Artigo - Frei Moser

A Igreja e a síndrome do HIV

Quando, em torno dos anos 80, foram notificados os primeiros casos da Síndrome do HIV, todos foram pegos de surpresa. A surpresa veio logo seguida de uma certa indignação contra as pessoas contaminadas, pois, inicialmente, se associou o HIV com a prática do homossexualismo. Assim, não causa estranheza que também a Igreja tenha custado um pouco a acertar o passo com a nova realidade. Inclusive houve até declarações infelizes, na linha de associar a contaminação com um castigo de Deus.

Entretanto, não tardou muito para que a sociedade de um modo geral, e a Igreja de um modo particular, começassem a compreender de maneira diferente o problema, e passassem a assumir a única atitude condizente com a dignidade humana: a da acolhida dos fatos, seguida de uma ação de apoio. Particularmente no que se refere à Igreja, além da atitude do próprio Jesus, que veio para os enfermos, ela encontrou luz em várias parábolas, sobretudo naquela do bom samaritano. Há situações em que não cabe fazer perguntas, mas unicamente tomar o ferido nos braços e tomar cuidado dele. 

Entretanto, um pouco mais difícil foi passar da atitude de compreensão e compaixão, para a atitude de disponibilizar recursos para que fossem atendidas as necessidades concretas das vítimas do HIV,  que, por sinal, foram rapidamente se tornando mais numerosas. No concreto disponibilizar recursos significa basicamente ao menos duas coisas: incentivar pessoas a se dedicarem à causa, e criar uma infra estrutura. Isto não apenas em termos de prestar socorro aos que já estavam debilitados pela doença, mas também aos que sabem estar infectados, mas que podem reorientar sua vida, sobretudo encontrando forças para enfrentar os desafios próprios de quem se descobre em tal situação. E é preciso reconhecer que tanto o número de pessoas que se dedicam ao socorro, quanto os centros de atendimento foram se multiplicando de maneira notável.

A título de exemplo, podemos lembrar o CEFRAN (Centro Franciscano de Acolhimento Espiritual e Psicoterapêutico aos que convivem com HIV/Aids), na capital de São Paulo. Foi fundado por um frade que ao se descobrir contaminado não se deixou levar pelo desespero, mas venceu a si mesmo e, literalmente, serviu a seus irmãos e irmãs até às últimas forças. De  início, o centro funcionou nas dependências do conhecido Convento Franciscano localizado no Largo de São Francisco, em São Paulo. Entretanto, na medida em que iam crescendo as necessidades, buscou-se outro local mais amplo e adequado, situado do Bairro Belém.

Como o próprio nome sugere, as vítimas encontram não apenas palavras de conforto, mas dispõe de um verdadeiro acolhimento, tanto espiritual, quanto material, e psicoterapêutico. Hoje o CEFRAN encontra-se associado a uma organização bem melhor estruturada e bem mais ampla, o SEFRAS (Serviço Franciscano de Solidariedade), com nada menos do que uma dezena de ramificações. No fundo, percebe-se que as vítimas do HIV não são seres humanos afetados por uma epidemia isolada: estas vítimas são apenas uma amostra, embora contundente, da miséria mais global que afeta milhões de seres humanos. 

Em todo o processo da acolhida, talvez se possam distinguir ao menos três etapas. A primeira é a da simples acolhida, sem muitas interrogações, e sem qualquer tipo de juízo moralizante. A segunda etapa é aquela na qual a própria vítima começa a se colocar perguntas, para as quais não encontra resposta: por que eu? Será que estou condenado a morrer? Devo abrir o jogo para meus parentes e amigos? Esta segunda etapa costuma ser logo seguida de uma espécie de revolta contra tudo e contra todos. É talvez a fase mais "perigosa", no sentido de as vítimas, acometidas de desespero, sentirem como único conforto a "companhia"  de outras pessoas contaminadas.

Se as duas primeiras etapas forem devidamente trabalhadas, abrem-se boas perspectivas para uma terceira etapa, que é aquela da reintegração na sociedade. A reintegração não depende nem só das vítimas, nem só da sociedade, mas de uma espécie de simbiose. Por outro lado, também não vem ao caso se a reintegração se dá por atividade física mais intensa ou menos intensa, mais duradoura, ou menos duradoura. O que importa é uma espécie de processo de reconciliação em que se põe termo a qualquer tipo de discriminação e de agressões mútuas.

Enfim, a terceira etapa é aquela na qual nada mais espanta, e onde passa a brilhar a esperança de uma vida nova, pouco importando se a morte venha a ocorrer com maior ou menor sofrimento, com maior ou menor rapidez: a serenidade esperançosa é uma espécie de sinal que brilha como no céu, como no caso de Noé: termina a maldição e passa a vigorar a bênção. É o começo de uma verdadeira ressurreição tanto para os que parte, quanto para os que ficam.

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