O jornal Folha de S.Paulo realizou uma sabatina, ontem (26), com o Arcebispo Eleito de São Paulo, Dom Odilo Pedro Scherer. Ele toma posse no próximo dia 29, na Catedral da Sé. A entrevista de aproximadamente duas horas abordou diversas questões consideradas polêmicas, especialmente as que envolvem aspectos doutrinários e políticos da futura atuação do prelado.
O evento ocorreu no Teatro Folha, na região central da cidade de São Paulo, e contou com a participação da grande imprensa e de diversos veículos de comunicação, além de dezenas de leitores da Folha e religiosos.
Os principais temas abordados foram:
Uso de preservativos e doenças sexualmente transmissíveis: Para D. Odilo a Igreja não está interessada em difundir a AIDS em nenhum lugar, especialmente na África onde sua presença ainda é muito tímida. O foco deve estar na prevenção e no incentivo à pesquisa e à difusão de medicamentos para o controle do vírus. A melhor forma de se prevenir é o correto comportamento sexual, o combate à promiscuidade e o incentivo à fidelidade dos parceiros. Tais fatores constituem os critérios éticos e morais em relação à vida. A difusão da AIDS se dá por falta de conhecimento e instrução das pessoas.
Fuga de fiéis: Um fenômeno que não é exclusivo da Igreja Católica, mas também presente em outras igrejas tradicionais. Está ligado ao processo de urbanização e ao desenraizamento das matrizes do catolicismo rural. É um efeito esperado da modernidade na vida cotidiana dos fiéis que se deparam com a proliferação de novas experiências religiosas e uma maior autonomia na sua prática de fé. “A Igreja não mudou a sua doutrina porque segue a doutrina de Cristo”, diz Dom Odilo. Ela tenta se adaptar aos novos tempos, mas não tem autonomia para mudar a doutrina que recebeu dos apóstolos, apenas o método.
Valorização do Latim: A Igreja considera o latim a sua língua universal, um patrimônio cultural de interesse de todos. Houve uma má interpretação da Encíclica do Papa, que apenas sugere a utilização do latim em cerimônias comuns e globalizadas.
Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s) e Teologia da Libertação: Dom Odilo ressalta a importância histórica deste método de organização eclesial. Segundo ele, as CEB’s surgiram e se desenvolveram em um momento especial da vida política brasileira e cumpriram, de certo modo, o seu papel. Mas é preciso ampliar esse efetivo protagonismo eclesial para as paróquias, os movimentos eclesiais e as associações de leigos, que dispõem de reconhecimento jurídico de sua estrutura pelo Direito Canônico.
Quanto à Teologia da Libertação, o arcebispo entende que representou um movimento teológico que, como qualquer outro, nasce, cresce e tende a se amenizar. Segundo Dom Odilo, a antropologia marxista como instrumento de análise social serve à interpretação da fé, o que é complicado, já que seus pressupostos são materialistas e não transcendentes.
Política brasileira: D. Odilo entende que os últimos quatro anos foram repletos de avanços sociais, mas que não corresponderam aos anseios e necessidades do povo brasileiro. Apesar da economia estabilizada, o governo não conseguiu dar conta da complexidade das diferenças sociais e econômicas.
No caso da Reforma Agrária, o arcebispo diz que entende os motivos que levam os movimentos sociais a optarem por formas de pressão radicais, mas condena qualquer tipo de invasão ou ocupação à propriedade alheia. Em relação à corrupção, D. Odilo afirma que o problema é endêmico e histórico, desde os tempos coloniais, e que os critérios éticos devem ser aprimorados.
Ser um bom católico: O “bom católico” deve ter um relacionamento íntimo com Jesus Cristo e se fazer presente na comunidade de Fé, que convive e se orienta conforme a Doutrina da Igreja. De forma exemplar, íntegra, em uma vivência profunda da fé, da esperança, da bondade e, acima de tudo, da caridade. Segundo D. Odilo, esse é um tesouro que recebemos em vasos de barro. "Ser santo não é quem peca, mas é aquele que se arrepende e se reconcilia com Deus."
Segunda união de casais: “Partimos do seguinte princípio: o que Deus uniu o homem não separa”, diz o arcebispo. Para ele, o julgamento cabe unicamente a Deus; a Igreja não julga e nem condena. Ela quer acolher bem esses casais de segunda união e tenta orientar e encaminhá-los ao processo de nulidade do matrimônio que será analisado pelo Direito Canônico. No entanto, os casais de segunda união podem também viver em santidade.
Modernidade x Igreja: A Igreja, por muitas vezes, tem sido um “empecilho” para a modernidade. Na história da Igreja, todos os Papas foram colocados à prova e receberam diversas críticas. Bento XVI não é o primeiro e está fazendo um diálogo muito bom com a modernidade, que será melhor interpretado ao longo de seu pontificado.
Castidade e Celibato: D.Odilo acredita que viver a castidade é viver uma sexualidade de forma correta. "É algo simples", diz. A Igreja não condena e quer acolher a todas as pessoas para que possam viver o seu princípio fundamental, que é a vida em caridade e em união plena com Deus.
Também foram debatidos temas como a participação e a legitimidade de novas experiências eclesiais, como a Renovação Carismática Católica e a Opus Dei. Independente da especificidade de seus carismas, estas iniciativas não se opõem às ordens e preceitos da Igreja, sendo uma forma de atrair as pessoas conforme a aptidão de seus dons.