Padre Joãozinho recorda, em seus artigos, ensinamentos do pontificado de Francisco; nesse mês, o foco é para a entrega total de Jesus na Cruz
Pe. Joãozinho, scj
João Carlos Almeida – Teólogo e educador
No dia 29 de maio de 2013 o Papa Francisco escreveu no Twitter:
A Igreja nasce do gesto supremo de amor que é a Cruz, do lado aberto de Jesus. A Igreja é uma família na qual se ama e se é amado.
O capítulo 19 do Evangelho de João tem uma cena que seria terrível para os olhos humanos. Mas o discípulo amado tinha outra visão; via com os olhos de fé. Jesus já estava morto na cruz. Os soldados se aproximaram e tinham a missão de garantir que aqueles condenados estivessem mesmo mortos. O dia seguinte seria uma importante festa judaica e os corpos não poderiam estar na cruz. Para isso, quebraram as pernas dos dois ladrões que foram crucificados ao lado do Mestre de Nazaré. Mas chegando a Jesus e vendo que já estava morto não lhe quebraram as pernas mas, por segurança, um dos soldado traspassou-lhe o lado com uma lança e saiu sangue e água.
Um olhar racional veria naquele gesto uma tortura desnecessária, uma crueldade inútil. Por que maltratar alguém que já está morto? Mas o discípulo amado teve um pensamento mais profundo. Olhou para a cruz com os olhos da fé. Alguns momentos antes, na última ceia, ele havia repousado sua cabeça no peito de Jesus e escutou as batidas daquele coração que agora era cruelmente traspassado. O olhar da fé tem a capacidade de assumir a perspectiva do céu, mesmo com os pés grudados na terra. João viu além das manchetes de um jornal: “Mataram o profeta da Galileia”. Lembrou da antiga profecia que afirmava: “Quando eu for elevado da terra atrairei todos a mim” (Jo 12,32). Com isso tudo mudou de figura. Aquele calvário virou um altar e aquela cruz era uma espécie de exaltação, uma ponte de salvação. A derrota virou vitória. João lembrou que Jesus era o “novo Adão”. O sono do velho Adão deu origem à Eva. O “sono” de Jesus na cruz deu origem à sua esposa que é a Igreja. Nascemos daquele lado aberto.
O Papa Francisco conhece estas “visões” do discípulo amado. Por isso, diz de maneira sintética e forte que a Igreja nasceu na cruz. Aquela água saída do lado aberto é memória do batismo que nos insere no Corpo místico de Cristo. Aquele sangue aponta para a Eucaristia que nos alimenta com este mesmo corpo e sangue de salvação. Fomos gerados naquele gesto louco de um soldado precipitado. Somos aquilo que comungamos: membros do mesmo corpo santo.
Este gesto de entrega, para além da morte, é metáfora do amor. Amar é mais do que gostar. É muito mais do que paixão. Amar é querer o bem do outro. Paixão é querer o outro para o seu próprio bem. Como disse muito bem o poeta Camões “o amor é ferida que dói e não se sente; é um contentamento descontente; é cuidar que se ganha em se perder”. É exatamente isto! Amar é abrir as mãos, os ouvidos, a mente, o coração. A Igreja nasceu do lado aberto. Nasceu de um coração que se doa até a última gota. Por isso somos uma família de amor. Se a família é uma Igreja; a Igreja é uma família. Na Igreja o sacerdote é pai do povo e na família os pais são sacerdotes do lar. Tanto na Igreja como na família temos que manter nossos “lados” abertos. Mas vivemos em um tempo de muitas mentes e corações fechados. O Papa Francisco insiste que devemos ser uma Igreja de portas abertas. Abertas para acolher e também para sair em missão. Somos uma Igreja “em saída”. Somos uma família onde é possível viver o céu por antecipação. Somos uma Igreja de portas abertas, mas principalmente de corações abertos e solidários de onde nasce a água e o sangue que nos purifica e alimenta.