Há mais mulheres atuando como psicólogas no país — e nas mais diversas áreas — tais como aeronáutica, empresas ou mesmo centros específicos de tratamento
Thiago Coutinho
Da Redação

Pesquisa aponta que 79,2% dos psicólogos no Brasil são do sexo feminino / Foto: Christina @ wocintechchat.com por Unsplash
Nesta quarta-feira, 27, recorda-se uma profissão que tem cada vez mais arregimentado espaço na vida de quem procura saúde mental: o psicólogo. A regulamentação da profissão é relativamente nova no Brasil: deu-se em 27 de agosto de 1962, por meio da lei 4.119. O Conselho Federal de Psicologia (CFP) só viria surgir em 17 de junho de 1972.
A atuação da Psicologia cresceu muito ao longo dos anos. É possível, hoje em dia, perceber que há psicólogos não só em consultórios, mas em empresas, no setor público e até no setor militar. Os mais diversos setores de atuação humana absorvem o conhecimento do comportamento humano estudado pela psicologia.
Números
Dados de uma pesquisa realizada pelo CensoPsi 2022, que entrevistou 20.207 psicólogos, mostra que a distribuição desses profissionais no Brasil fica entre 79,2% mulheres e 20,1% homens. No estado de São Paulo, por exemplo, são 141.874 psicólogas e 24.758 psicólogos. Já no Rio de Janeiro, são 52.795 psicólogas e 9.173 psicólogos.
No que se refere à idade, 50% dos profissionais de Psicologia têm até 39 anos. Segundo o Conselho Federal de Psicologia, são 562.751 psicólogos em todo o país.
Desde que foi regulamentada, a profissão tem ganhado mais espaço em diversos setores da sociedade. O noticiacancaonova.com conversou com três psicólogas que exercem a profissão em áreas díspares. Confira o que essas profissionais têm a dizer.

Marcele Borges há quatro anos é psicóloga na área militar / Foto: Arquivo Pessoal
Psicóloga na aeronáutica
Há quatro anos, Marcele Borges é psicóloga na área militar. Aprovada em um processo seletivo chamado Convocação de Oficiais para Quadro de Apoio, Marcele atua em um ambiente hermético em que a hierarquia e o respeito são características muito presentes. A psicóloga lida com personalidades que têm alguma dificuldade em demonstrar emoções.
Ainda que exista um empenho em se incentivar a irem até um psicólogo, Marcele ressalta que ainda há relutância. Ela conta que muitos ainda têm uma crença de que o militar tem que ser forte e não pode se abalar. “O principal trabalho é mudar essa crença, que demonstrar fragilidades não é ser fraco. A vida militar é muito exigente. Acredito que a principal diferença no cuidado da saúde mental é a pessoa saber separar quem é como pessoa do posto que ocupa”, pondera a especialista.
O trabalho psicológico neste setor específico contribui para a saúde mental dos militares e ajuda em suas performances em situações de alta pressão. “Aqui trabalhamos muito o que chamamos de estímulos estressores, são situações rotineiras que possibilitam avaliar a reação emocional frente algumas situações. Quando necessário, o psicólogo intervém para ajudar o militar a lidar com algum tipo de descontrole, esse preparo ajuda os militares a lidarem com a situação real de alta pressão”, diz.
Cuidar da saúde física é tão importante quanto o cuidado com o bem estar mental — e a Aeronáutica valoriza esta postura. “Por exemplo, nós temos rotina e planejamento, isso ajuda a ter uma semana de trabalho mais estruturada e menos estressante. A prática de educação física é obrigatória, duas vezes por semana temos um horário específico para prática de exercícios, o que contribui também para a saúde mental”.
A data dedicada aos psicólogos, para Marcele, mostra como a profissão vem ganhando espaço na sociedade contemporânea. “O dia do psicólogo é importante para celebrar a conquista de novos espaços para psicologia, incluindo o militarismo. Quebrar o estigma que psicólogo é pra quem tem problemas, mostrar que nosso trabalho também contribui para formação de militares mais fortes e humanos”, afirma.

Vanessa Ferreira trabalha no CAPS há oito anos / Foto: Arquivo Pessoal
CAPs
Em 6 de abril de 2001, uma lei foi sancionada pelo então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. Essa mudança representou um alento e um divisor de águas para as pessoas que sofrem com distúrbios, doenças e transtornos mentais. Nesta época foi sancionada a reforma psquiátrica. Assim, gradualmente manicômios e hospícios foram fechando suas portas em todo o país.
Desde então, a Lei Antimanicomial e o Ministério da Saúde determinaram a criação dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) em todo o país. Os CAPs são, por definição, espaços para o acolhimento de pacientes com transtornos mentais, em tratamento não-hospitalar. A função é prestar assistência psicológica e médica, visando à reintegração dos doentes à sociedade.
“Tradicionalmente falando o papel do psicólogo no CAPS (principalmente do ponto de vista de um CAPS II, onde atuo) é o mesmo para todos os técnicos de nível superior: Terapeuta Ocupacional, Assistente Social, Profissional de Educação física, Pedagogo e Enfermagem”, explica a psicóloga Vanessa Ferreira, que trabalha em uma unidade do CAPS em Taubaté, interior de SP, há oito anos.
“O CAPS apresenta, para cada nível de gravidade de doenças, grupos que incluem outros grupos de usuários que passam os dias desenvolvendo atividades conosco. Alguns pacientes são atendidos uma vez por semana, outros vão apenas às consultas médicas. Temos por responsabilidade manter conversas individuais de tempos em tempos, seja a pedido do técnico ou do usuário para reavaliar e modificar seus prontuários conforme melhoras ou pioras”, explica a psicóloga.
Para Vanessa, é essencial fazer com que a família do paciente esteja inserida em todo o processo. “Temos grupos específicos só para familiares e também para entenderem melhor como funciona a doença para sempre tentarmos melhorar a relação entre os pacientes, familiares e comunidade, tendo um convívio de afeto e respeito como todos merecemos”, observa.
Todo este trabalho interdisciplinar dentro do CAPS, segundo Vanessa, potencializa os resultados alcançados pelo atendimento psicológico. “O trabalho interdisciplinar é essencial. Não existe CAPS sem equipe multidisciplinar”, exalta. “Se construirmos um time ali, cada um contribuindo com a sua parte, quem ganha sempre são os pacientes — e isso vai desde os escriturários, que tentam eliminar para nós a maior parte da burocracia e se responsabilizam pela recepção, aos responsáveis pela limpeza, que mantêm o serviço limpo e em ordem para que possamos focar nos usuários”.
A divisão da equipe faz com que seja possível avaliar o progresso individual de cada paciente. “Como conseguimos dividir a responsabilidade, observamos melhor quem está participando, quem está bem, quem não está bem. É sempre importante todos grupos terem mais de um técnico para facilitar a nossa proteção pessoal e dos outros caso algum usuário entre em crise”, avalia Vanessa.
Apesar de todo esse cuidado e avanço, Vanessa ainda sente que há preconceito com relação ao tratamento psicológico. “Ainda existe muito preconceito com a necessidade de tratamento para saúde mental”, lamenta. “São necessárias mais campanhas nesse sentido. Muitos pacientes desabafam conosco que algum familiar ou conhecido diz que aqui [o CAPS] é lugar de louco. Minha resposta para essas pessoas é exatamente o contrário: aqui é um lugar para quem não quer ficar louco”, reitera.

As psicólogas Regilane Marques Rodrigues Silidonio e Dayane Abirached Salomão / Foto: Arquivo Pessoal
Psicologia nas empresas
Outro ramo da psicologia contemporânea atua na empresa. Trata-se da psicologia organizacional, que é responsável por avaliações e processos internos e que pode auxiliar no melhor rendimento de colaboradores, na produtividade e bem-estar do corpo organizacional.
“O psicólogo organizacional atua como um elo entre pessoas e resultados. Ele ajuda a compreender como fatores humanos impactam diretamente no desempenho e na saúde da organização”, explica a psicóloga Regilane Marques Rodrigues Silidonio. Junto com sua sócia, a também psicóloga Dayane Abirached Salomão, atua há 13 anos na área de consultoria e avaliação psicológica para empresas.
Segundo Regilane, o papel do psicólogo nesses espaços empresariais é levar mais humanidade. “O papel do psicólogo é olhar para esses indivíduos não apenas como mão de obra, mas como sujeitos que precisam de condições adequadas para produzir, se desenvolver e permanecer saudáveis. Isso significa atuar na seleção de pessoal, no desenvolvimento de lideranças, na gestão de riscos psicossociais e na construção de um ambiente em que as pessoas sintam pertencimento e motivação. É um trabalho que impacta a cultura, a produtividade e, acima de tudo, a qualidade de vida no trabalho”, aponta.
Um tema recente que vem sendo debatido pela sociedade é justamente a jornada de trabalho: excessos de atividade profissional têm levado a doenças como burnout. Estimativas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), do Ministério da Previdência Social, apontam que de 178 afastamentos por burnout, em 2019, o Brasil passou para 421, em 2023, um aumento de 136%.
“A sobrecarga de trabalho é um dos grandes vilões da saúde mental nas empresas”, lamenta Regilane. “Jornadas excessivas, somadas a cobranças mal direcionadas, acabam gerando desgaste emocional, queda de produtividade e até afastamentos. Na prática, percebemos que esse movimento ‘workaholic’ se intensificou após a pandemia: o limite entre trabalho e casa praticamente desapareceu. Muitas pessoas passaram a estar disponíveis o tempo todo, o que trouxe uma sobrecarga enorme — tanto física quanto emocional”.
É neste momento que profissionais ligados à psicologia podem ajudar a empresa a gerir a situação com inteligência. “Como psicólogas organizacionais, nosso papel é justamente ajudar a reorganizar esse cenário. Mostramos com clareza que produtividade não está ligada ao número de horas, mas à qualidade do que se faz. Também apoiamos líderes para que adotem uma gestão mais humana, entendendo que descanso, equilíbrio e reconhecimento são fatores essenciais para preservar a saúde mental e, ao mesmo tempo, garantir bons resultados para a empresa”, afirma Regilane. “Essa atuação é preventiva e tática: contribui para reduzir riscos de adoecimento e promove sustentabilidade no desempenho das equipe”, acrescenta.
Os benefícios que a empresa arregimenta quando decide investir em psicologia organizacional são muitos, e a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) admite isso: a cada US$ 1 investido em saúde mental, as empresas podem ter um retorno de US$ 6. “Esse dado evidencia que falar sobre saúde mental não é uma tendência passageira, mas uma necessidade prioritária, com forte impacto social e econômico. Uma organização que investe nessa área reduz afastamentos, diminui custos com turnover e aumenta a satisfação dos colaboradores. Além disso, conquista ganhos não mensuráveis igualmente relevantes: equipes mais criativas, lideranças mais humanas, um clima organizacional mais saudável e uma reputação fortalecida diante do mercado”, detalha a psicóloga.
“Investir em desenvolvimento humano é, acima de tudo, pensar no futuro da empresa. Porque pessoas saudáveis e motivadas são a base para construir organizações competitivas, inovadoras e sustentáveis”, finaliza.