Apesar de fazer parte do cotidiano do brasileiro, reclamar excessivamente não é saudável; veja como reverter esse hábito e como ele afeta muitas pessoas
Julia Beck
Da redação
Uma queixa ali, outra aqui. Pode ser pelo calor, pelo frio, por um alimento pouco apetitoso, uma situação desgastante com o cônjuge ou familiares, uma dificuldade no trabalho. Independente do motivo, a reclamação pode se tornar um péssimo aliado para a saúde mental e física quando se torna um hábito do dia a dia – não só de quem reclama, mas de quem ouve também.
A psicóloga Marcela Mendes Sfair Fortes explica que as reclamações fazem parte do vocabulário cotidiano do brasileiro. Porém, o hábito de reclamar excessivamente não é saudável, afasta familiares e amigos, gera perdas de oportunidades de formar novos vínculos afetivos em razão da negatividade.
“Claro que reclamar é uma forma de expressão que pode sim contribuir para o bem-estar do indivíduo, funcionando como uma válvula de escape e alívio frente a situações problemáticas. A grande questão é quando vira um hábito crônico” – Psicóloga Marcela Mendes
Como afeta a saúde mental?
Segundo a especialista, reclamar demais acaba afetando a saúde mental do indivíduo em vários fatores. Aumenta o estresse, a ansiedade e a sensação de impotência. O corpo fica mais fatigado e o indivíduo sente um cansaço constante.
As reclamações causam prejuízo da memória. Marcela frisa que estudos indicam que reclamar demais afeta o hipocampo, região do nosso cérebro conhecido como sede da memória. “Assim, quem reclama demais apresenta mais dificuldades de se lembrar de acontecimentos passados”, acrescenta.
Ela comenta que o excesso de lamentações também dificulta a busca por soluções para os problemas. “A pessoa fica mais focada nas dificuldades do que na possibilidade de superação. E isso gera mais frustrações e reclamações”.
Raiz na frustração e na tristeza
O jornalista e âncora do Canção Nova Notícias da TV Canção Nova, Reinaldo César Puccini, recorda que já foi um sujeito bastante “reclamão”, principalmente durante sua juventude. Ele acredita que mesmo esse hábito fazendo parte da natureza humana, algo precisa ser feito para frear essa prática.
Ele recorda que os motivos de suas reclamações eram os desconfortos sentidos quando suas escolhas fracassavam. “Isso me causava irritação, trazia incômodo e mal-estar. Quando algo não dava certo, ficava frustrado, com raiva e tristeza”, conta.
A mudança aconteceu quando o jornalista percebeu que não tinha êxito em alguns projetos que buscava empreender ou das atividades das quais participava. “Tive a certeza de que precisava mudar completamente o rumo de minha vida, ou não venceria em minha jornada”, lembra. Com o apoio de amigos e familiares, ele revela que decidiu fazer pequenos ajustes diários.
“Era uma questão de sobrevivência! Foram anos de luta, suor, lágrimas e perseverança. Não desisti de mim! Cheguei a um ponto de reintegração e as coisas melhoraram bastante, graças a Deus”.
Ninguém está imune
A reclamação afetou negativamente a vida das pessoas próximas a Reinaldo e sua própria vida, por isso o jornalista mudou o rumo. “Não ter encontrado soluções, quando ainda murmurava repetidamente, me fez repensar de forma ampla e profunda minhas ações e comportamento”, sublinha.
O jornalista passou a canalizar sua energia para ações concretas, palpáveis. Sua estratégia foi adotar outra postura: sair do automatismo e eliminar muitas coisas que não eram boas. No entanto, ele alerta que é preciso estar constantemente vigilante para não ser contaminado pela ‘centelha da reclamação’, novamente.
“Ninguém está imune a este vício, mas nos esforçamos para ser pessoas melhores e mais sensatas, passamos a vivenciar a espiritualidade”, afirma.
Convivência com quem reclama
Conviver com pessoas que reclamam o tempo todo não é nada fácil, pontua a psicóloga. “Parece que estamos sempre embaixo de uma nuvem de coisas negativas”. Ela reforça que algumas abordagens podem ajudar a minimizar o impacto disso e contribuir para uma mudança no comportamento do “reclamão”.
Primeiro, Marcela indica empatia com quem reclama, mas também o estabelecimento de limites. De acordo com ela, ouvir com empatia pode ajudar, mas é preciso deixar claro que a conversa não pode ser dominada por reclamações constantes. Isso pode ajudar a direcionar a conversa para tópicos mais positivos.
“Ofereça uma perspectiva diferente redirecionando a conversa para possíveis soluções. Ajudar a pessoa a perceber que existem outras maneiras de encarar o problema pode aliviar a intensidade da reclamação”, afirma.
Depois, a especialista incentiva a abordagem de tópicos mais positivos. Conversas sobre histórias ou notícias boas podem ajudar a pessoa a encontrar algo de bom em sua vida, por menor que seja.
Outro ponto de destaque é o cuidado consigo mesmo. A psicóloga alerta: “Caso a reclamação constante de outra pessoa afete a sua saúde mental, é imprescindível estabelecer limites saudáveis e se dar o direito de se afastar da situação quando necessário”.
Lidando com a reclamação
A psicóloga acrescenta que parar de reclamar excessivamente pode ser um desafio, mas, com paciência, é possível transformar esse hábito negativo em uma maneira mais construtiva de lidar com as situações.
A primeira dica para reverter essa prática é pensar antes de reclamar. “Reflita sobre o que a reclamação vai ajudar na resolução desse problema. Tente ficar mais atento ao que você está sentindo”. Ela ressalta que praticar a gratidão no dia a dia pode ser interessante. “Reserve alguns minutos do seu dia para refletir sobre as coisas pelas quais você é grato, mudando o foco para o que você tem de bom, ao invés de olhar para o que está faltando”.
Ao invés de somente reclamar, Marcela aconselha a concentração em soluções para os problemas. A prática do autocuidado também é defendida. “Em muitas situações, as pessoas reclamam demais porque estão extremamente estressadas, cansadas ou sobrecarregadas. Então é preciso cuidar da sua saúde física e mental”, destaca.
Outro desafio é compreender que não é possível controlar tudo. A psicóloga reforça que não dá para controlar todos os eventos e pessoas, por isso a necessidade da aceitação daquilo que está fora do controle.
Por fim, ela frisa a paciência. Com o tempo e a prática dessas estratégias, a psicóloga acredita ser possível mudar o foco.
“Mudar um hábito leva tempo e você precisa se permitir errar durante esse processo! Se você perceber que está reclamando constantemente não se critique demais, mas encare como uma oportunidade de aprender e evoluir” – Psicóloga Marcela Mendes
Alerta para doenças e transtornos mentais
O pessimismo crônico, pensamentos negativos e a falta de autoestima também são sintomas de depressão e ansiedade, alerta Marcela. Diferenciar um hábito comum de reclamar de um sintoma psicológico muitas vezes não é fácil.
A psicóloga sublinha que o ideal é procurar ajuda de um profissional para fazer uma avaliação e ajudar a pessoa a encontrar maneiras mais saudáveis de lidar com suas emoções.
Um combate do Padre Jonas Abib
A murmuração, muito “próxima” da reclamação, foi algo firmemente combatido pelo fundador da Comunidade Canção Nova, Padre Jonas Abib – falecido em 12 de dezembro de 2022. A cantora católica e missionária da Canção Nova Rogéria Moreira (popularmente conhecida como Rogerinha) recorda o que motivou o sacerdote a se posicionar contra essa prática: um trecho bíblico.
“Quanto ao mais, irmãos, ocupai-vos com tudo o que é verdadeiro, digno de respeito ou justo, puro, amável ou honroso, com tudo o que é virtude ou louvável. Praticai o que de mim aprendestes e recebestes e ouvistes, ou em mim observastes” (Fp 4,8-9).
Segundo Rogerinha, Padre Jonas dizia que é preciso realmente vivenciar aquilo que é bom, verdadeiro, que vai edificar e não rebaixar alguém. O que de fato precisava ser dito, ele pedia que fosse feito de forma caridosa. A murmuração, prossegue a cantora, era vista pelo presbítero como um veneno que entra nos corações, corrompe e destrói.
A partir dos ensinamentos do fundador da Canção Nova, a missionária conta que lida com a murmuração de duas formas: confissão e oração. “Quando percebo que estou reclamando, sempre procuro me confessar, principalmente os julgamentos, que às vezes não são ditos, mas muitas vezes pensados”. Em suas orações, ela comenta que reza pelas pessoas que a fizeram mal para que Deus amenize o ressentimento, a mágoa e a ira.
Posicionamento que virou documento
Há um documento interno da Canção Nova sobre o tema, denominado “Murmuração nunca mais!”, escrito pelo Padre Jonas e até hoje utilizado na formação dos missionários da comunidade. Rogerinha, que trabalha neste setor, revela que estes e outros textos deixados pelo sacerdote são reverberados.
Neste documento, ela frisa que a associação da murmuração a um veneno é clara. “Padre Jonas diz que a murmuração é um veneno que vai adentrando, que vai tomando conta, que vai apodrecendo por dentro cada um de nós. Ele também dizia que ela fecha os canais da providência nas nossas vidas. Então, quando nós estávamos reclamando demais, murmurando demais, sempre o Monsenhor Jonas nos orientava a buscar a confissão”, assinala.
Além da confissão, a missionária afirma que o sacerdote sempre incentivou a transparência e a partilha. “Eu preciso estar com meu irmão e ser transparente com ele, com aquilo que não ficou claro, para não se gerar murmuração e reclamação no meio de nós”, explica. Quando, por algum motivo, não for possível adotar essas ações, ela revela que o indicado é a confissão, a busca por reconciliação e perdão para destruir toda e qualquer forma de ódio e ressentimento.