Na íntegra

Discurso do Papa no encontro com as autoridades no Chile


Viagem do Papa Francisco ao Chile e Peru – 15 a 22 de janeiro de 2018

Encontro com as autoridades, a sociedade civil e o corpo diplomático
Palácio de la Moneda – Santiago – Chile
Terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Santa Sé 

Senhora Presidente,
Membros do Governo da República e do Corpo Diplomático,
Representantes da sociedade civil,
Distintas Autoridades,
Senhoras e senhores!

Estou feliz por poder encontrar-me de novo em solo latino-americano e começar a visita a esta amada terra chilena, que me hospedou e formou na minha juventude; gostaria que os dias passados convosco fossem também um tempo de agradecimento por tanto bem recebido. Conservo na memória esta estrofe do vosso Hino Nacional: «Puro, ó Chile, é o teu céu azulado, / brisas puras te cruzam também, / e o teu campo de flores bordado / é a cópia feliz do Éden». É um verdadeiro canto de louvor à terra que habitais, cheia de promessas e desafios mas sobretudo grávida de futuro. 

Obrigado, Senhora Presidente, pelas palavras de boas-vindas que me dirigiu. Na sua pessoa, quero saudar e abraçar o povo chileno do extremo norte da região de Arica e Parinacota até ao arquipélago do sul «dissolvendo-se em penínsulas e canais».[1] A vossa diversidade e riqueza geográfica permitem-nos vislumbrar a riqueza da polifonia cultural que vos carateriza.

Agradeço a presença dos membros do Governo, dos Presidentes do Senado, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal, bem como das demais Autoridades do Estado e seus colaboradores. Saúdo o Presidente eleito aqui presente, Senhor Sebastián Piñera Echenique, que recebeu recentemente o mandato do povo chileno para governar os destinos do país nos próximos quatro anos.

O Chile salientou-se, nos últimos decénios, pelo desenvolvimento duma democracia que lhe consentiu um notável progresso. As recentes eleições políticas foram uma manifestação da solidez e maturidade cívica alcançada, e isto adquire um relevo particular neste ano em que se comemora o bicentenário da declaração de independência. Momento particularmente importante, pois marcou o vosso destino como povo, baseado na liberdade e no direito, que teve também de enfrentar vários períodos turbulentos, conseguindo todavia – não sem dor – superá-los. Desta forma, soubestes consolidar e robustecer o sonho dos vossos pais fundadores.

Neste sentido, recordo as palavras emblemáticas do Cardeal Silva Henríquez, quando afirmava num Te Deum: «Nós – todos – somos construtores da obra mais bela: a pátria. A pátria terrena que prefigura e prepara a pátria sem fronteiras. Esta pátria não começa hoje, conosco; mas não pode crescer nem frutificar sem nós. Por isso a recebemos com respeito, com gratidão, como uma tarefa iniciada há muitos anos, como uma herança que nos orgulha e simultaneamente nos compromete».[2]

Cada geração deve fazer suas as lutas e as conquistas das gerações anteriores e levá-las a metas ainda mais altas. O bem como, aliás, o amor, a justiça e a solidariedade não se alcançam duma vez para sempre; hão de ser conquistados cada dia. Não é possível contentar-se com o que já se obteve no passado nem instalar-se a gozá-lo como se esta situação nos levasse a ignorar que muitos dos nossos irmãos ainda sofrem situações de injustiça que nos interpelam a todos.

Na verdade, tendes pela frente um desafio grande e apaixonante: continuar a trabalhar para que a democracia, o sonho dos vossos pais, não se limite aos aspetos formais mas seja verdadeiramente um lugar de encontro para todos. Seja um lugar onde todos, sem exceção, se sintam chamados a construir casa, família e nação. Um lugar, uma casa, uma família chamada Chile: generoso, acolhedor, que ama a sua história, que trabalha pelo presente da sua convivência e olha com esperança para o futuro. Faz-nos bem lembrar aqui as palavras de Santo Alberto Hurtado: «Uma nação, mais do que suas fronteiras, mais do que suas terras, suas cordilheiras, seus mares, mais do que a sua língua ou suas tradições, é uma missão a cumprir».[3] É futuro. E este futuro decide-se, em grande parte, pela capacidade de escuta que têm o seu povo e as suas autoridades.

Esta capacidade de escuta adquire um grande valor nesta nação, onde a pluralidade étnica, cultural e histórica exige ser protegida de qualquer tentativa feita de parcialidade ou supremacia e que coloca em jogo a capacidade de deixar cair dogmatismos exclusivistas numa sã abertura ao bem comum (que, se não apresentar um caráter comunitário, nunca será um bem). É indispensável escutar: ouvir os desempregados, que não podem sustentar o presente e menos ainda o futuro das suas famílias; ouvir os povos nativos, muitas vezes esquecidos e cujos direitos necessitam de ser atendidos e a sua cultura protegida, para que não se perca uma parte da identidade e riqueza desta nação. Ouvir os migrantes, que batem às portas deste país à procura duma vida melhor e, por sua vez, com a força e a esperança de querer construir um futuro melhor para todos. Ouvir os jovens, na sua ânsia de ter maiores oportunidades, especialmente no plano educativo, e assim sentir-se protagonistas do Chile que sonham, protegendo-os ativamente do flagelo da droga que lhes rouba o melhor das suas vidas. Ouvir os idosos, com a sua sabedoria tão necessária e a carga da sua fragilidade. Não podemos abandoná-los. Ouvir as crianças, que assomam ao mundo com os seus olhos cheios de deslumbramento e inocência e esperam de nós respostas reais para um futuro de dignidade. E aqui não posso deixar de exprimir o pesar e a vergonha que sinto perante o dano irreparável causado às crianças por ministros da Igreja. Desejo unir-me aos meus irmãos no episcopado, porque é justo pedir perdão e apoiar, com todas as forças, as vítimas, ao mesmo tempo que nos devemos empenhar para que isso não volte a repetir-se.

Com esta capacidade de escuta, somos convidados – hoje de forma especial – a prestar uma atenção preferencial à nossa Casa Comum: promover uma cultura que saiba cuidar da terra, não nos contentando com oferecer respostas pontuais aos graves problemas ecológicos e ambientais que se apresentem; requer-se aqui a ousadia de oferecer «um olhar diferente, um pensamento, uma política, um programa educativo, um estilo de vida e uma espiritualidade que oponham resistência ao avanço do paradigma tecnocrático»,[4] que privilegia a irrupção do poder econômico em prejuízo dos ecossistemas naturais e, consequentemente, do bem comum dos nossos povos. A sabedoria dos povos nativos pode oferecer um grande contributo. Deles, podemos aprender que não existe verdadeiro desenvolvimento num povo que volta as costas à terra com tudo e todos os que nela se movem. O Chile possui, nas suas raízes, uma sabedoria capaz de ajudar a transcender a conceção meramente consumista da existência para adquirir uma atitude sapiencial em relação ao futuro.

A alma do carater chileno é vocação a ser, essa teimosa vontade de existir.[5] Vocação, para que todos são convocados e de que ninguém se pode sentir excluído ou dispensado. Vocação que requer uma opção radical pela vida, especialmente em todas as formas em que a mesma se vê ameaçada.

Agradeço mais uma vez o convite que me possibilitou vir encontrar-me convosco, com a alma deste povo; e rezo para que a Virgem do Carmo, Mãe e Rainha do Chile, continue a acompanhar e fazer crescer os sonhos desta abençoada nação.

___________________

[1] Gabriela Mistral, Elogios de la tierra de Chile.

[2] Homilia no Te Deum Ecuménico (4/XI/1970).

[3] Te Deum (setembro de 1948).

[4] Francisco, Carta enc. Laudato si’, 111.

[5] Cf. Gabriela Mistral, «Breve descripción de Chile», in: Anales de la Universidad de Chile (14), 1934.

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