Segundo documento recente de associações brasileiras de saúde, dois terços das mortes relacionadas à obesidade são atribuíveis a doenças cardiovasculares
Aline Imercio
São Paulo (SP)

Foto: Gilberto Pereira
Que casos de obesidade podem levar a doenças cardíacas, muita gente já sabe. Mas uma Diretriz publicada recentemente pela Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (ABESO), Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) e Academia Brasileira do Sono (ABS), veio reforçar esse alerta.
Segundo o documento, dois terços das mortes relacionadas à obesidade são atribuíveis a doenças cardiovasculares. O documento mostra que medidas como tratamento do excesso de peso podem ajudar no controle da saúde cardíaca. Por ocasião do Dia do Coração, nesta segunda-feira, 29, a equipe do Jornalismo Canção Nova conversou com uma das autoras da Diretriz, a cardiologista e assessora científica da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (SOCESP), doutora Viviane Rocha.
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Já era conhecida a relação da obesidade e das doenças cardiovasculares. Por que fazer essa Diretriz?
Dra. Viviane Rocha: Essa associação entre obesidade e doenças cardiovasculares já é bastante conhecida há algum tempo e a necessidade veio de um aumento da demanda, a obesidade vem crescendo há vários anos, não só no Brasil, mas em várias regiões do mundo. E ela se associa a vários fatores da doença cardiovascular e à doença cardiovascular em si. Então, o que a gente sabe é que como a obesidade se associa à hipertensão arterial, há um risco aumentado de diabetes, a alterações lipídicas, ou seja, alterações nas gorduras do sangue, e tudo isso se associa à saúde cardiovascular, então ela muitas vezes é a razão pela qual esses fatores de risco estão alterados e por conseguinte ela traz o aumento da doença cardiovascular.
E a obesidade sozinha, mesmo sem associação com esses fatores, também carrega um risco. Porque a obesidade, principalmente quando ela se manifesta por um aumento da gordura abdominal, aquela gordura que fica ao redor de vários órgãos ou dentro de alguns deles, como por exemplo, o fígado, ao redor dos rins, ao redor do coração, ela acaba aumentando a inflamação sistêmica, a inflamação desse indivíduo. E um dos pilares das doenças cardiovasculares, principalmente aquelas doenças que se associam a uma formação das gorduras, das placas de gordura nas artérias, é a inflamação e a obesidade traz consigo essa inflamação.
Então, a obesidade carrega um risco muito alto de doenças cardiovasculares e ela vem aumentando. Então, daí a necessidade de um documento que se destina principalmente aos cardiologistas, porque ele vai tratar da relação entre obesidade e doenças cardiovasculares e como a gente pode fazer para estratificar o risco desse indivíduo que tem obesidade, né? Quais são os indivíduos com obesidade que teriam um risco maior e que podem se beneficiar mais das medicações novas para obesidade.
A diretriz traz orientações que falam em tratar a obesidade, certo?
Dra. Viviane Rocha: Isso. É óbvio, não só médicos, mas também as próprias pessoas leigas sabem de todas aquelas medidas que devem ser feitas em todo mundo: exercício físico, uma alimentação mais equilibrada, o controle do peso… Tudo isso é a base para o tratamento do sobrepeso e da obesidade. Isso é bastante conhecido, embora pouco feito. E isso continua sendo a base.
Então, você ter um estilo de vida mais adequado, não só pela obesidade, mas também pela obesidade, você vai estar prevenindo de alguma maneira as complicações dessa obesidade e também as doenças cardiovasculares. Ter um estilo de vida adequado é a base de tudo. Porém, nos últimos anos vêm surgindo outros tratamentos farmacológicos e que são tratamentos bastante eficazes para o tratamento da obesidade e também muito seguros, diferentemente dos tratamentos antigos.
Anteriormente, os cardiologistas jamais prescreviam qualquer tratamento para obesidade, porque esses tratamentos antigos tinham efeitos nocivos para o coração. A gente sabe de vários medicamentos que elevavam a pressão arterial, que elevavam a frequência cardíaca. Então tinham o risco cardiovascular aumentado. Você conseguia perder peso, mas às custas de malefícios para o coração. Essa acabava nem sendo uma matéria para o cardiologista, porque ele não conseguia evoluir muito no tratamento dessa obesidade. E hoje existem vários tratamentos que são não só eficazes para redução de peso, mas também benéficos para o coração.
Não só seguros, benéficos também e são tratamentos que têm sido utilizados e que podem ser, mesmo que os indivíduos não tenham um risco cardiovascular elevado. Mas as pessoas que são obesas, que têm obesidade e têm um risco maior, seja porque já tiveram um infarto, por exemplo, seja porque são hipertensos, diabéticos, vão se beneficiar ainda mais desses tratamentos.
A ideia da diretriz é, primeiro, medidas de estilo de vida saudável para todo mundo. E num segundo momento, vamos estratificar o risco desse indivíduo com sobrepeso, obesidade e tem uma calculadora para isso que nós propusemos no documento. E a depender desse risco, se o risco for, principalmente, um risco moderado ou um risco alto, essas medicações para tratamento de obesidade são ainda mais recomendadas. Por que? Porque elas vão fazer com que esses indivíduos tenham uma perda de peso maior e ainda com uma proteção cardiovascular maior.
Portanto, o documento é para embasar isso daí e estratificar o risco desses indivíduos e indicar o tratamento conforme esse risco.