A Encíclica Laudato Si´, do Papa Francisco, completa cinco anos e continua a propagar o chamado à Ecologia Integral e às mudanças socioambientais
Liliane Borges
Da Redação
A Encíclica Laudato Sí, do Papa Francisco completa, neste domingo, 24, cinco anos de publicação. Ela tem sido citada em diversas reflexões sobre os cuidados ecológicos. O documento foi bem recebido pela opinião pública internacional e por alguns especialistas chamada de “encíclica verde”, devido ao seu conteúdo de alerta à degradação do meio ambiente. Mais do que isso, a Encíclica aponta uma relação de respeito e conscientização do homem que caracteriza a Ecologia Integral.
Um documento denso que aponta um caminho de comprometimento dos cristãos católicos para o cuidado com a Casa Comum. O bispo auxiliar de Belo Horizonte, Dom Vicente Ferreira, destaca alguns passos para a prática proposta do Documento pontifício. Ele é membro da Comissão Especial sobre Mineração e Ecologia Integral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
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O primeiro passo, de acordo com Dom Vicente, é a atitude corajosa de reconhecer que estamos em um planeta doente. Por vários aspectos: climático, perda da biodiversidade, tragédias criminosas no extrativismo em nome do lucro, questão das pandemias, da injustiça social, da escassez de água, contaminação do mar.
O segundo passo é a contemplação e a compreensão de que todos têm responsabilidade. “Há um capítulo muito bonito da Laudato Si que se chama o ‘Evangelho da Criação’, de que Deus cria-nos para cuidar de um paraíso e não para destruir. Isso faz parte da nossa vocação humana dada por Deus, co-criadores, ou seja, aqueles que participam da obra da criação, e então nós somos chamados a zelar por essa obra, aperfeiçoar essa obra e não destruí-la”, adverte.
Por isso, um terceiro passo – salienta Dom Vicente – é assumir processos de conversão, deixar o estilo de vida consumista , egoísta, que acumula e mata. “A gente precisa se converter, inclusive para ter uma vida mais simples. Veja aí essa pandemia, já tem muita gente querendo voltar ao normal e a gente se pergunta: ‘a que normal?’ Normal da pobreza, da injustiça da destruição do planeta. Nós temos, na verdade, é que inventar uma nova cultura parecida com o Reino de Deus, com a igualdade, com o paraíso sendo cuidado”, propõe o bispo.
“Nós somos chamados a zelar por essa obra [a Criação], aperfeiçoar essa obra e não destruí-la”
Dom Vicente
Por fim, de modo a assumir essa ecologia integral, é necessária a dimensão do encantamento, do louvor. “O Papa no final da encíclica, cita Maria, o mistério da Santíssima Trindade, que participa da obra da criação. Precisamos viver neste mundo como um grande louvor, um encantamento por todos os seres, porque tudo está interligado e, assim,descobrir esta ética do cuidado e do encantamento”.
Leia na íntegra
.: Encíclica Laudato Sí, sobre o Cuidado da Casa Comum
O homem e a conversão ecológica
A Igreja, em sua doutrina social, destaca que na origem do cenário de degradação ambiental em que se vive hoje está a dominação humana, que por meio de uma exploração inconsciente faz crescer os estragos e, assim, o desiquilíbrio ecológico do qual temos sido testemunhas.
Na Laudato Si’, o Papa Francisco aponta este comportamento como “antropocentrismo despótico”, uma errônea interpretação do mandamento do livro do Gênesis, quando Deus dá ao homem e mulher a tarefa de “dominar a terra”.
Francisco pede mudança no estilo de produção e consumo, de forma a combater o uso comandando pela avidez de lucro, que não tem o homem como principal objetivo (LS 26;138; 191). O Papa retoma o termo utilizado por João Paulo II e propõe uma “conversão ecológica” (LS 216-221).
A este respeito, Dom Vicente propõe que a Igreja deve assumir também isso como um processo de nova evangelização, desde a catequese, passando pela conscientização das famílias, pela educação, pelas formação das novas gerações, dos adolescentes e dos jovens. “Se não, de que adianta a gente pregar o evangelho se nós estamos bagunçando com a Casa que Ele nos deu ?”, questiona.
De acordo com o bispo, “nossa casa comum” está desarrumada, padecendo pelo egoísmo, por uma economia que só pensa no lucro, padecendo pelos crimes, pelas tragédias. A partir dessa consciência, é preciso buscar uma transformação e entender a fé como ponte para a transformação socioambiental, e assim proporcionar a “conversão ecológica que nos pede o Papa Francisco no documento”.
Brumadinho: exemplo do egoísmo humano apontado pelo Papa
Dom Vicente Ferreira é testemunha de uma das maiores tragédias ambientais dos tempos atuais, conhecida por Tragédia de Brumadinho. O rompimento da barragem da mineradora Vale, em Brumadinho, região metropolitana de Belo Horizonte (MG), no início da tarde do dia 25 de janeiro de 2019, causou uma grande avalanche de rejeitos de minério de ferro. Casas, plantações, criações de animais desapareceram no mar de lama e 272 pessoas morreram, centenas ficaram desabrigadas e a contaminação causada ao meio ambiente é irreversível.
“A tragédia-crime de Brumadinho é exatamente um exemplo daquilo que está na Encíclica sobre essa crise ecológica, que está ligada também a uma crise ética aguda”
Dom Vicente
“A tragédia-crime de Brumadinho é exatamente um exemplo daquilo que está na Encíclica sobre essa crise ecológica, que está ligada também a uma crise ética aguda. Porque uma sociedade ávida pelo lucro acaba trazendo essa grande desigualdade social. Eu sempre digo que Brumadinho não é um assunto local apenas, é um exemplo global, mundial. É o resultado de um extrativismo que só pensa no lucro, que passa por cima, inclusive, das comunidades, e só pensa em recolher esse bem, essa riqueza que nós temos e que vai ficar nas mãos de poucos e deixar um grande estrago nas comunidades”, denuncia.
O bispo recorda também a destruição do rio Paraopeba que acabou influenciando também o rio São Francisco, e assim muitas comunidades continuam sofrendo os efeitos do rompimento da barragem. “As famílias não estão conseguindo sair de seu luto. As complicações por reivindicações, as divisões nas comunidades, isso tudo é muito triste. De fato, a experiência que eu tenho em Brumadinho me revela que ali está um exemplo concreto, infelizmente, daquilo que a Laudato Si´ denuncia e pede que nunca mais aconteça, ou seja, que a gente mude a nossa forma de lidar com o meio ambiente”, alerta.
Um olhar para a Amazônia
Segundo Dom Vicente, que é secretário da Comissão Especial sobre Mineração e Ecologia Integral, no contexto da Encíclica, o Sínodo sobre a Amazônia – realizado no Vaticano em outubro de 2019 – trouxe grandes reflexões para a questão da Casa Comum e a defesa desta fonte de riqueza que é propriedade de todos.
“Riqueza que vai nos ajudar a ter um planeta mais saudável, que nos ajuda todos os dias e também riqueza das comunidades indígenas que moram neste território. Então é um louvor muito grande por este Sínodo da Amazônia que aconteceu, pelo documento “Querida Amazônia” que o Papa Francisco nos deu”, afirma o secretário. Mas de acordo com ele, é preciso reconhecer que, ao mesmo tempo em que há esperança, depara-se com politicas que estão contrárias à vida, aumentando o desmatamento, desprotegendo as comunidades indígenas e quilombolas.
Frutos da Laudato Si´
Além da nova forma de enxergar a questão socioambiental, a Encíclica gerou diversas iniciativas pelo mundo, tamanha boa aceitação e diretrizes concretas. No Brasil, segundo Dom Vicente, estão nascendo propostas muito bonitas. “Eu gostaria até de reconhecer que a Comissão especial de Ecologia Integral e mineração da CNBB nasceu como fruto da Laudato Si´, comissão da qual eu sou secretário, tem feito um trabalho muito interessante”.
O bispo aponta também a “Rede Igrejas e mineração”, que é uma rede internacional; várias dioceses formando seu grupo de trabalho sobre ecologia integral. “Nós temos hoje a economia de Francisco e Clara que é essa questão dos jovens, movimentada pela igreja e pelo Papa para repensar a economia, pacto pela educação. Isso tudo parece estar interligado a este grande movimento de repensar a nossa Casa Comum”, conclui.