Doutor em Teologia Moral, padre Mário Marcelo fala da discussão sobre aborto em casos de microcefalia possivelmente causados pelo zika vírus
Padre Mário Marcelo Coelho, scj
Zika vírus e a discussão sobre o aborto
O vírus Zika é transmitido por meio da picada do mosquito Aedes aegypti. Conforme pesquisas, o Zika vírus, durante a gravidez, pode causar microcefalia porque foram encontrados vírus no líquido amniótico que envolve o bebê durante a gravidez e também no líquido cefalorraquidiano, presente no sistema nervoso central, dos bebês que já nasceram e foram diagnosticados com microcefalia.
A microcefalia é uma doença em que a cabeça e o cérebro das crianças são menores que o normal para a sua idade, o que prejudica o seu desenvolvimento mental, porque os ossos da cabeça, que ao nascimento estão separados, se unem muito cedo, impedindo que o cérebro cresça e desenvolva suas capacidades normalmente.
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A criança com microcefalia pode precisar de cuidados por toda a vida, mas isso é normalmente confirmado depois do primeiro ano de vida e irá depender muito do quanto o cérebro conseguiu se desenvolver e que partes do cérebro estão mais comprometidas. Porém, a associação do zika vírus com a microcefalia está levantando, por parte de muitos, o debate em torno do aborto das crianças quando é constatada a presença do vírus zika na mulher grávida.
A questão do aborto
A grande questão neste debate todo é que sempre buscam soluções pelo modo mais prático e sempre em prejuízo ao mais vulnerável, neste caso a criança que ainda está no útero da mãe, e às vezes sem mesmo constatar a microcefalia no bebê, basta constatar a presença do vírus zika.
Neste caso específico da microcefalia, são várias realidades envolvidas: achar que uma criança com determinado comprometimento físico e/ou mental não tem o direito de nascer, de crescer e de viver. Quem apoia o aborto nestas condições está dizendo que existem pessoas de primeira, segunda, … categoria e se coloca no direito de decidir quem pode ou não nascer. Outra realidade é aquilo que a sociedade hoje defende e vive, ou seja, o horror para com as vidas marcadas pela deficiência, casais que quase sempre decidem abortar quando o exame pré-natal detecta qualquer deficiência. A partir desta realidade surgem alguns questionamentos: A microcefalia tira o direito da criança de nascer? Ela perde a condição de pessoa?
Um grupo de advogados e acadêmicos está preparando um projeto para ser enviado ao Supremo Tribunal Federal que pretende abrir a discussão do aborto nesses casos de microcefalia. Como podemos pensar no aborto nesses casos? Qual o pensamento da Igreja?
O caso da jovem Ana Carolina Cáceres
A página da UOL publicou no dia 01/02/2016 uma reportagem sobre uma jovem, Ana Carolina Cáceres, de 24 anos, moradora de Campo Grande (MS), que desafiou todos os limites da microcefalia previstos por médicos. Eles esperavam que ela não sobrevivesse. Ana Carolina se formou em jornalismo: “Escolhi este curso para dar voz a pessoas que, como eu, não se sentem representadas. Queria ser uma porta-voz da microcefalia e, como projeto final de curso, escrevi um livro sobre minha vida e a de outras 5 pessoas com esta síndrome (microcefalia não é doença, tá? É síndrome!)” – afirma a jovem.
Sobre a ação enviada ao STF Ana Carolina fez uma declaração muito interessante: “Quando li a reportagem sobre a ação que pede a liberação do aborto em caso de microcefalia no Supremo Tribunal Federal (STF), levei para o lado pessoal. Me senti ofendida. Me senti atacada”.
A criança com microcefalia é um ser vivente e como tal tem o direito de nascer e ser acolhida e amada. A dignidade da vida não depende de sua higidez. Nem de sua duração. Onde quer que esteja presente o sopro da vida humana, aí está um valor incalculável, ante o qual todos nos devemos curvar. A morte direta e voluntária de um ser humano inocente é sempre gravemente imoral. “Nada e ninguém pode autorizar que se dê a morte a um ser humano inocente, seja ele feto ou embrião, criança ou adulto, velho, doente incurável ou agonizante”.
Direito à vida
Todos têm direito à vida. Nenhuma legislação jamais poderá tornar lícito um ato que é intrinsecamente ilícito. Portanto, diante da ética que proíbe a eliminação de um ser humano inocente, não se pode aceitar exceções. Os fetos com microcefalia não são descartáveis. O aborto de feto com microcefalia é uma pena de morte decretada contra um ser humano frágil e indefeso. Com toda certeza a Igreja afirma que a vida humana é sagrada e possui dignidade inviolável.
No entanto, a vida de uma criança com microcefalia também deve ser protegida pela lei, assim como a de um embrião. Cada qual no seu estágio de desenvolvimento. Trata-se de um direito inalienável. Permitir a interrupção dessa vida é praticar o crime de aborto (artigos 124 a 128 do Código Penal).
Independentemente do estado de saúde, a vida humana sempre deve ser preservada. A Igreja se mostra radical quando o assunto é defesa da vida humana, em particular a indefesa. A defesa da vida humana tem que ser garantida apesar do que possa se desenvolver depois. Quem vai definir o limite com que uma pessoa pode ou não nascer?
A Igreja Católica é coerente com o pensamento de Jesus que assumiu a condição humana para trazer vida a todos e vida em abundância. A Igreja Católica sempre se posiciona na defesa da inviolabilidade da vida humana, mesmo ainda não nascida. A proteção da vida humana inocente e indefesa deveria interessar a todos, acima de concepções religiosas ou ideológicas; é questão de humanidade, não apenas de religião.
O drama pessoal por que passa a gestante e portadora do zika vírus não pode ser superado com a eliminação do mais “fraco”, “não se pode tentar resolver o que é dramático com o trágico! No dramático existe a possibilidade de uma positividade, no trágico só a destruição”. A vida deve ser acolhida como dom e compromisso, mesmo que seu percurso natural seja, presumivelmente, breve. Há uma enorme diferença ética, moral e espiritual entre a morte natural e a morte provocada. Aplica-se aqui, o mandamento: “Não matarás” (Ex 20,13).