Coluna - padre Mário Marcelo

Padre comenta relação homem-animal à luz da teologia

Padre Mário Marcelo Coelho, scj

O uso de animais para pesquisas científicas: uma reflexão teológica

Acompanhamos, nos últimos tempos, o debate público sobre o uso de animais em experimentos científicos. Esse debate já vem acontecendo em vários países. No Reino Unido, em 2004, a Frente de Libertação Animal impediu, com ameaças e ataques, a construção de centros de testes com animais em Oxford e Cambridge. No Brasil, o debate sobre o uso dos animais em pesquisas “explodiu” após a invasão de um biotério, em São Roque (SP), ação que encontrou  muitos adeptos em nossa sociedade.

Para que a reflexão teológica possa contribuir e elaborar um juízo ético sobre a prática dos experimentos com animais, torna-se necessário considerar o lugar que a teologia atribui aos seres humanos em sua relação com os animais.

Segundo o Magistério Católico, os animais, enquanto criaturas, têm o seu próprio valor, que o homem tem o dever de reconhecer e respeitar. Deus o colocou junto aos animais para que, por meio destes, possa chegar ao seu desenvolvimento integral. “É o homem quem, desde sempre, governa as realidades terrenas, gerindo os outros seres, vivos ou não, segundo determinadas finalidades. É ainda na relação com o homem que se revela a medida axiológica (valor moral) de cada realidade existente, em desígnio universal harmônico e ordenado que indica toda a plenitude de compreensão da realidade” .Não existem dúvidas entre os teólogos sobre a soberania do homem imagem e semelhança de Deus na escala hierárquica da criação em relação aos animais. A dignidade própria da pessoa humana é dada pelo Criador e reconhecida por todos (Gn 1,28-29).

O homem sempre se serviu dos animais para as suas necessidades primárias (alimentação, trabalho, vestiário, etc.), numa constante relação de cooperação natural. Esta posição de domínio do homem sobre os animais “manifesta a superioridade ontológica do homem sobre outros seres terrenos; essa se funda sobre a própria natureza da pessoa humana, com suas dimensões de racionalidade e espiritualidade põem o homem no centro do universo, porque utiliza os recursos presentes (entre os quais os animais), de maneira sábia e responsável, à busca da autêntica promoção de cada ser” .

O uso dos animais com responsabilidade também é defendido pelos teólogos que avaliam a criação na Bíblia não numa visão antropocêntrica, mas numa perspectiva mais ecológica.Deus quer que o homem não somente domine e utilize o mundo animal, mas também dele cuide e adquira para isso os conhecimentos necessários (Conc. Ecum. Vat. II, GS, 36,2).

O homem deve agir de tal forma que os efeitos da sua ação não coloquem em risco a vida sobre a terra; que não haja a destruição de qualquer forma de vida. Que a ação do homem não destrua nenhuma possibilidade de vida no futuro. Todos os seres, de algum modo, participam da dignidade ética, e não apenas o ser humano. A dignidade ética não é exclusiva do ser humano mas de toda a natureza. Todos os seres participam, implicitamente, de algum grau da eticidade. Por isso, a exploração abusiva da natureza não é apenas uma questão tecnológica, é, antes de tudo, uma atitude antiética.

Com esta reflexão, como podemos avaliar as pesquisas que utilizam animais? Sabemos que em alguns casoso uso de animais ainda é inevitável, como testes de carcinogenicidade (capacidade de provocar tumores). Eliminar todas as cobaias implicaria impedir testes de segurança em novos inventos, muitos dos quais indicados para aliviar o sofrimento humano. Isso não significa autorizar cientistas a torturar, mutilar ou sacrificar quantos animais desejarem. O princípio ético deverá ser diminuir o sofrimento e o número de animais e investir em métodos alternativos capazes de oferecer os mesmos resultados que os testes sem seres vivos, que para muitos ficou conhecido, em inglês, como a regra dos três Rs: “replacement” (substituição), “reduction” (redução) e “refinement” (aperfeiçoamento).

O ideal é que os sofrimentos sejam reduzidos ao mínimo necessário com o objetivo de conseguir os resultados científicos, e que os animais sejam tratados com respeito;afirma o filósofo Peter Singer: “É preciso que toda a dor, sofrimento e estresse infligidos ao animal sejam reduzidos ao mínimo necessário para conseguir os resultados científicos e que eles sejam tratados com respeito”.

As leis devem exigir que o sofrimento dos animais usados em experimentos científicos seja o menor possível; que os animais sejam anestesiados antes dos procedimentos e que o número de animais seja reduzido o máximo e que sempre que possível, seu uso seja substituído por métodos alternativos. Nenhum animal deve sofrer.Experimentos em animais para a indústria dos cosméticos deverá ser impedida em todos os países.Toda instituição de pesquisa com animais deve ter uma comissão de ética composta por especialistas na área (biólogos, veterinários, zootecnistas, pesquisadores, etc.) e por bioeticistas.

Muito progresso está acontecendo com sistemas “in vitro”, como o cultivo de tecidos vivos para testar substâncias potencialmente tóxicas, com o objetivo de encontrar métodos que substituam o uso de seres vivos. Portanto, quando os animais são indispensáveis, cabe reduzir ao mínimo o número de espécimes e desenvolver métodos para prevenir sofrimento desnecessário. O que se afirmamos é que não se deve torturar e matar sempre que se possa evitar isso.

A defesa dos animais, que é importante, não pode prejudicar a defesa dos direitos humanos em particular o direito à saúde, entretanto, os avanços científicos não podem ser tomados como um valor superior e que justifique qualquer forma de tortura e sofrimento animal.

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