Padre Antonio Spadaro destaca os seis grandes desafios para o anúncio da fé no ambiente digital
Kelen Galvan e André Alves
Da redação
Evangelizar no ambiente digital é um dos grandes desafios da Igreja nos dias atuais, pois a internet trouxe mudanças culturais e também no próprio modo de o homem se relacionar.
O especialista em Cyberteologia, padre Antonio Spadaro, destaca que existem seis grandes desafios para o anúncio da fé no mundo digital, e para ter bom êxito é preciso, antes de tudo, compreender esse ambiente.
Nesse contexto, a internet não pode ser pensada como um instrumento para anunciar o Evangelho, mas um local de encontro com as pessoas. Desta forma, o empenho é entender como evangelizar dentro desse ambiente.
Sobre essa realidade, o consultor do Pontifício Conselho para a Cultura e Comunicação, padre Spadaro, também doutor em Teologia, mestre em Comunicação Social e escritor dos livros ‘Cyberteologia’ e ‘Web 2.0′, falou aos comunicadores da Canção Nova, nesta terça-feira, 29.
O primeiro desafio apresentado por Spadaro é a mudança da pastoral da resposta à pastoral da pergunta.
O sacerdote explica que, hoje em dia, as pessoas têm à sua disposição uma abundância de informações. “Vocês já tentaram digitar no Google uma pesquisa e perceberam que, enquanto escreve, o próprio site completa sua frase? Além de lhes oferecer mais de mil respostas?”.
O ponto é que tudo é resposta, afirma padre Spadaro. “Hoje, o problema não é encontrar respostas, mas saber fazer a pergunta”.
De acordo com o especialista, as pessoas não estão mais habituadas a fazer perguntas. Elas colocam uma palavra na internet e já têm uma lista de respostas; mas, diante de um mundo no qual tudo é resposta, o que elas não sabem é entender quais são as perguntas importantes.
Portanto, qual o desafio para o anúncio da fé nesse contexto? Padre Spadaro afirma que, até agora, os cristãos pensam no Evangelho como um livro que contém as respostas a todas as perguntas do homem, mas, diante da realidade atual, isso não basta mais. “No mundo em que tudo é resposta, se mostrarmos um livro que apresenta todas as respostas, o Evangelho será apenas mais um entre todos os outros”.
Com isso, os cristãos são chamados a apresentar o Evangelho como um livro que contém todas as perguntas fundamentais para a vida do homem. “Se o Evangelho não for apresentado como uma pergunta na sua vida, não terá nenhum gancho real; assim que chegar uma outra via mais interessante, ele será posto de lado.”
Padre Spadaro destaca que o Evangelho não é uma resposta fácil; então, é preciso criar o “terreno da pergunta”. “O homem de hoje tem necessidade de perguntas. A Igreja sabe envolver-se com as dúvidas e as perguntas dos homens? Sabe despertar as perguntas que estão no coração deles sobre a existência?”
Papa Francisco, na Evangelii Gaudium, número 155, escreve que não é preciso nunca responder as perguntas que ninguém se faz. O Santo Padre afirma ainda que é necessário saber se inserir no diálogo com os homens de hoje para compreender suas expectativas, dúvidas e esperanças.
Como segundo desafio, padre Spadaro destaca a mudança de um pastoral centrada em conteúdos para uma pastoral centrada na pessoa.
O sacerdote explica que, antigamente, as pessoas precisavam se submeter à lógica de programação da TV ou Rádio e esperar um horário definido para ver o programa que gostavam. Hoje em dia, com a internet, isso mudou. Elas têm à disposição os conteúdos e são livres para “pegá-los” a qualquer momento.
É como se vários conteúdos orbitassem ao redor da pessoa. Essa é a lógica dos nativos digitais. No centro está a pessoa e não o conteúdo, e ela não precisa mais se adequar à uma programação.
O risco da Igreja, hoje, é tornar-se um “container de informação”. O problema é todo esse conteúdo fornecido não tocar mais as pessoas.
“A comunicação da Igreja corre o risco de se tornar como uma televisão, um barulho de fundo que faz companhia, mas não toca verdadeiramente sua vida. Você cozinha, escreve… e a televisão está lá falando”, alerta padre Spadaro.
Segundo ele, a lógica da programação não funciona mais. “É o que está fazendo o Papa Francisco. Ele não é revolucionário nos conteúdos, ele fala do Evangelho, mas está conectando o conteúdo com as pessoas. Ou seja, respondendo a essa lógica centrada na pessoa e não no conteúdo”, esclareceu.
“Veja a expressão do Papa: ele não olha a massa, mas é tocado por cada um. Para ele, o conteúdo mais forte não é a palavra que ele diz, mas a palavra que encarna o seu sorriso, o seu abraço, o seu carinho…”, completou.
Para o padre, a mensagem sozinha não evangeliza, mas sim a relação que se cria, a mensagem do Evangelho que se encarna. “Colocar mensagens do Evangelho, florezinhas, santinhos nas redes sociais não é evangelização. Isso é muito meloso, é mostrar que ser ateu é belo. O segredo é criar relação”.
Dando continuidade, padre Spadaro, apresentou o terceiro desafio: passar da pastoral da transmissão à pastoral do testemunho.
Segundo ele, a eficácia da evangelização está em não comunicar informação, mas inserir conteúdos nas redes sociais que comuniquem a si mesmo.
“A única forma de passar uma mensagem é ser você mesmo. A fé não é uma mensagem neutra, deve envolver você. Evangeliza mais uma foto sua comendo pizza com seus amigos do que uma frase do Evangelho com um anjo sorrindo. Se vocês assumirem essa passagem, isso vai mudar radicalmente sua forma de evangelização”, opinou.
Nesse sentido, o consultor do Vaticano apontou o quarto desafio voltado para a proximidade entre as pessoas, comparada à parábola do Bom Samaritano. Trata-se de sair da pastoral da propaganda para a pastoral da proximidade.
“O bom samaritano não é um jornalista, mas é próximo, ele toca o outro. A imagem desse samaritano significa que devemos ser tão bons no uso dos meios a ponto de esquecê-los, comunicando o que nos toca fisicamente. O samaritano é a verdadeira imagem dos comunicadores”.
Segundo o padre, a comunicação não pode ser a pastoral que toma conta do rebanho, mas se transformar num apostolado que vai ao encontro das pessoas.
“Então, como anunciar Cristo nesse contexto?”, perguntou o sacerdote, respondendo em seguida: “Quando temos nosso perfil no Facebook, somos muito preocupados em colocar coisas e não escutamos o que os outros têm a nos dizer. Evangelizar, como Jesus nos ensina com os discípulos de Emaús, é inserir-se na conversação dos outros”.
O quinto desafio, segundo o padre, é converter a pastoral das ideias em pastoral da narração, visto que as pessoas estão interessadas em histórias e não em ideias. Ele explica que, em tempos de mídias digitais não é mais possível comunicar apenas frases, palavras que não nada significam, mas contar a experiência vivida com a mensagem.
“Se você fez a experiência com o amor de Deus, você não pode comunicar isso dizendo apenas ‘Deus é amor’. A única coisa que realmente toca são as histórias de vida, os testemunhos. As pessoas são tocadas pela narração da história da sua experiência com o amor de Deus”, explicou o sacerdote, enfatizando a criatividade como forte ferramenta de evangelização da geração Y.
“Temos de aprender a ser criativos. Se quisermos, de fato, entrar na vida das pessoas, temos de lhe contar histórias. As histórias convertem, não as ideias”, afirmou.
O sexto e último desafio se dá em torno da vida interior e da interatividade. Padre Spadaro explicou que não se trata de desprezar uma realidade e deter-se na outra. Ele considerou que os jovens de hoje tem uma grande capacidade para a experiência espiritual por meio da interatividade. “Se eles não interagem, eles não fazem a experiência”.
“Se você tem uma vida pobre, sua comunicação será pobre. Se você tem uma vida rica, sua comunicação será rica. Se você faz uma experiência da graça, então a comunicação será forte”, concluiu o sacerdote afirmando a relação entre a vida interior e a interatividade, muito presente nos nativos digitais.
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