Na Sala Paulo VI, algumas intervenções precederam o encontro com o Papa, que contou também com a presença do Cardeal Grech e Mariana Venâncio, assessora da CNBB
Da redação, com Vatican News

A brasileira Mariana Venâncio ao fazer sua intervenção antes do encontro com o Papa / Foto: Reprodução CNBB
Um olhar cheio de esperança, voltado para “o que será” na esteira da sinodalidade. Além de suas tensões, entre “eu e nós”, “unidade e uniformidade”, “preservação e missão”. Por uma autêntica “conversão das relações”, que se torna “profecia social”, na denúncia do “abismo entre os grupos sociais” e acende o chamado de Jesus: “ser uma coisa só”. Esses são alguns dos temas aprofundados durante as intervenções introdutórias do Jubileu das Equipes Sinodais e dos Órgãos de Participação nesta sexta-feira, 24, na Sala Paulo VI. Entre os palestrantes, o cardeal Mario Grech, secretário-geral da Secretaria Geral do Sínodo; o cardeal Grzegorz Ryś, arcebispo de Łódź, na Polônia; Miguel De Salis Amaral, português, professor extraordinário de Eclesiologia na Faculdade de Teologia da Pontifícia Universidade da Santa Cruz; Mariana Aparecida Venâncio, assessora de Comissão para a Animação Bíblico-Catequética da CNBB e membro da Equipe Nacional de Animação do Sínodo no Brasil. As intervenções foram moderadas pelo bispo agostiniano Luis Marín De San Martín, subsecretário da Secretaria Geral do Sínodo.
Cardeal Grech: esperar, enraizados em Jesus
Na saudação, o cardeal Grech lembrou O Portal do Mistério da Esperança, de Charles Péguy, recordando a visão que o autor deu das três virtudes teologais: “a fé vê o que é, a esperança vê o que será e o amor vê o que é”. Uma bússola, uma arquitetura espiritual para “reimaginar” como a Igreja “ouve, discerne e caminha junto”. O amor, na visão do secretário-geral da Secretaria do Sínodo, não é apenas “emoção”, mas a postura com que “habitamos” a Igreja: ela não espera a perfeição, mas escolhe acolher a realidade “tal como é”. É a “decisão de permanecer presente”, sinal de uma maturidade espiritual que reconhece que a unidade não coincide com a uniformidade. O amor — continuou Grech — anda de mãos dadas com a fé, lente através da qual, na Igreja, “vemos algo mais do que humano, algo divino”. Não se trata de “otimismo cego”, mas de uma visão clara da realidade, que no caminho sinodal tem início na escuta radical do clamor daqueles que, na sociedade atual, vivem à margem. Em terceiro lugar, a esperança. Péguy a insere na visão comum do futuro como “garantia” do que está por vir, enraizada “na pessoa de Jesus Cristo e na certeza do que Deus prometeu a Ele”. A esperança requer, portanto, uma atitude de “deixar ir”, de trabalhar “sem possuir o que construímos”. Olhamos para o futuro com confiança — acrescentou o cardeal — não porque já vislumbramos os resultados, “mas porque encontramos aquele que tem o futuro nas mãos”. Um conceito fundamental para compreender o processo sinodal: “muito foi feito”, mas o trabalho que resta continua com humildade. “Fizemos a nossa parte, o resto está nas mãos de Deus”. Como lembrava Péguy a esse respeito, “a esperança ama o que ainda está por vir”.
Ryś: tornar-se “Igreja pobre para os pobres”
O cardeal Ryś centrou a intervenção nas tensões “reveladas” pela sinodalidade, identificando três principais. A primeira diz respeito à dicotomia entre o “eu” e o “nós”. A sinodalidade convida a uma “conversão relacional”, mas o mundo teme justamente as relações mais verdadeiras e duradouras. O único vínculo que se compreende parece ser o competitivo — “Eu tenho o que você não pode ter!”. O segundo ponto de tensão é entre unidade e uniformidade. Por um lado, a Igreja é comunhão; por outro, a “tentação” da homologação torna-se semente de divisão, incapaz de abraçar os ideais de “diversidade e variedade”. Santo Agostinho e São Francisco de Sales, lembrou Ryś, comparavam a Igreja a um jardim exuberante de flores diferentes. Não são, portanto, as diversidades que dividem, mas o orgulho e o abuso de poder. Nesse sentido, a sinodalidade é um “remédio” que prescreve a escuta e a troca de dons espirituais. Daí deriva a terceira tensão: entre preservação e missão. A sinodalidade é o rosto de uma “Igreja em saída”, aberta a “todos, todos, todos”, como afirma o Papa Francisco. Para abraçar toda a família humana, a comunidade eclesial é chamada a uma nova identidade: livrar-se de “estruturas sofisticadas” para se tornar verdadeiramente “a Igreja pobre para os pobres”.
De Salis Amaral: sacerdócio ministerial e comum são interdependentes
O professor De Salis Amaral falou aprofundadamente sobre o conceito de “conversão das relações”, mencionado pelo cardeal Ryś. Não se trata de um “simples convite a amar-nos uns aos outros” — o que correria o risco de reduzir a mensagem a um moralismo superficial —, mas de um apelo a redescobrir o significado mais profundo da sinodalidade. O professor português indicou alguns possíveis passos em frente, baseados nas relações que brotam dos sacramentos, do vínculo “que o próprio Deus estabeleceu entre nós e Ele”. Em primeiro lugar, o Batismo, relação filial e fraterna que chama cada um, “nos capacita e nos torna responsáveis”, tornando-se o mais essencial na vida da Igreja. Depois, a Ordem, serviço “específico” orientado para o “crescimento dos outros como discípulos missionários”. A salvação — afirmou De Salis Amaral — não nasce de um conhecimento pessoal, “como sustenta a gnose antiga e moderna”, mas provém do exterior: “é um dom que nos chega através da Palavra ouvida na fé: fides ex auditu”. O sacerdócio ministerial e o sacerdócio comum dos fiéis permanecem em orientação recíproca, tornando ninguém “autossuficiente” dentro da comunidade eclesial. Um conceito que, na visão do professor, merece ser redescoberto e aprofundado, pois a estrutura da Igreja deve se basear na vitalidade desses laços, sem se reduzir a uma mera “organização”. O sacerdócio ministerial e o comum se fundam, portanto, em uma interdependência que, viva e operante no tempo, participa da unicidade de Cristo.
Mariana Venâncio: a sinodalidade como antídoto para ao “espinho das polarizações”
“Uma Igreja sinodal é como um estandarte erguido entre as nações”. A partir dessa afirmação do Papa Francisco, desenvolveu-se a reflexão da brasileira Mariana Venâncio, que retomou também o Documento Final da última Assembleia dos Bispos, onde a sinodalidade é definida como “profecia social”. Ela não representa apenas uma estrutura da Igreja, mas também seu modus vivendi et operandi. Passar do “eu” para o “nós eclesial” significa propor um modelo de comunidade inspirado nos primeiros apóstolos, em um clima de “reciprocidade e gratuidade” que já se torna profecia na sociedade individualista e de “relações líquidas”.
Venâncio citou o caso do seu país, o Brasil, onde muitas pessoas — na primeira fase do Sínodo — declararam ter se sentido “ouvidas pela primeira vez” pela Igreja. Essa é também uma forma de combater “a ditadura da economia que mata”, denunciada tanto pelo Papa Francisco quanto pelo Papa Leão XIV em sua Exortação Apostólica Dilexi te. O diálogo sinodal, além disso, apresenta-se como um antídoto para o “espinho das polarizações” que atravessa a Igreja e a sociedade. “É possível ouvir e estabelecer diálogos fecundos que não uniformizam, mas unem pensamentos e posições diferentes em nome do princípio fundamental segundo o qual a unidade prevalece sobre o conflito”. Tudo isso deve levar também a denunciar “as causas estruturais que perpetuam o abismo entre os grupos sociais, contra a ganância que se insinua nos poderes públicos e contra a passividade diante das desigualdades, dos preconceitos e das segregações”. Em conclusão, a Igreja é chamada a receber um novo impulso da centralidade do anúncio, do kerygma, tornando a sinodalidade um modelo do próprio ser da Igreja: resposta viva ao chamado de Jesus para ser “uma coisa só”.

