Brasília

Homilia da Missa de abertura da Assembleia Geral da CNBB

“Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou”. Essas palavras de paz dirigidas por Jesus a Seus discípulos no discurso da Última Ceia, que acabamos de ouvir no Evangelho, constitui a nós bispos um momento de grande alegria e um ponto privilegiado de reflexão como sucessores dos Apóstolos ao celebrarmos a Eucaristia no início da 48ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Estas expressões estão em sintonia com aquelas que Cristo, ao entrar a portas fechadas no Cenáculo na tarde da Páscoa, disse: “A paz esteja convosco”.

Eminências, excelências, irmãos no episcopado e irmãos e irmãs em Cristo, com estas mesmas palavras pascais desejo saudar a todos aqui presentes neste solene rito Eucarístico com afeto fraternal e profunda comunhão na minha qualidade de núncio apostólico representante de Sua Santidade, o Papa Bento XVI, no Brasil, honrado e grato pelo convite formulado pelo excelentíssimo presidente da CNBB, Dom Geraldo Lyrio Rocha, convite que me permite encontrar novamente o episcopado brasileiro, celebrar a Eucaristia e expressar a minha sincera gratidão pela sua ação pastoral no Brasil, as quais pude constatar nas inúmeras visitas pastorais de tomadas de posse, celebrações comemorativas, assembleias e encontros ao longo de minha missão eclesial diplomática.

A visita a “Ad Limina Apostolorum” manifesta ainda mais o seu afeto episcopal e a sua comunhão para com o Santo Padre e com a santa Igreja espalhada pelo mundo. Buscando as palavras de Jesus, ditas pelo celebrante na oração do rito da comunhão: “Senhor Jesus Cristo, dissestes aos vossos Apóstolos: ‘Eu vos deixo a paz, eu vos dou a minha paz’”, neste momento nos introduzimos na profundidade da identidade messiânica de Jesus Cristo, que se revela Príncipe da paz e Cristo nossa paz e nos convida a refletir ainda mais o verdadeiro significado da paz, tão desejada e querida por todos neste mundo violento e desorientado. ”Shalom”, paz para os judeus, não é simplesmente um saudação habitual, como quer significar também na linguagem de hoje no âmbito comum e profano. Os judeus, de acordo com a própria fé e cultura, provindas das Sagradas Escrituras, atribuíam ao termo “shalom” um significado mais profundo, podendo ser resumido assim: a plenitude da vida e da salvação, a perfeição e a felicidade como realização de todos os desejos humanos, as esperanças messiânicas, incluindo a conquista definitiva da comunhão com Deus, cujo componente essencial do bem supremo é a paz como presença de Deus no meio do povo.

Jesus, ao falar de paz e dizer “Eu vos deixo a paz, eu vos dou a minha paz”, entra na perspectiva bíblica e se define como protagonista e realizador das expectativas messiânicas. Ele, o Messias, o Filho de Deus feito homem, despediu-se dos discípulos na Última Ceia utilizando a forte expressão, a qual vai além de toda a simples saudação: “Eu vos deixo a paz, eu vos dou a minha paz”. Cristo qualifica a paz como um dom, ela não resulta da literatura profana, nem nas Sagradas Escrituras na linguagem tão direta em primeira pessoa como estas proferidas pelo Senhor. Aqui, como em outros temas, consideramos Paulo, Abraão, Moisés, na remissão dos pecados, Jesus se lhes atribui os poderes de Deus, em primeira pessoa, não foi condenado à morte por se igualar a Deus, por se declarar Filho de Deus. A partir deste evento o termo “paz” não é uma simples palavra de conveniência ou de protocolo formal nas saudações, nas despedidas. É uma significativa expressão de salvação escatologia oferecida por Ele aos homens e às mulheres de todos os tempos através do ministério da Igreja ao longo dos séculos. Justamente podemos dizer que Jesus é nossa paz, porque Ele é o único Salvador e Redentor, que, com Sua presença e salvação, instaura e garante a paz no mundo. Nesse sentido entendemos melhor a saudação de Nosso Senhor Jesus Cristo, depois da Ressurreição, ao aparecer aos apóstolos: “A paz esteja convosco”. Com Ele, o Cristo ressuscitado, a paz é estabelecida e se torna uma paz operante no mundo, como um dom duradouro e permanente. Jesus, no respeito da liberdade humana, não impõe a paz que Ele dá anuncia o dom da paz e defini o tipo de paz, a paz de Jesus é a sua paz. Aquilo que Ele dá aos Seus discípulos determina o tipo de paz. Passando a contrapor a Sua paz àquela que dá ao mundo, Jesus diz: “Não vou lhes dar como o mundo a dá”. Querendo estigmatizar insistentemente que a paz do príncipe deste mundo, satanás, é oposta à Sua. Este tipo de paz está para acabar, porque foi decretado o juízo do mundo e a caída de seu príncipe.

A vitória de Cristo sobre o maligno aconteceu com a Ressurreição e a partir dela foi inaugurado um mundo renovado, do qual a luz e a vida circundam em abundância e a graça da redenção está nascendo no universo, que geme as dores do parto para o seu regaste final. O mundo regenerado pelo Sangue de Cristo e constituído como nova criação se torna consequentemente o espaço e o tempo da ação dos cristãos, que não são deste mundo, mas estão no mundo para dar testemunho da Palavra e da Pessoa de Cristo, que nos assegura a vida e a felicidade para sempre. A inauguração dos novos tempos indica que o mundo ferido pelo pecado, em contínua e incessante gestação para uma definitiva redenção, continuará até os fins dos tempos experimentando a sua realidade terrestre, cósmica, conflitos, guerras, homicídios, roubos, injustiças, violência, desastres naturais e ameaça da destruição planetária. É o tempo da Igreja, é o nosso tempo em contínua tensão entre o bem e o mal, entre Cristo nossa paz e o mundo em busca permanente de paz, de progresso, de felicidade.

É tempo da Igreja no Brasil nos seus contrastes gritantes de situações de violência, de injustiça, de corrupção, de desigualdades sociais, que, a partir de Aparecida em 2007, adere com todas as suas forças a missão continental de evangelização lançada no âmbito latino-americano e caribenho. Como é proposto, neste ano, a Assembleia Geral da CNBB tratará o tema central: “Discípulos e servidores da Palavra de Deus e a missão da Igreja no mundo”. O Concílio Vaticano II, na constituição pastoral, enfrenta o tema da paz e da sua promoção na comunidade internacional e apresenta os conceitos básicos sobre a natureza da paz. Conceitos iluminados pela revelação da Igreja. A paz, disse o mesmo concílio, não é simplesmente a ausência da guerra, não se reduz apenas ao equilíbrio entre as forças abertas, é obra da justiça, fruto da ordem que o Divino Criador estabeleceu e que deve ser realizada pelos homens. A paz nunca se alcança de uma vez para sempre antes de ser edificada em Cristo. A paz terrena, nascida do amor ao próximo, é imagem e efeito da paz de Cristo, vinda do Pai, pois o Filho encarnado e Príncipe da paz reconciliou com Deus todos os homens pela cruz.

O Papa Paulo VI, em 1967, acolheu o ensino conciliar [referente ao Concílio] e respondeu ao desejo mundial de paz naquele momento à beira de um conflito mundial nuclear com a instituição da Jornada Mundial da Paz a ser celebrada em janeiro de cada ano. A recente celebração da Jornada Mundial da Juventude, em janeiro de 2010, que foi a 43ª edição, teve como tema “Se queres cultivar a paz, preserva a criação”. A centralidade de Cristo na história se opõe, hoje mais que no passado, ao antropocentrismo dominante e agressivo do pensamento filosófico e da ciência, que não se limita às esferas intelectuais ou tecnológicas, mas desce rapidamente no meio de gente comum e se torna hábitos de vida. Este modo de pensar é subjacente às formulações recomendadas em sedes internacionais, obrigando os Estados membros das organizações internacionais a adotá-las no próprio país como normas a implementar. Com consequências devassas, sobretudo nos assuntos da vida, da dignidade da pessoa humana, da liberdade de expressão e de religião, da salvaguarda das instituições como o matrimônio, a família, um conceito de gêneros deturpando e mudando o real significado dos termos que constitui a substância da Carta Magna dos Direitos Humanos.

A Igreja sabe que Jesus chamou de bem-aventurados os construtores da paz e é consciente também de que os discípulos não são maiores que o Mestre e podem ser perseguidos e padecer sofrimentos, levando-os à cruz, o que não é um partido inútil ou uma derrota total do trabalho e do esforço que eles passam na própria missão. Eles sabem que a doação apostólica, com suas aflições, lá está para levar esperança, melhorar as condições de vida, dignificar as pessoas, oferecer-lhes uma vida melhor aqui, e sobretudo, a certeza de viver para sempre como resposta verdadeira e última aspiração de todo o homem e mulher.

A Igreja hoje atravessa um momento de profunda tristeza e amargura, suor de sangue com dor e sofrimento, figurando nas páginas dos jornais e de outros meios de comunicação, exposta ao público pelas fraquezas de alguns de seus membros qualificados, os quais foram responsáveis de pecados e crimes gravíssimos, passivos de juízo diante de Deus e dos tribunais. Estamos cientes de que é tempo de purificação e de penitência. Acompanhamos, com clareza, os pastores e os superiores maiores estão convidados a tomar de imediato as medidas adequadas e instruídas pela Santa Sé para aplicar as penas correspondentes aos responsáveis pelos crimes cometidos no território ou nas áreas de próprias competências. Somos todos solidários para fazer frente a qualquer tipo de especulações e, sobretudo, sempre unidos ao Santo Padre, atingido em primeira pessoa por uma campanha orquestrada e perversa. Todavia, estejamos bem certos e firmes de que esta onda tempestuosa vai passar e a santidade da Igreja permanece intacta porque é santa por Jesus Cristo. Santos são os inúmeros homens e mulheres que são venerados nos altares pela imensa multidão de cristãos que vivem a própria vida na fé, no ministério, na boa conduta moral, na fidelidade, na honestidade em família, no trabalho e nas múltiplas atividades humanas.

Nesta grande luta que enfrentamos, a cada dia, em nosso meio, temos a certeza de que Jesus está conosco. O Congresso Eucarístico Nacional, que dentro de poucos dias será celebrado aqui em Brasília, tem como lema “Fica conosco, Senhor”, isso nos atesta que não estamos sozinhos na batalha pela fé e pelo amor de Deus ao próximo no nosso trabalho pastoral, nesta luta cotidiana de viver mais e mais segundo a lei do amor de Deus. Não estamos sozinhos a enfrentar os desafios dos tempos contemporâneos, que urgem empenho, sabedoria, entusiasmo, energias e iluminações do Espírito Santo. O desejo pulsante dos discípulos de Emaús que disseram: “Fica conosco, Senhor” é nosso desejo, nossa vontade, nosso ardor missionário de discípulos de Cristo. E a Eucaristia é nosso alimento espiritual e nossa força para enfrentar todo o mal, todo o perigo e todas as adversidades. Não fiquemos tristes diante do sofrimento, Jesus está ao nosso lado e é fiel e patrocina a nossa causa diante de Deus Pai, compassivo e misericordioso.

Quero agradecer às palavras de Dom Geraldo para comigo e por sua adesão, em nome de todo o episcopado, à comunhão com o Santo Padre. Quero também agradecer à presença de Dom João Braz de Aviz, que nos hospeda aqui em Brasília, quero saudá-lo afetuosamente. Finalmente, quero dirigir-me aos novos bispos que rodeiam o altar e participam pela primeira vez da Assembleia Geral Ordinária da CNBB: sintam-se bem acolhidos e recebidos com um abraço fraternal no início do seu pastoreio nas diferentes dioceses do Brasil. Jesus, o Bom Pastor, seja sua referência, seu modelo e seu guia no exercício do ministério episcopal. Sei que estão ainda experimentando o temor da primeira notícia e sabem que a graça de Deus é grande e serão recompensados pela sua generosa disponibilidade para servir a Igreja. Seu primeiro contato com a Igreja, que lhes foi confiada, foi uma graça, uma experiência divina de grande afeto, devoção e incondicional colaboração com o clero e com os fiéis e já estão trabalhando nas atividades pastorais, assistidos pelo Espírito Santo. Faço votos que se sintam mais animados e encorajados a servir com zelo a Igreja e unidos em comunhão com o Santo Padre e com os irmãos bispos da missão com o dom de pregar o Evangelho.

A todos os bispos presentes eu faço votos que esta Assembleia Geral possa ser profícua e que a graça de Deus entre nos seus corações e a iluminação do Espírito Santo possa lhes dar verdadeiramente a força para conduzir o pastoreio em suas respectivas dioceses. Que Nossa Senhora Aparecida proteja a todos!

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