No dia dedicado aos negros e negras do país, pouco se pode comemorar após três séculos do fim da escravidão no Brasil
Thiago Coutinho
Da redação
Por um projeto de lei de janeiro de 2003, foi estabelecido que o dia 20 de novembro seria o Dia Nacional da Consciência Negra. A data lembra o dia em que Zumbi do Palmares, líder da resistência que lutou contra o regime escravocrata, foi morto, em novembro de 1695. Um dia para se refletir acerca do papel dos negros e negras na construção da sociedade brasileira.
Três séculos depois, os negros ganharam mais espaço e representatividade na sociedade. Mas o preconceito e a discriminação ainda existem― mesmo sendo um país de cultura miscigenada. “O Brasil foi o último país a acabar com a escravidão, foi assunto muito mal resolvido no país, não houve uma organização, uma maneira de absorver toda aquela população, eles não foram inclusos, temos uma separação enorme”, explica a socióloga e professora universitária, Lucia Rangel.
E esta não inclusão da população negra pode ser percebida nos dias atuais. De acordo com pesquisa divulgada nesta sexta-feira, 17, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), negros e pardos são a maioria entre os desempregados, domésticos e ambulantes e, além disto, são menos remunerados do que os trabalhadores brancos.
“Nosso racismo é velado, sutil. Ele aparece quando você nota que há poucos alunos negros na faculdade ― mesmo com um ligeiro aumento com o sistema de cota. A população negra representa mais de 50% da população brasileira. Estamos muito longe de caminhar, de progredir com esta história”, afirma Lúcia.
Por que é tão difícil criar uma política de inclusão social mais digna e menos excludente? Para a psicóloga social, mesmo representando a maior parte dos brasileiros, os negros não têm representatividade e, além disto, há um conflito de interesses. “Eles são alijados do processo econômico, social e político você acaba garantindo para o restante uma situação privilegiada”, pondera a socióloga.
Infelizmente, este sentimento de diferenças raciais são impostas nos cidadãos desde crianças. Para Lúcia, o ideal é persistir numa educação mais democrata ― mas isto pode não ser suficiente, pois há uma influência do mundo externo difícil de ser superada. “Mesmo crianças em que a escola adote uma educação mais controlada, isto é muito difícil. A criança verá na televisão, por exemplo, que a empregada doméstica é negra, o chofer é negro, o gari é negro. A criança entende tudo isto. Ela pode não raciocinar para explicar a situação, mas ela entende. E isto cria uma geração racista atrás da outra”, afirma.
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O assunto racismo, porém, não deve ser evitado. O debate não pode ficar restrito, mas sim envolver os meios de comunicação, a sociedade e seus representantes para que todos entendam o quão nocivo o racismo pode ser. “Há muitas pessoas que acreditam até que o racismo não existe em nosso país. Fala-se muito pouco nisto”, pondera.
O racismo no Brasil fica evidente quando analisamos as redes sociais. São inúmeros os casos de pessoas, até famosas, que já sofreram este tipo de agressão em ambiente virtual ― o que torna este fenômeno ainda mais melancólico, uma vez que o perfil desses agressores virtuais é público e pode ser acessado por quaisquer pessoas.
“O racismo no Brasil é muito profundo e as redes sociais têm mostrado isto mais”, afirma Lúcia. “As redes sociais dão ao usuário aquela falsa impressão de anonimato, pois quase nunca há uma grande represália contra estes casos”, reiterou.
Apesar de pouco mais de três séculos desde o fim do racismo, fica evidente que o Brasil ainda tem muito a evoluir quando se trata do preconceito e da discriminação racial. “O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons”, como diria Martin Luther King, expoente norte-americano contra o racismo. Quem se cala diante de atos racistas acaba sendo conivente com eles.