Artigo - Doutrina Social

Cristãos no mundo da Política

Padre destaca que é importante presença profética do cristão na política, mas além de boa vontade e virtudes, é preciso preparo

Padre Antonio Aparecido Alves*

“Os que são ou podem tornar-se aptos para exercer a difícil e muito nobre arte da política, preparem-se para ela” / Foto: Niyazz by Getty Images

Estamos vivendo um tempo de turbulência política em nosso País, que atinge todos os setores sociais, especialmente os membros mais vulneráveis da sociedade, golpeados pelo desemprego, pela falta de um sistema público de saúde e educação de qualidade, entre outras coisas.

Podemos, em princípio, afirmar que na origem desta situação está a ausência de referências éticas e morais, como nos indicam as diversas operações contra a corrupção feitas pelo Ministério Público. Será que elegendo pessoas que são de nosso meio e comprometidas com a Igreja e seus valores se resolveriam as coisas?

É preciso salientar que, na Política, como de resto em outras instâncias sociais, não bastam somente a boa vontade e as virtudes individuais. Um médico, por exemplo, pode ser um excelente marido, um pai extraordinário e um cristão exemplar, mas será o mesmo como profissional da saúde quanto mais estiver qualificado e atualizado nas últimas descobertas da medicina e por sua participação em congressos e simpósios que interessam à sua profissão.

O mesmo pode-se dizer daquele que exerce um mandato político. O fato dele ser uma pessoa honesta e um cristão praticante não garante automaticamente que será um excelente político. Por isto o Concílio Ecumênico Vaticano II na Gaudium et Spes n. 75 exortou: “Os que são ou podem tornar-se aptos para exercer a difícil e muito nobre arte da política, preparem-se para ela” (o grifo é meu).

Infelizmente, no meio cristão, pessoas de boa vontade entram para a Política, mas nunca tiveram antes atuação política em nenhum sentido. Não participavam das reuniões do condomínio, de pais e mestres na Escola, nem da sociedade amigos de bairros, menos ainda de sindicatos ou Conselhos Paritários. Nunca estiveram em uma sessão de Câmara. Do ponto de vista teórico, nunca tiveram formação na área de Ciências Políticas ou de Doutrina Social da Igreja. Enfim, como pede a Gaudium et Spes, não se prepararam para estarem onde estão. Portanto, não bastam a boa vontade e as virtudes individuais.

Virtudes sociais e presença profética

As coisas no mundo da Política são mais complexas do que imaginamos. Sabemos que uma “maçã boa” não vai mudar um “barril de maçãs podres”. No entanto, vem um primeiro elemento da presença cristã na Política, que é o “profetismo”. A presença profética do político cristão é muito importante, pois ele incomoda. Todo incômodo, como testemunho de fé e de utopia, é positivo. Como diz o profeta Ezequiel, mesmo que não o ouçam, saberão que por ali passou um profeta (Ez 2,5).

Junto com essa presença profética vem outra dimensão não menos importante. Exigem-se do político cristão, de maneira especial, as virtudes sociais, tais como honradez, o espírito de justiça, a sinceridade, a amabilidade, a fortaleza de ânimo (Apostolicam Actuositatem n. 4).

A Gaudium et Spes diz: “Procurem exercê-la [a Política] sem pensar no interesse próprio ou em vantagens materiais. Procedam com integridade e prudência contra a injustiça e a opressão, contra o domínio arbitrário de uma pessoa ou de um partido e contra a intolerância. E dediquem-se com sinceridade e equidade, e mais ainda com caridade e fortaleza políticas, ao bem de todos” (GS n. 75).

Além dessas prerrogativas individuais, é necessário, por fim, um ordenamento institucional centrado no bem comum, que favoreça o acesso e o controle dos cidadãos sobre a coisa pública, com transparência absoluta e acompanhamento do mandato parlamentar.

Uma presença discreta

Pensando especificamente no cristão na Política, poderíamos dizer, então, que ele deve ir sem nenhuma pretensão de “converter” os políticos, mas ao mesmo tempo sem a covardia de esconder o que crê e o que é. Sua presença de fé no mundo da política deve se primar pela discrição.

Neste sentido, são irrelevantes a utilização de símbolos religiosos, tais como Bíblia, terço, imagens e outras. Como dizia Alcide De Gasperi, fundador da democracia cristã italiana: “Deixemos que o nosso fazer concreto mostre de onde partem nossas motivações mais profundas”. No caso do cristão, essa motivação é a caridade, pois o exercício político é a forma mais sublime de exercê-la (Octogesima Adveniens n. 46).

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*Padre Antonio Aparecido Alves é Mestre em Ciências Sociais com especialização em Doutrina Social da Igreja pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma e Doutor em Teologia pela PUC-Rio. Professor na Faculdade Católica de São José dos Campos e Pároco na Paróquia São Benedito do Alto da Ponte em São José dos Campos (SP). Para conhecer mais sobre Doutrina Social visite o Blog: www.caminhosevidas.com.br

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