Dom Severino Clasen revela origem da Via-sacra e exorta vivência da mesma durante a Quaresma; fiéis comentam reflexões proporcionadas pela prática
Julia Beck
Da redação
No tempo quaresmal, fazer o percurso da via dolorosa, ou seja, do caminho do Senhor ao Calvário, tornou-se comum entre os católicos. A prática, denominada Via-sacra, é uma tradição popular e reúne fiéis como a auxiliar administrativa de 28 anos, Thallita Fernanda de Faria Sene, o militar aposentado de 50 anos, Rogério Gomes da Silva, e sua esposa, a dona de casa de 50 anos, Alaize Helena Galocha da Silva.
A devoção da via-sacra consiste na oração e meditação das 14 estações do caminho doloroso de Jesus — paixão e morte —, com a possibilidade do acréscimo de mais uma estação, a que recorda a ressurreição. “É uma preparação privilegiada no tempo quaresmal para a festa da Páscoa”, revelou o presidente da Comissão Episcopal Pastoral para o Laicato da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Frei Severino Clasen. O bispo afirma:“A via-sacra é uma das experiências mais ricas dos fiéis no tempo quaresmal”.
“É um momento que a cruz mostra para nós católicos o amor de Deus, e nos ensina a olharmos sempre para o outro com misericórdia e zelo”, comentou Thallita. Segundo Dom Severino, a meditação da via-sacra incentiva os cristãos a um tempo de reflexão: “Ao meditar sobre os passos do caminho doloroso do Senhor até o Calvário, nos faz lembrar também nossa caminhada dolorosa, atingido pelo pecado e pelas injustiças e olhar para o Senhor que suportou toda a dor e perseguição, mas ressuscitou”.
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A jovem, Thallita, e o casal, Rogério e Alaize, realizam a via-sacra há, respectivamente, três e quatro anos, mas a prática é, de acordo com Dom Severino, muito antiga, tendo seu surgimento datado do século XI, no período das cruzadas. “Os católicos faziam as peregrinações a Jerusalém para fazer o mesmo percurso do Senhor no seu processo condenatória até onde foi crucificado no monte e morto pregado no lenho da cruz”, recordou o bispo.
A Via-sacra é conhecida como exercício de piedade, de espiritualidade, de vivência religiosa e integra a “piedade popular”, segundo Dom Severino. A “piedade popular” é, ainda de acordo com o bispo, um vasto campo de possibilidades e de cultura devocional, bem como de costumes que surgem dentro da religião católica. “A experiência milenar do catolicismo, naturalmente permitiu o surgimento de costumes e exercícios espirituais que favoreçam a meditação, a reflexão e a observância de disciplinas religiosas surgidas no desejo de seguir a Jesus Cristo e na simplicidade cultural colocar em prática a tradição da Sagrada Escritura”, explicou.
Dom Severino conta que a experiência pessoal de um devoto ou uma devota, cria um costume, uma tradição e uma convicção religiosa que vai se alastrando e a força popular acaba aderindo, criando momentos devocionais, e de tradição como “piedade popular”: “É a prática simples de rezar, de orar, de crer e de fomentar o contato com a divindade que julga como um caminho fértil para a sua salvação ou usufruir as benesses provindas de Deus. Além de seguir Jesus Cristo, também devotam a Nossa Senhora e a um santo ou uma santa”.
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O casal Rogério e Alaize, coordenadores do movimento OVISA (Orientação para Vivência Sacramental), realizam a via-sacra no Oratório São Luiz Gonzaga em Lorena, interior de São Paulo. Para o aposentado, a vivência traz transformações e leva os cristãos a refletirem sobre a entrega de Jesus para a humanidade. O casal relata que no período quaresmal, além das orações, procuram identificar atitudes e/ou pensamentos que os distanciam de Deus e que sirvam de obstáculo para se aproximarem Dele. “Sem sombras de dúvida, devido às inúmeras graças alcançadas, esta prática nos coloca no caminho de Jesus nos inspirando a sermos luz na vida de nossos irmãos”, comenta Rogério.
É na Paróquia São Miguel Arcanjo em Piquete, interior de São Paulo, que Thallita participa da via-sacra. Assim como Rogério e Alaize, a jovem afirma que além da oração, procura realizar algo a mais, como o jejum. “É um momento de abstinência e sacrifício. De analisarmos o quanto somos pequenos e o quanto é grande o amor e a misericórdia de Jesus por nós”, refletiu Thallita, que continuou comentando sobre as práticas da via-sacra e do jejum que realiza durante a quaresma:
“É um momento de reflexões, de olhar para dentro de nós e vermos o quão pecadores e falhos somos. É tempo de olharmos para o nosso próximo, coisa que muitas das vezes o nosso ego não nos deixa ver. Devemos refletir sobre o que jejuamos, dando aos mais necessitados aquilo do qual abdicamos, ou seja, ao retirarmos a carne durante os 40 dias, poderíamos doar o que consumiríamos nestes dias aos mais necessitados. Tudo isso teria um significado muito maior, um jejum e oração que gera ajuda e solidariedade com o próximo”.
Para este período quaresmal, Dom Severino frisou a importância da preparação espiritual para a Páscoa, considerada a maior festa do mundo cristão. “Que nós cristãos, ao nos purificarmos na vida pessoal, familiar e comunitária, olhemos para os pecados sociais que destroem a dignidade do ser humano nesse mundo. (…) Que não sejamos os que condenam o Senhor nos dias atuais com nossos julgamentos e nossas práticas farisaicas de cristãos, mas sejamos simples, devotos, sinceros e puros no pensar, no rezar e no agir no cotidiano”, concluiu o bispo.