Em Retiro Espiritual do Papa e da Cúria Romana, abade exorta clero a vida de testemunho a serviço da Palavra de Deus
Da redação, com Vatican News
Nesta terça-feira, 13, o pregador do Retiro Espiritual do Papa e da Cúria Romana, o abade Bernardo Francesco Maria Gianni, incentivou o clero a entender como o homem contemporâneo vive a sua relação com o tempo, recorrendo às reflexões do sociólogo francês Marc Augé. Segundo o pensamento de Augé, destacado pelo monge, o mundo está assolado por uma ideologia do presente, sendo este não mais o lento êxito da progressão do passado, não deixando mais entrever um esboço do futuro. “O presente é ‘hegemônico’: memória e esperança são atrofiadas por este presente”, sublinhou o monge.
É nesta perspectiva que o abade beneditino deu continuidade aos Exercícios Espirituais desta Quaresma em Ariccia. De acordo com o diagnóstico de Marc Augé, relativo a uma verdadeira ditadura do incerto presente, o pregador afirmou que o sociólogo confirma a existência de uma verdadeira patologia do homem contemporâneo, desmantelado por um pragmatismo tecnológico e dominante.
Nesta hegemonia do presente, continuou o monge, é cansativo criar uma memória: “É difícil recordar, ou seja, reconduzir ao coração, um coração finalmente atento e agradecido, os eventos do passado”. O cansaço da memória, frisou o pregador, é o cansaço de uma perseverança, é o cansaço da perseverança em permanecer no tempo, na História. O abade, que se inspirou também nas palavras do poeta Mario Luzi e na ação política de Giorgio La Pira, indicou o caminho da memória como o caminho que leva para o futuro.
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Referindo-se a esta fundamental dimensão da memória, o pregador recordou em particular o que o Papa Francisco escreveu na Exortação Evangelium Gaudium: “A memória é uma dimensão da nossa fé, que, por analogia com a memória de Israel, poderíamos chamar ‘deuteronômica’. Jesus deixa-nos a Eucaristia como memória cotidiana da Igreja, que nos introduz cada vez mais na Páscoa (cf. Lc 22, 19). A alegria evangelizadora refulge sempre sobre o horizonte da memória agradecida: é uma graça que precisamos de pedir”.
A memória, explica o monge beneditino, apresenta uma verdadeira multidão de testemunhas e, entre elas, há algumas pessoas que marcam de modo especial o germinar da alegria de crentes: “E então a Igreja e, no meu pequeno caso, o mosteiro ao qual pertenço, são lugares para a cidade nos quais percebe-se a possibilidade, principalmente para as novas gerações, de restabelecer o passado, presente e futuro em novos horizontes de esperança; em outras palavras, as nossas igrejas sabem ser espaços nos quais quem entra percebe a vivacidade, a vitalidade da vivência de uma vida arraigada na memória da Páscoa do Senhor Jesus”.
Então, o abade propôs uma pergunta crucial: “Será que os jovens percebem no nosso testemunho eclesial, uma memória confiável, que inspire um futuro do mesmo modo confiável?”, e respondeu: “Vencendo o pessimismo, encaminhados para a esperança procuramos sempre novos caminhos de fidelidade ao Senhor, enriquecidos pela linfa que nos chega da tradição, mas sem medo. Devemos mostrar – dizia São João Paulo II – aos homens a beleza da memória, a força que nos vem do Espírito e que nos faz testemunhas porque somos filhos de testemunhas, nos faz provar maravilhas que o Espírito espalhou na História”.
Quanto é importante, acrescenta o monge, que nas comunidades eclesiais os jovens sintam uma tradição que os encaminha à vida, com belíssimas perspectivas nas quais asseguram a perda da solidão. Hoje, recorda o abade, qualquer fato que aconteça ou qualquer manifestação é um evento, mas, nesta perspectiva, advertiu a perda da vista do que é um verdadeiro Evento: “Voltar à grande experiência da traditio, vivificada por uma memória viva e criativa e principalmente importantíssima experiência para nós, diria irrenunciável, fonte e ápice da nossa vida que é a liturgia e de modo particular a Eucaristia, deveria nos deixar desconfiados do uso excessivo da palavra evento, porque para nós, de fato, o único evento é realmente a Páscoa do Senhor Jesus”.
O abade Bernardo concluiu sua meditação exortando os presentes: “Que este nosso exercício cotidiano de memória através da escuta da Palavra de Deus, a celebração litúrgica, a liturgia das horas, torne a nossa existência officium laudis, para que o nosso testemunho realmente volte a unir o homem e a mulher do nosso tempo em uma nova aliança com o presente que Deus nos doa e assim conduzir toda a humanidade sem medo, sem nostalgias e sem hesitações para aquele futuro que o Senhor prepara para nós”.