Os mártires testemunham a força do Evangelho e o valor supremo do Reino de Deus, pelo qual vale a pena entregar tudo, até a própria vida
Cardeal Odilo Pedro Scherer*
No domingo, 15 de outubro, o Papa Francisco proclamou “santos” os 30 protomártires do Rio Grande do Norte: Pe. André de Soveral, Pe. Ambrósio Francisco Ferro, Mateus Moreira e seus 27 companheiros leigos – homens, mulheres e crianças. O Papa São João Paulo II os havia beatificado no dia 5 de março de 2000, na Praça de São Pedro, em Roma. Na verdade, o número desses mártires é bem maior, mas os nomes da maioria deles são desconhecidos. O martírio ocorreu no período da ocupação holandesa no Nordeste do Brasil por calvinistas huguenotes, que moveram uma sangrenta perseguição contra os católicos ali já residentes.
Santo André de Soveral era sacerdote jesuíta, nascido em São Vicente (SP); foi ser missionário para evangelizar os indígenas no litoral do Nordeste. Depois de passar ao clero diocesano, foi pároco em Cunhaú (RN), ali onde foi martirizado no domingo, 16 junho de 1645, durante a celebração da Missa, junto com outras 69 pessoas. A capela foi cercada por índios e soldados holandeses, que trucidaram a todos. Morreram por causa de sua fé católica.
Ao saberem do massacre de Cunhaú, muitos moradores de Natal e arredores procuraram refúgio no Forte dos Reis Magos. No dia 3 de outubro de 1645, foram levados, junto com o Pe. Ambrósio Francisco Ferro, para as margens do rio Uruaçu, perto de Natal, onde os esperavam índios e soldados holandeses armados. Um pastor calvinista tentou demovê-los da fé católica, mas todos resistiram e, então, foram cruelmente trucidados ali mesmo. Santo Ambrósio Francisco Ferro, sacerdote português nascido nos Açores, atuava como pároco em Natal desde 1636. Com ele, foram martirizadas outras 80 pessoas, adultos, jovens e até crianças.
São Mateus Moreira foi um dos leigos martirizados e sua bela profissão de fé na Eucaristia foi recolhida. Ao lhe ser arrancado o coração pelas costas, vivo ainda, pronunciou suas últimas palavras: “louvado seja o Santíssimo Sacramento!” Por isso, com a aprovação da Santa Sé, a CNBB o proclamou padroeiro dos Ministros Extraordinários da Sagrada Comunhão Eucarística.
De fato, o Brasil possui um outro grupo de protomártires, que entregaram sua vida por Cristo e pelo Evangelho bem mais cedo: trata-se do Beato Padre Inácio de Azevedo e de seus 39 companheiros mártires. Pe. Inácio, jesuíta português, já havia estado no Brasil e, vendo a imensidade da missão a ser desempenhada, regressou à Europa para buscar colaboradores. No retorno ao Brasil, ao largo das ilhas Canárias, o navio que levava 39 missionários foi abordado por piratas anticatólicos. No dia 15 de julho de 1570, os corsários mataram Pe. Inácio e seus 39 companheiros – 31 portugueses e 8 espanhóis. Foram beatificados pelo Papa Pio IX já em 1854, e a memória litúrgica desses protomártires do Brasil é celebrada no dia 17 de julho.
Embora apenas o próprio Pe. Inácio de Azevedo tenha estado no Brasil, de fato, esse grupo de 40 mártires entregou sua vida até o martírio pela evangelização do Brasil, mesmo antes de terem pisado a Terra de Santa Cruz. São mártires da fé, testemunhas do Evangelho de Cristo e do ardor missionário que os animava.
Os mártires testemunham a força do Evangelho e o valor supremo do Reino de Deus, pelo qual vale a pena entregar tudo, até a própria vida. Recordar os mártires, portanto, é valorizar o testemunho que eles deram em favor da nossa fé. Sua coragem e constância, mesmo diante da tortura e da condenação à morte, fortalecem nossa fé e nossa coragem, mesmo quando o caminho é difícil. Os santos e mártires são os grandes cristãos e membros exemplares da Igreja Católica.
A busca da santidade, no dizer do Papa São João Paulo II, é o grande objetivo da ação evangelizadora da Igreja. Santidade é comunhão e proximidade com Deus e, em decorrência disso, também é vida em sintonia com Deus e testemunho em favor do Reino de Deus. “O Brasil precisa de muitos santos”, dizia o Papa São João Paulo II em 1980, em Florianópolis (SC), na beatificação de Madre Paulina. Precisa mesmo, pois os santos são os bons cristãos, os verdadeiros evangelizadores, que percebem melhor os desafios da missão e dão tudo de si para que Jesus Cristo seja conhecido e aceito pela fé.
Que os santos mártires do Rio Grande do Norte intercedam por nós, em São Paulo, para que possamos ser fiéis à nossa vida cristã e à missão que nos foi confiada nesta cidade imensa.
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O Arcebispo de São Paulo, Cardeal Odilo Pedro Scherer, é doutor em Teologia pela Universidade Gregoriana de Roma. Atual membro da Congregação para o Clero, do Pontifício Conselho para a Família, da Pontifícia Comissão para a América Latina e membro do Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização. http://www.arquidiocesedesaopaulo.org.br