bela música; mas também é a mais bela pregação – escutar uma criança que chora – pois é um clamor de esperança, de que a vida continua, de que a vida segue adiante, de que o amor é fecundo.

Olhar às crianças… mas saudei também uma pessoa idosa: é preciso olhar para os idosos, pois os idosos estão cheios de sabedoria. Escutar os idosos: «Como foi a tua vida?» Isto me agradou, que tenhais sido vós [NT: dirigindo-se a um casal idoso que falou em primeiro lugar] a começar, depois de 50 anos de matrimônio, pois tendes tanta experiência para partilhar. O futuro e o passado se encontram no presente. Eles, os velhos – permiti-me a palavra: os velhos, the old – possuem a sabedoria. Também as sogras possuem a sabedoria [NT: todos riem]. E as crianças devem escutar a sabedoria; vós jovens deveis escutar a sabedoria e falar com eles para avançar, pois eles são as raízes. Eles são as raízes, e vós colheis das raízes para avançar. Isto certamente direi mais adiante, mas me veio dizê-lo do coração.

De modo especial, como disse, agradeço o testemunho de Vincent e Teresa, que nos falaram da sua experiência de cinquenta anos de matrimónio e de vida familiar. Obrigado quer pelas palavras de encorajamento quer pelos desafios que apresentastes às novas gerações de recém-casados e de noivos, não apenas aqui na Irlanda, mas em todo o mundo. Eles não serão como vós, serão diferentes. Mas precisam da vossa experiência para serem diferentes, para avançarem ainda mais. Como é importante ouvir os idosos, ouvir os avós! Temos muito a aprender da vossa experiência de vida matrimonial, sustentada dia a dia pela graça do sacramento.

Vem-me a vontade de perguntar-vos: brigastes muito? Mas isso faz parte do matrimônio! Um matrimônio onde não se briga é um pouco chato… [NT: todos riem] Mas existe um segredo: podem até voar os pratos, mas o segredo é fazer a paz antes que termine o dia. E para fazer a paz, não é preciso um discurso, basta uma carícia e, assim, faz-se a paz. E sabeis por que é importante? Porque se não se faz a paz antes de ir para a cama, a “guerra fria” do dia seguinte é demasiado perigosa; começa o rancor… Sim, brigueis o que queirais, mas no final da noite fazei a paz. Estais de acordo? Não o esqueçais, vós jovens.

Crescendo juntos nesta comunidade de vida e de amor, experimentastes muitas alegrias e também, certamente, não poucos sofrimentos. Juntamente com todos os esposos que já percorreram um longo pedaço do caminho, sois os guardiões da nossa memória coletiva. Precisaremos sempre do vosso testemunho, cheio de fé. É um recurso precioso para os noivos, que olham para o futuro com emoção e esperança… e, também, talvez com um pouco de ansiedade: como será este futuro?

Agradeço também aos noivos que me fizeram algumas perguntas ousadas. Não é fácil responder a estas perguntas! Denis e Sinead estão prestes a embarcar num percurso de amor que, segundo o desígnio de Deus, implica um compromisso para a vida inteira. Perguntaram como podem ajudar outros a compreenderem que o matrimônio não é simplesmente uma instituição, mas uma vocação, uma vida que avança, uma decisão consciente e para toda a vida de ocupar-se, ajudar-se e proteger-se mutuamente.

Com certeza, temos de reconhecer que hoje não estamos habituados a algo que dure realmente toda a vida. Nós vivemos numa cultura do provisório, não estamos habituados. Se sinto que tenho fome ou sede, posso alimentar-me, mas a minha sensação de estar saciado não dura um dia sequer. Se tenho um emprego, sei que poderia perdê-lo contra a minha vontade ou que poderia ver-me na obrigação de escolher uma carreira diferente. É difícil até mesmo acompanhar o mundo, já que tudo à nossa volta muda, as pessoas entram e saem das nossas vidas, fazem-se promessas, mas muitas vezes são quebradas ou deixadas a meio. Na realidade, o que me estais a perguntar talvez seja algo de mais fundamental ainda: «Não haverá verdadeiramente nada de precioso que possa durar?» Esta é a pergunta. Parece que nada de belo, nada de precioso dure. “Mas não haverá verdadeiramente algo de precioso que possa durar? Nem mesmo o amor?” E existe a tentação de que aquele “por toda a vida” que direis um ao outro, se transforme e, com o tempo, morra.

Se o amor não se faz crescer com o amor, dura pouco. Aquele «por toda a vida» é um compromisso que deve crescer com o amor, porque no amor não existe provisório. Caso contrário, é chamado entusiasmo, chama-se, não sei, encantamento, mas o “amor amor” é definitivo, é um “eu e tu”. Como se diz entre nós, é a “metade da laranja”: tu és a minha metade da laranja, eu sou a tua metade da laranja. O amor é assim: tudo por toda a vida. É fácil ficar prisioneiros da cultura do efêmero e essa cultura ataca as próprias raízes dos nossos processos de amadurecimento, do nosso crescimento na esperança e no amor. Nesta cultura do efêmero, como podemos experimentar aquilo que verdadeiramente dura? Esta é uma pergunta forte: como podemos experimentar, nessa cultura do efêmero, aquilo que verdadeiramente dura?

Eis o que me apraz dizer-vos. Entre todas as formas da fecundidade humana, o matrimônio é único. É um amor que dá origem a uma nova vida. Implica a responsabilidade mútua na transmissão do dom divino da vida e oferece um ambiente estável no qual a nova vida pode crescer e florescer.

O matrimônio na Igreja, isto é, o sacramento do matrimônio, participa de modo especial no mistério do amor eterno de Deus. Quando se unem pelo vínculo do matrimônio um homem e uma mulher cristãos, a graça de Deus habilita-os a prometerem-se livremente um ao outro um amor exclusivo e duradouro.

Assim, a sua união torna-se sinal sacramental – e isso é importante: o sacramento do matrimônio  – torna-se um sinal sacramental da nova e eterna aliança entre o Senhor e a sua esposa, a Igreja. Jesus está sempre presente no meio deles. Sustenta-os ao longo da vida no dom recíproco de si mesmos, na fidelidade e na unidade indissolúvel (cf. Gaudium et spes, 48). O amor de Jesus pelos casais é uma rocha, é um refúgio nos tempos de provação, mas sobretudo é fonte de crescimento constante num amor puro e para sempre. Fazei apostas fortes, para toda a vida. Arriscai! Pois o matrimônio é também um risco, mas um risco que vale a pena. Para toda a vida, pois o amor é assim.

Sabemos que o amor é o sonho de Deus para nós e para a família humana inteira. Por favor, nunca o esqueçais! Deus tem um sonho para nós, e pede-nos para o assumirmos. Não tenhais medo deste sonho! Sonhai alto! Guardai-o e, juntos, sonhai-o de novo todos os dias. Assim sereis capazes de vos apoiar mutuamente com esperança, com força e com o perdão, nos momentos em que o percurso se fizer árduo tornando-se difícil vislumbrar o caminho. Na Bíblia, Deus compromete-Se a permanecer fiel à sua aliança, mesmo quando nós O desgostamos e o nosso amor enfraquece. O que diz Deus na Bíblia para o seu povo? Escutai bem: «Não te deixarei nem te abandonarei» (Heb 13, 5). E vós, como marido e esposa, ungi-vos mutuamente com estas palavras de promessa, cada dia, pelo resto da vida. E nunca deixeis de sonhar! Repeti sempre no coração: «Não te deixarei nem te abandonarei».

Stephen e Jordan são esposos recém-casados e puseram a pergunta, muito importante, de como poderão os pais transmitir a fé aos filhos. Sei que a Igreja, aqui na Irlanda, preparou cuidadosamente programas de catequese visando educar para a fé nas escolas e paróquias. Isto é, sem dúvida, essencial. Mas o primeiro lugar, e o mais importante, para transmitir a fé é o lar: aprende-se a crer no lar, através do exemplo calmo e diário de pais que amam o Senhor e confiam na sua palavra. Lá, na casa, que podemos chamar de «igreja doméstica», os filhos aprendem o significado da fidelidade, da honestidade e do sacrifício. Veem como a mãe e o pai se comportam entre si, como cuidam um do outro e de todos, como amam a Deus e à Igreja. Assim os filhos podem respirar o ar fresco do Evangelho e aprender a compreender, julgar e agir de maneira digna da fé que herdaram.

A fé, irmãos e irmãs, é transmitida ao redor da mesa doméstica, no lar, na conversa comum, através da linguagem que só o amor perseverante sabe falar. Nunca esqueçais, irmãos e irmãs: a fé se transmite em dialeto! O dialeto do lar, o dialeto da vida doméstica, da vida em família.

Pensai nos sete irmãos Macabeus, como a mãe falava com eles em “dialeto”, ou seja, aquilo que eles tinham aprendido desde criança sobre Deus. É mais difícil receber a fé – é possível fazer, mas é mais difícil – se não foi recebido na língua materna, no lar, em dialeto. Sou tentado a falar de uma experiência minha, de criança… Se serve, eu digo. Lembro que uma vez – eu teria uns cinco anos – entrei em casa e lá, na sala de jantar, papai chegava do trabalho, naquele momento, antes de mim, e vi que papai e mamãe se beijavam. Nunca me esqueço! Que coisa bonita! Cansado do trabalho, mas teve a força de expressar o amor para a sua mulher! Que os vossos filhos vos vejam assim, que vos acariciais, vos beijais, vos abraçais; isso é belíssimo, porque aprendem assim este dialeto do amor, e a fé, neste dialeto do amor.

Por isso, é importante rezar juntos em família; falai de coisas boas e santas; e deixai que Maria, nossa Mãe, entre na vossa vida, a vida familiar. Celebrai as festividades cristãs: que os vossos filhos saibam o que é uma festa em família. Vivei em profunda solidariedade com aqueles que sofrem e estão à margem da sociedade, e que os vossos filhos aprendam.

Outra história: conheci uma senhora que tinha três filhos, com mais ou menos sete, cinco e três anos; eram um bom casal, tinham muita fé e ensinavam os filhos a ajudarem os pobres, pois eles os ajudavam muito. E uma vez, almoçando, a mãe com os três filhos – o pai estava a trabalhar, alguém bate na porta, e o filho mais velho vai abrir e depois volta e diz: «Mamãe, tem um pobre que pede de comer». Estavam comendo bife à milanesa, empanados – são deliciosos [NT: risos] – e a mãe pergunta aos filhos: «O que faremos?» Os três respondem: «Sim, mamãe, dá-lhe algo». Tinham alguns bifes sobrando, mas a mãe pega uma faca e começa a cortar pela a metade os bifes dos filhos. E os filhos: «Não, mamãe, dá-lhes daqueles bifes, não dos nossos!» – «Ah, não: aos pobres dás do teu, não daquilo que sobra!» Assim aquela mulher de fé ensinou os seus filhos a dar do seu aos pobres. Mas todas essas coisas podem ser feitas em casa, quando há amor, quando há fé, quando se fala aquele dialeto de fé. Em suma, os vossos filhos aprenderão de vós a viver como cristãos; sereis os seus primeiros mestres na fé, os transmissores da fé.

As virtudes e as verdades que o Senhor nos ensina nem sempre são populares no mundo atual – às vezes, o Senhor pede coisas que não são muito populares – o mundo de hoje tem pouca consideração pelos fracos, os vulneráveis e por todos aqueles que considera «não-produtivos».

O mundo diz-nos para sermos fortes e independentes, preocupando-nos pouco com aqueles que estão sozinhos ou tristes, rejeitados ou doentes, que ainda não nasceram ou estão moribundos. Daqui a pouco irei, de forma privada, encontrar algumas famílias que enfrentam desafios sérios e dificuldades reais, mas a quem os Padres Capuchinhos demonstram amor e apoio. O nosso mundo precisa duma revolução do amor! O furor que nos vivemos é antes que nada de egoísmo, de interesses pessoais… o mundo precisa de uma revolução do amor. Que esta revolução comece por vós e pelas vossas famílias!

Há alguns meses, dizia-me alguém que estamos a perder a nossa capacidade de amar. Lenta mas decisivamente estamos a esquecer a linguagem direta duma carícia, a força da ternura. Parece que a palavra ternura tenha sido arrancada do dicionário. Não poderá haver uma revolução de amor, sem a revolução da ternura! Com o vosso exemplo, possam os vossos filhos ser guiados para se tornarem uma geração mais solícita, amorosa, rica de fé, para a renovação da Igreja e de toda a sociedade irlandesa.

Assim o vosso amor, que é dom de Deus, lançará raízes ainda mais profundas. Nenhuma família pode crescer, se esquece as suas raízes. As crianças não crescem no amor se não aprendem a comunicar com os seus avós. Então deixai que o vosso amor lance raízes profundas! Não nos esqueçamos de que «tudo aquilo que na árvore floresceu / vive daquilo que está por debaixo» (F. L. Bernárdez, soneto Se para recuperar o recuperado). Assim fala uma poesia argentina, permiti-me a publicidade.

Juntamente com o Papa, possam as famílias da Igreja inteira, representadas nesta tarde pelos casais idosos e jovens, agradecer a Deus pelo dom da fé e pela graça do matrimônio cristão. Por nossa vez, comprometamo-nos com o Senhor a servir a vinda do seu reino de santidade, justiça e paz com a fidelidade às promessas que fizemos e com a perseverança no amor!

Obrigado por este encontro!

E agora, convido-vos a rezar juntos a oração para o Meeting das famílias. Depois, vos darei a bênção. E peço-vos que rezeis por mim, não vos esqueçais!

Evite nomes e testemunhos muito explícitos, pois o seu comentário pode ser visto por pessoas conhecidas.

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