Sacerdote diz que o amor de Deus se expressa sempre articulando o bem, o belo e o verdadeiro
Padre Anderson Marçal
Doutor em Teologia Pastoral Bíblico-Litúrgica
“O belo é o esplendor do verdadeiro”, disse Platão. Aqui está a origem de toda a reflexão sobre a beleza desde a Antiguidade grega até nossos dias. Ninguém ainda superou Platão. É dele o pensamento original que uniu em nós uma só palavra, kalokagathia – belo e bom – as duas vertentes ou facetas da mesma experiência humana.
Se Deus é amor, como proclama poeticamente o evangelista João em sua Primeira Epístola, podemos dizer que este amor se expressa sempre articulando o bem, o belo e o verdadeiro. Deve haver uma simbiose entre estes termos e na experiência que fazemos deles em nossa vida quotidiana.
Alguns criticam esta posição como idealista e que não corresponderia ao real e aos conflitos concretos da vida. Viver e não ter vergonha de ser feliz, cantada pelo poeta Gonzaguinha, não parece ser tão natural e simbiótico. Criar é exprimir nosso eu pessoal como expressão do bem e do belo que nos habitam interiormente. Sabemos que precisamos ver e contemplar para que a nossa palavra diga o que emerge de nossos corações.
São dois exercícios internos distintos. Um será realizado com os olhos físicos e a luz. O outro será algo muito mais profundo e vulcânico. Capaz de extasiar e mudar nossa vida completamente. Não há esquecimento para algo contemplado com os olhos do coração. Mas os humanos parecem desterrados em um vale de lágrimas onde vivem angustiados por uma profunda nostalgia que sonha com um paraíso ou Éden perdido.
Queremos voltar a identificar o belo e o bom. Queremos que seja verdade e que vivamos o tempo da criação primeira. Sabemos que o próprio do bem é o atrair-nos para o verdadeiro com nosso apetite voraz pelo infinito e felicidade. Sabemos também que o próprio do belo é o seduzir e ser seduzido, pois desejamos ser visitados pela graça e pelo êxtase.
Somos simultaneamente seres de desejo e de paixão. Seres que buscam o infinito e a transcendência e seres que querem ser visitados pelo Outro. Seres perfectíveis, mas repletos de imperfeições. Seres de beleza mergulhados em tantas feiúras e matéria informe. Somos como flores de lótus em um imenso lodaçal. Temos saudades da hora em que tudo se fez pelo canto mavioso do Amado. Assim, o livro do Gênesis falará daquele dia único, especial e fundamental: o dia da criação. Não é um dia como outro qualquer, como dito pelos teólogos da época patrística.
Queremos novamente ouvir aquela frase bíblica: “E Deus viu que tudo era Belo e Bom” . Como relata o teólogo Evdokimov este é para nós hoje novamente o dia que se manifesta como Alfa que já carrega em si mesmo o Omega .
Ficar perto da luz e iluminar-se com ela, eis a missão e meta de nossa viagem galáctica, histórica, pessoal e coletiva. Estar na luz é comungar da Luz divina e assim manifestar a beleza querida por Deus e contemplar a cada dia e na esperança a beleza de Deus. Por essa razão, o último livro na edição da Bíblia, ao afirmar a esperança, diante dos sofrimentos e das injustiças, proclama com audácia que “a noite não existirá, e ninguém mais necessitará da luz de lâmpadas nem da luz do sol, porque o Senhor Deus os iluminará e eles reinarão pelos séculos dos séculos”.