Sacerdote destaca que a fé cristã ensina a submeter tudo à dinamys do poder redentor da cruz de Jesus, para ser levado à sua perfeição
Padre Antônio Aparecido Alves*
O tema da salvação é central em quase todas as religiões, sendo essa a recompensa que elas oferecem aos seus seguidores, contanto que satisfaçam suas exigências internas, tais como a prática de determinados ritos, bem como a purificação e a imitação da divindade. O cristianismo, no entanto, professa uma salvação oferecida gratuitamente em Jesus Cristo, que se encarnou num momento preciso da história e em circunstâncias bem concretas de um povo. Essa é a mais antiga experiência da fé cristã atestada nos Evangelhos e que celebramos nesta semana.
O que não foi assumido, não foi redimido
O Concílio Ecumênico Vaticano II afirma que “a obra redentora de Cristo, que consiste essencialmente na salvação dos homens, inclui também a instauração da ordem temporal” (Apostolicam Actuositatem n. 5), isto é, a salvação operada por Ele foi extensiva ao mundo das relações políticas. Portanto, essa salvação gratuitamente ofertada em Cristo não está restrita a uma dimensão espiritual e individual, mas existe uma continuidade entre salvação e ordem social, entre Fé e Política, dentro de uma perspectiva estrutural (COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL, Teologia da Redenção, p.31).
Desta maneira, atingindo também as relações sociais, a redenção configura-se como obra universal, pois não é apenas uma dimensão do criado que é redimido, isto é, o humano, mas sim tudo o que existe, inclusive a vida social. A partir disso, as comunidades cristãs são chamadas a antecipar os valores do Reino e serem lugares de comunhão, de testemunho e de missão, como fermento de redenção e de transformação das relações sociais.
O mistério da iniquidade
Apesar do mal ainda presente no mundo, o Verbo fecundou a história com sua presença divina (Ef 1,5-10). Isso propicia, aos que acreditam no amor de Deus, “a certeza de que o caminho do amor está aberto para todos e que o esforço por estabelecer a fraternidade universal não é vão” (Gaudium et Spes n. 38). A presença do Redentor do homem, através do Espírito Santo, sustenta a perseverança nos projetos que garantem a vida humana e o esforço em submeter a essa finalidade todas as coisas. Dessa maneira, o Espírito suscita dons e carismas diversos, chamando uns para serem sinais dessa realidade transcendente, enquanto desperta outros para que, com coragem e ousadia, se dediquem ao serviço terreno, ensaiando dessa o Reino de Deus.
Embora já vencido pelo mistério pascal, o mal continua agindo no mundo enquanto a humanidade está nessa etapa histórica situada entre o “já” e o “ainda não”. Por isso, a fé cristã ensina que tudo deve ser submetido à dinamys do poder redentor da cruz de Jesus, para ser levado à sua perfeição. Isso é evangelizar a política, no sentido mais estrito do termo, e essa é a missão específica da Igreja, uma vez que ela é sacramento de salvação, e existe para evangelizar. A missão da comunidade eclesial, enquanto comunidade de salvação é, portanto, dirigir o olhar de todos para o mistério redentor de Cristo, a fim de os ajudarem a se apropriarem da redenção que Ele operou, tocando nas diversas esferas que compõe a aventura do humano: os corações, as consciências e as vicissitudes humanas. Mais ainda: a Igreja deve ser sacramento de realidades que transcendem este mundo, indicando que a perspectiva da eternidade corta transversalmente a história e aponta para um horizonte que transcende a lógica humana, construindo a esperança cristã que não decepciona (Rm 5,5).
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*Padre Antonio Aparecido Alves é Mestre em Ciências Sociais com especialização em Doutrina Social da Igreja pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma e Doutor em Teologia pela PUC-Rio. Professor na Faculdade Católica de São José dos Campos e Pároco na Paróquia São Benedito do Alto da Ponte em São José dos Campos (SP). Para conhecer mais sobre Doutrina Social visite o Blog: www.caminhosevidas.com.br