Entrevista

Jesus não chamou os padres para fazer coisas, explica arcebispo

“É sempre um erro da gente achar que cortar a oração nos leva a agir com mais proveito. É o contrário”. Em entrevista ao noticias.cancaonova.com,o Arcebispo de Brasília, Dom João Braz de Aviz, fala sobre a necessidade de intimidade com Deus, diante das inúmeras atividades do cotidiano.

“Jesus não chamou os padres para fazer coisas. Chamou para estar com Ele. E quem está com Ele, depois pode falar dele”, destacou.

Segundo Dom João, “o que nós precisamos é unificar a vida toda embaixo de um modo de viver espiritual. Isto é portanto, uma das coisas que estão sendo tratadas no documento de Formação Presbiteral: transformar também a ação junto com todos os momentos privilegiados de oração num caminho de mudança, de aprofundamento da vida com Cristo”.

Leia a entrevista na íntegra

noticias.cancaonova.com: Os padres, diante das inúmeras necessidades pastorais, correm o risco de viver um ativismo, e deixar em segundo plano sua necessidade de oração, intimidade com Deus. Como lidar com esta realidade?

Dom João: O cultivo da espiritualidade na vida do cristão, do discípulo de Jesus e, de modo particular, na vida do padre é algo fundamental, por ser ele que age em nome de Cristo, com um ministério próprio.

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Quando esta dimensão da vida sofre uma certa crise e, nós temos tido este problema na história última da formação, nestes últimos 50 anos, a gente sente que as coisas não andam bem.

O que nós precisamos é unificar a vida toda embaixo de um modo de viver espiritual, isto é portanto, uma das coisas que está sendo tratada no documento, transformar também a ação junto com todos os momentos privilegiados de oração num caminho de mudança, de aprofundamento da vida com Cristo. E isso unifica a vida da gente, porque a gente tem que estar nele. Jesus não chamou os padres, pra fazerem coisas. Chamou para estar com Ele, e quem está com Ele depois pode falar dele.

E você não fica com Ele se não houver dentro de você a dimensão de um diálogo constante. Vamos aprendendo isso devagar. Com o tempo, a gente nota que a própria experiência da oração, da espiritualidade vai se tornando uma exigência.

Do seminário para a vida presbiteral nós precisamos também de cuidado, porque no seminário tudo é bastante ordenado, disciplinado, e na vida do padre depois, ele tem que criar este momentos. Mas eu acho que nós estamos num bom ponto.

noticias.cancaonova.com: Concretamente, como o senhor vive seu relacionamento com Deus, em meio a tantos afazeres?

Dom João: Eu tenho uma agenda que é ótima, ela vira de ponta cabeça quase sempre, e quando a gente tem que retirar a própria agenda pra deixar entrar ‘outra agenda’ normalmente é porque Deus está pedindo uma coisa verdadeira e a gente tem que fazer. Então, isso é um exercício que a gente faz se estamos acostumado a obedecer a Deus, senão não fazemos.

Outra coisa,na minha vida pessoal, sinto que quando diminuo os momentos de oração específicos, sofro depois no conjunto das minhas ações, isso é matemático.

Então, é sempre um erro da gente achar que cortar a oração nos leva a agir com mais proveito. É o contrário. Cortar alguma coisa leva a gente a agir com mais profundidade, porque não deixamos a oração e a união com Deus. Agora isso é um exercicio que tem que ser amoroso, não pode ser feito como uma norma, impor sobre a pessoa. Ela vai amadurecendo, mas precisa chegar a isso.

Celebrar a Missa, por exemplo, todos os dias, as vezes estou até sozinho porque não tenho a Missa fora, mas eu nunca deixei de celebrar, nunca. Depois quando a gente tinha a oração da liturgia das horas, o ofício das leituras, que é uma coisa tão linda que traz de volta as meditações sobre os padres da Igreja. O terço, que é uma oração tão simples, você pode rezar em todo lugar. A meditação da Palavra de Deus feita com uma certa constância, uma certa ordem.

Isso é que alimenta depois uma vida fraterna, que é tão importante. Porque se a gente não parte dessa vida espiritual, não consideramos o outro como irmão e como irmã. Você começa a abusar e mandar, ou subjugar o outro, você não estabelece o relacionamento maduro, de quem é irmão, de quem respeita, de quem espera, de quem perdoa, de quem recomeça.

Mas isso você faz se tem uma alma interior. Não é uma coisa dita que a gente consegue e depois não tem. Não, a gente vai conseguindo num diálogo com o Senhor. É devagar.

Tem horas que a oração é serena, tem hora que é agitada, tem horas que é muito dura. As vezes a gente fica ali como se fosse algo que parece absurdo, mas é aquele momento, e a gente sabe que é aquele momento.

É uma experiência que a gente vai aperfeiçoando, eu acho que voltar a esta capacidade de espiritualidade, de união com Deus, é impontantíssimo, senão nosso ministério episcopal não tem sentido, não teria como nós vivermos. Sem isso nós somos um absurdo.

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