O número de pessoas que passam fome no mundo aumentou em 2008 para 963 milhões, contra 832 milhões registrados em 2007, segundo o último relatório da ONU anunciado pelo diretor da FAO, Jacques Diouf em janeiro deste ano. Entre as políticas públicas e as várias instituições que lutam contra a fome no país, a Pastoral da Criança se destaca pelo trabalho desenvolvidos com as famílias.
A Pastoral da Criança, uma rede de solidariedade que faz parte da CNBB, acompanha mais de um milhão e 800 mil crianças e cerca de 94 mil gestantes. Com a ajuda de mais de 200 mil voluntários, a Pastoral atua em 42 mil comunidades brasileiras e no exterior.
Em entrevista ao noticias.cancaonova.com, a coordenadora Nacional da Pastoral, Ir. Vera Lúcia Altoé, fala sobre o trabalho realizado e como a Instituição tem reeducado as famílias carentes para que tenham uma alimentação adequada e consigam, com a ajuda mútua e conhecimento, enfrentar a desigualdade social.
noticias.cancaonova.com – Qual a visão da Pastoral da Criança sobre a fome no Brasil e no mundo?
Ir. Vera – A Pastoral da Criança, hoje, entre outras causas, vê a desigualdade social como principal causa da fome. E isso não é novidade pra ninguém e nem para a Pastoral da Criança. E a nossa luta contra a fome é uma luta pela justiça social.
Outra coisa que podemos admitir, hoje, é que a fome deixou de ser um problema em todos os estados brasileiros. O que existe realmente são os bolsões de pobreza. Temos andado por pelo país e visto isso. Há pessoas que realmente passam fome. A Pastoral da Criança pode constatar que o estado mais pobre do Brasil é o estado do Maranhão, e depois vem os outros, como Alagoas, Piauí, Ceará e também a Bahia, que apesar de ser tão falada, tão famosa, é um dos estados, também apontado pela Fundação Getúlio Vargas, como um estado bem pobre.
E mundialmente, sabemos também que existem, na Ásia e na África, estados onde até vivem irmãs da nossa Congregação da Imaculada Conceição, passando por situações muito desumanas.
noticias.cancaonova.com – Qual a situação das crianças do Brasil em relação à desnutrição?
Ir. Vera – Das crianças acompanhadas pela Pastoral da Criança apenas 3,1% apresentam desnutrição e esse número ainda está abaixo da média da Organização Mundial da Saúde. Nós acompanhamos aproximadamente um milhão e 850 mil, o que representa 20% das crianças pobres do Brasil. Hoje, uma das coisas que a Pastoral da Criança tem como desafio, além de combater a desnutrição, é combater a anemia.
Sentimos hoje que realmente, por falta de uma alimentação adequada, as nossas crianças estão ficando anêmicas. E, por outro lado, temos observado nas crianças que acompanhamos uma grande porcentagem de obesidade. No ano passado, foi identificado que 1,2% das crianças acompanhadas eram obesas. Estamos tentando lançar para as mães e para as crianças aquela costumeira horta caseira. Mudar um pouco esse negócio de só estar comprando produtos que muitas vezes são caros, mas não tem os pré-requisitos necessários para uma alimentação saudável.
Nós estamos fazendo capacitações em vários estados do Brasil onde queremos colocar como uma alternativa para as nossas crianças anêmicas, desnutridas ou obesas que, ao invés de um refrigerante, tomem um suco por exemplo. É nesse sentido que estamos trabalhando um pouco para combater a fome.
noticias.cancaonova.com – As sociedades têm falado muito em segurança alimentar, inclusive no mês de janeiro, o Ministro Patrus Ananias, do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome do Brasil participou de um encontro em Madri que terminou com o compromisso dos países em priorizar o combate à fome e à desnutrição no mundo. A Pastoral da Criança acredita nessas grandes decisões? Participa dessas iniciativas?
Ir. Vera – A Pastoral da Criança tem uma metodologia muito simples. E nós que somos católicos entendemos bastante dessas coisas. Ela atua dentro da família, cuidando de gestantes e crianças de 0 a 6 anos. Nós buscamos uma integração àquele texto bíblico que fala da multiplicação, ou seja, a metodologia da Pastoral da Criança é inspirada na multiplicação dos pães, na passagem em que Jesus tinha cinco pães e dois peixinhos para saciar aquela multidão. É por isso que nós nos inspiramos no pequeno, nos pequenos grupos. São comunidades simples, pessoas necessitadas, que se organizando e trabalhando em equipe, dá certo.
Não acreditamos que essas grandes esferas da sociedade, essas multinacionais, vão realmente responder àquela necessidade que está lá no final do Maranhão, lá no final do Amazonas, onde a própria comunidade, os próprios líderes, as pessoas envolvidas têm dificuldade em chegar.
Noticias.cancaonova.com – Quais os projetos e planos de ação da Pastoral da Criança diante desse quadro de fome no mundo, principalmente no Brasil?
Ir. Vera – Atualmente, a Pastoral da Criança acompanha 20% das crianças pobres brasileiras. Estamos presentes em todos os estados do país, em todas as paróquias e dioceses e, além disso, a Pastoral da Criança está presente também em 17 países fora do Brasil. E o nosso grande desafio hoje é diminuir a incidência de anemia entre as crianças e fazemos isso através da alimentação variada e enriquecida.
E a Pastoral da Criança realmente orienta as famílias, acompanha através das noções básicas de saúde, nutrição e educação. Nós trabalhamos realmente no controle das políticas públicas, ajudando às famílias acompanhadas a lutarem para que tenham seus direitos, ou pelo menos seus direitos básicos, que são a saúde, nutrição, educação e cidadania.
Em 2009, nós gostaríamos de aumentar o número de crianças acompanhadas. Queremos ter esse avanço e, por isso, pedimos que as pessoas façam a propaganda e convidem novas pessoas, novas lideranças, pessoas que se sintam chamadas a serem realmente discípulos e missionários de Jesus, para levar vida onde precisa. Nossa meta é que a Pastoral da Criança possa atingir pelo menos 50% das crianças pobres do país.
noticias.cancaonova.com – Como a Pastoral da Criança está encarando a atual crise econômica?
Ir. Vera – Diante dessa crise econômica, os primeiros afetados realmente são os nossos pobres e isso porque diminuiu muito a oportunidade de emprego e eles passam a ter menos acesso à alimentação e à moradia. Quando a gente vai visitar uma família, como aconteceu semana passada no bairro onde moro, a mãe teve bebê e, com um mês e meio, a mãe já teve que trabalhar porque o marido não tinha emprego. E então a criança fica sem mamar, fica na casa de outros para a mãe poder ir trabalhar. A falta de acesso à alimentação, à moradia, à casa própria, tudo isso é reflexo da crise econômica.
Diante disso, a Pastoral da Criança deve ficar atenta aos possíveis cortes dos recursos públicos. Temos esse momento forte em que ficamos atentos para que não haja esses cortes de recursos para o atendimento às famílias carentes. É inadmissível que uma gestante não possa ser atendida, que não tenha uma comida adequada para alimentar seu filho.
Eu quero agradecer a vocês por essa entrevista. Sabemos que a fome é uma dor muito grande e que há muito desperdício de comida pelo mundo a fora. Há muita insensibilidade em alguns lugares onde muitos passam fome. Eu quero pedir realmente que Deus os abençoe e abra o coração e as mãos dos que têm muito para que possam repartir, como fez Jesus na multiplicação do pão e, assim, todos tenham o suficiente para se alimentar.
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