Na íntegra

Discurso do Papa ao Santo Sínodo na Catedral Ortodoxa do Chipre

VIAGEM DO PAPA FRANCISCO A CHIPRE E GRÉCIA
Encontro com o Santo Sínodo 
Catedral Ortodoxa de Chipre
Sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

Boletim da Santa Sé 

Beatitude, queridos Bispos do Santo Sínodo!

Sinto-me feliz por estar convosco e agradeço o vosso cordial acolhimento. Obrigado, querido Irmão, pelas suas palavras, a abertura do coração e o empenho na promoção do diálogo entre nós. Desejo estender a minha saudação a todos os sacerdotes, diáconos e fiéis da Igreja Ortodoxa de Chipre, com um pensamento especial aos monges e monjas que, com a sua oração, purificam e elevam a fé de todos.

A graça de estar aqui lembra-me que temos uma origem apostólica comum: Paulo passou por Chipre e, depois, chegou a Roma. Por isso descendemos do mesmo ardor apostólico e interliga-nos um único caminho: o do Evangelho. Por isso, me comprazo em ver-nos caminhar na mesma estrada, à procura duma fraternidade cada vez maior e da plena unidade. Nesta fímbria de Terra Santa que difunde a graça daqueles Lugares no Mediterrâneo, vêm naturalmente ao pensamento tantas páginas e figuras bíblicas. Dentre todas, gostaria de fazer ainda referência a São Barnabé, destacando alguns aspetos que nos podem orientar no caminho.

«José, a quem os Apóstolos chamaram Barnabé» (At 4, 36): assim é apresentado pelos Atos dos Apóstolos. Por conseguinte conhecemo-lo e veneramo-lo pelo apelido com que se designava a pessoa. Ora, a palavra Barnabé significa ao mesmo tempo «filho da consolação» e «filho da exortação». É interessante ver que se baseiam na sua figura ambas as caraterísticas, indispensáveis para o anúncio do Evangelho. Com efeito, toda a consolação autêntica não pode permanecer intimista, mas deve traduzir-se em exortação, orientar a liberdade para o bem. Ao mesmo tempo, toda a exortação na fé não pode deixar de se basear na presença consoladora de Deus e ser acompanhada pela caridade fraterna.

Assim Barnabé, filho da consolação, exorta-nos, a nós seus irmãos, a abraçar a mesma missão de levar o Evangelho aos homens, convidando-nos a compreender que o anúncio – como muitas vezes se fez – não se pode basear apenas em genéricas exortações, na repetição de preceitos e normas que se devem observar. O anúncio deve seguir o caminho do encontro pessoal, prestar atenção às questões das pessoas, às suas necessidades existenciais. Para ser filhos da consolação, antes de dizer algo, é preciso ouvir, deixar-se questionar, descobrir o outro, compartilhar. Pois o Evangelho transmite-se por comunhão. É isto que nós, como católicos, desejamos viver nos próximos anos, redescobrindo a dimensão sinodal, constitutiva do ser Igreja. E nisto sentimos a necessidade de caminhar mais intensamente convosco, queridos Irmãos, que podeis verdadeiramente ajudar-nos através da experiência da vossa sinodalidade. Obrigado pela vossa colaboração fraterna, que se manifesta inclusivamente na participação ativa na Comissão Mista Internacional para o Diálogo Teológico entre a Igreja Católica e a Igreja Ortodoxa.

Espero com todo o coração que aumentem as possibilidades de nos encontrar, conhecer-nos melhor, derrubar tantos preconceitos e colocar-nos docilmente à escuta das respetivas experiências de fé. Constituirá uma estimulante exortação para cada um fazer melhor, e dará a ambos um fruto espiritual de consolação. O apóstolo Paulo, de quem descendemos, fala muitas vezes de consolação e apraz-me imaginar que Barnabé, filho da consolação, tenha sido o inspirador de algumas das suas palavras, como estas, no início da segunda Carta aos Coríntios, quando recomenda que nos consolemos uns aos outros com a mesma consolação com que fomos consolados por Deus (cf. 2 Cor 1, 3-5). Neste sentido, queridos Irmãos, desejo assegurar-vos a oração e a solidariedade, minhas e da Igreja Católica, tanto nos problemas mais dolorosos que vos angustiam como nas esperanças mais belas e audazes que vos animam. As vossas tristezas e alegrias pertencem-nos, sentimo-las como nossas. E sentimos também que temos tanta necessidade da vossa oração.

Depois – e é o segundo aspeto –, os Atos dos Apóstolos apresentam São Barnabé como «um levita cipriota» (At 4, 36). O texto não acrescenta mais detalhes sobre a sua fisionomia nem sobre a sua pessoa, mas imediatamente faz-nos descobrir Barnabé através duma ação emblemática dele: «possuía uma terra; vendeu-a e trouxe a importância, que depositou aos pés dos Apóstolos» (4, 37). Este gesto magnífico sugere que também nós, para nos revitalizar na comunhão e na missão, precisamos da coragem de nos despojarmos daquilo – até mesmo precioso – que é terreno, para promover a plenitude da unidade. Certamente não me refiro ao que é sacro e ajuda a encontrar o Senhor, mas ao risco de absolutizar certos usos e costumes, que não são essenciais para viver a fé. Não nos deixemos paralisar pelo temor de nos abrir e realizar gestos audazes; não apoiemos aquela «incompatibilidade das diferenças» que não está prevista no Evangelho. Não permitamos que as tradições (no plural e com «t» minúsculo) tendam a prevalecer sobre a Tradição (no singular e com «T» maiúsculo). Esta exorta-nos a imitar Barnabé, deixando para trás tudo, até mesmo de bom, que possa comprometer a plenitude da comunhão, o primado da caridade e a necessidade da unidade.

Ao depositar aos pés dos Apóstolos aquilo que possuía, Barnabé ganhou um lugar nos seus corações. Também nós somos convidados pelo Senhor a descobrir-nos de novo como parte do mesmo Corpo, a inclinar-nos até aos pés dos irmãos. É certo que, no campo das nossas relações, se abriram entre nós grandes sulcos ao longo da história, mas o Espírito Santo deseja que voltemos, com humildade e respeito, a aproximar-nos. Ele convida-nos a não nos resignarmos com as divisões do passado e a cultivarmos juntos o campo do Reino, com paciência, diligência e ações concretas. Pois se deixarmos de lado teorias abstratas e trabalharmos juntos lado a lado, por exemplo, na caridade, na educação, na promoção da dignidade humana, redescobriremos o irmão, e a comunhão amadurecerá por si mesma para louvor de Deus. Cada um manterá seus modos próprios de ser e o seu próprio estilo, mas, com o tempo, o trabalho conjunto aumentará a concórdia e revelar-se-á fecundo. Como estas terras mediterrânicas foram embelezadas pelo respeitoso e paciente trabalho do homem, assim, com a ajuda de Deus e com humilde perseverança, cultivemos a nossa comunhão apostólica.

Um bom fruto, por exemplo, é o que está a acontecer aqui em Chipre na igreja da «Toda Santa da Cidade de Ouro». O templo dedicado à Panaghia Chrysopolitissa é hoje lugar de culto para várias Confissões cristãs, amado pela população e escolhido frequentemente para a celebração dos matrimónios. É, pois, um sinal de comunhão de fé e vida, sob o olhar da Santa Mãe de Deus, que reúne os seus filhos. Além disso, no interior do complexo, está guardada a coluna onde, segundo a tradição, São Paulo sofreu trinta e nove chicotadas por ter anunciado a fé em Pafos. A missão, tal como a comunhão, passa sempre através de sacrifícios e provas.

Foi precisamente uma prova – e é o terceiro aspeto, extraído da figura de Barnabé – que marcou a sua história e os primórdios da difusão do Evangelho nestas terras. No seu regresso a Chipre acompanhado por Paulo e Marcos, encontrou aqui Elimas, «um mago, falso profeta» (At 13, 6), que se lhes opôs com astúcia, procurando tornar tortuosos os retos caminhos do Senhor (cf. 13, 8.10). Também hoje não faltam falsidades e enganos que o passado coloca diante de nós e que atrapalham o caminho. Séculos de divisão e distanciamento fizeram-nos assimilar, mesmo involuntariamente, não poucos preconceitos hostis a respeito dos outros, preconceitos baseados muitas vezes sobre informações escassas e distorcidas, divulgadas por uma literatura agressiva e polémica. Mas tudo isto desvirtua o caminho de Deus, que tende para a concórdia e a unidade. Queridos irmãos, a santidade de Barnabé é eloquente também para nós. Quantas vezes, na história entre cristãos, a nossa preocupação foi a de nos opormos aos outros, em vez de acolhermos docilmente o caminho de Deus, que tende a harmonizar as divisões na caridade! Quantas vezes amplificamos e difundimos preconceitos sobre os outros, em vez de obedecer à exortação que o Senhor repetiu de forma especial no Evangelho escrito por Marcos, que esteve com Barnabé nesta ilha: fazer-se pequeno, colocar-se ao serviço uns dos outros (cf. Mc 9, 35; 10, 43-44).

Beatitude, fiquei comovido hoje, no nosso diálogo, quando falou da Igreja Mãe. A nossa Igreja é mãe, e uma mãe sempre reúne os seus filhos com ternura. Tenhamos confiança nesta Mãe Igreja, que a todos nos reúne e, com paciência, ternura e coragem, faz-nos avançar no caminho do Senhor. Mas, para sentir a maternidade da Igreja, todos devemos caminhar rumo ao ponto onde a Igreja é mãe: todos nós, com as nossas diferenças, mas todos filhos da Igreja Mãe. Obrigado por aquela reflexão que fez comigo hoje.

Imploremos do Senhor sabedoria e coragem para seguir, não os nossos caminhos, mas os d’Ele. Peçamo-lo por intercessão dos Santos. Leontios Machairas, cronista do século XV, definiu Chipre como «Ilha Santa» pela quantidade de Mártires e Bem-aventurados que estas terras conheceram ao longo dos séculos. Além dos mais conhecidos e venerados como Barnabé, Paulo e Marcos, Epifânio, Bárbara, Espiridião, há muitos outros: falanges inumeráveis de Santos que, unidos na única Igreja celeste – a Igreja Mãe –, nos impelem a navegar juntos rumo ao porto por que todos suspiramos. Lá de cima, convidam a fazer de Chipre, que já é ponte entre Oriente e Ocidente, uma ponte entre o Céu e a terra. Assim seja, para glória da Santíssima Trindade, para o nosso bem e para o bem de todos. Obrigado!

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